As implicações da pandemia de COVID-19 para o meio ambiente

A forestry worker, wearing a face mask for protection against coronavirus, gathers fallen wood from a tropical area, in Guinée, Africa.

Trabalhador rural, usando máscara para proteção contra o coronavírus, recolhe madeira caída em uma área tropical na Guiné, na África. A foto cortesia de Aboubacarkhoraa Wikimedia Commons (CC BY-SA 4.0)

isolamento provocado pela pandemia da COVID-19 proporcionou cenas de recuperação do meio ambiente de grande magnitude: fumaça desaparecendo nos céus da Índia, canais navegáveis com as águas mais claras de que se tem notícia na Itália, bodes da montanha circulando pelas ruas do País de Gales, tartarugas marinhas retornando às praias brasileiras. O confinamento em casa levou muitas pessoas a refletir durante esses acontecimentos. À medida que a vida cotidiana paralisava, a circunstância gerou uma perspectiva única e permitiu uma pausa para reflexão. Será isso também uma janela de oportunidades? Entrevistamos Andrew Kowalczuk, colaborador da Global Voices, engenheiro de tecnologias sustentáveis (tecnologia ambiental) e ex-pesquisador biomédico, sobre as implicações para saúde, vida selvagem e clima no futuro pós-COVID.

Kevin Rennie (KR): Observamos um ressurgimento espetacular de animais em habitats e áreas urbanas durante o isolamento provocado pela crise da COVID-19. Quais são novas oportunidades ou ameaças à vida selvagem?

Andrew Kowalczuk (AK): The resurgence of wildlife holds a powerful appeal, for several reasons. People, confined to these eerie quiets, find out they’re closer to nature than they had ever realized. And that is very hopeful, an atavism, or fascination with biodiversity, as contrast to urbanized living. The reverse side, however, is that humans are custodians of rare animals. Globally, eco-tourism is by far the number-one source of funding for national parks, wildlife reserves, and conservation initiatives. COVID travel restrictions directly caused the collapse of tourism, and therefore the economies, of those destinations. In Africa, Central America, and other locales, there has unfortunately been an increase in poaching. Desperation gives the motive, and absence of ranger patrols in wildlife preserves gives the opportunity. Hopefully, media attention will translate to better protection of vulnerable animals after COVID subsides.

Andrew Kowalczuk (AK): O ressurgimento da vida animal contém um apelo poderoso, por diversas razões. Confinadas em um mundo estranho e silencioso, as pessoas descobriram que estão muito mais próximas da natureza do que sequer imaginavam. E isso gera muito otimismo, um atavismo, ou um fascínio pela biodiversidade em contraste com a vida urbana. Por outro lado, animais raros estão na custódia dos humanos. O ecoturismo é de longe a primeira fonte de financiamento para a criação de parques nacionais, reservas ambientais e iniciativas de conservação globais. As restrições das viagens causadas pela pandemia colapsaram o turismo, e com ele, as economias desses destinos. A África, a América Central e outras localidades estão presenciando, infelizmente, um aumento da caça predatória. O desespero traz o motivo e a ausência de policiamento florestal, a oportunidade. Espero que a atenção da mídia motive uma melhor proteção de animais vulneráveis depois dos subsídios da COVID.

KR:  A COVID-19 apareceu na china no final de 2019, mas ainda existe uma controvérsia quanto a sua origem exata e se havia como prevenir o surto. Como esses vírus saem do meio ambiente e atacam os humanos?

AK: Historically, all of the largest pandemics were zoonotic. Meaning, a natural pathogen already present in animals, usually in mammals, jumped that gap between animals and humans. The Plague of Justinian, and the bubonic plagues in the Middle Ages, were a bacillus, originally from rodents. The 1918 influenza pandemic, that time was viral, by recombination of several mammalian viruses, from food livestock. Now with COVID-19, the difference today is that human overpopulation keeps encroaching further into natural environments, into more contact with previously exotic animals. That’s the lesson. Among coronaviridae, several closely related ones found in bats can cause human disease. SARS-CoV-2, the pathogen causing COVID, is again genetically very similar. And there were previous, recent warnings, in the form of the outbreaks of SARS-1 and MERS, in 2003 and in 2012. So, in theory, yes, COVID-19 could have been prevented, by curtailing those human-versus-nature transgressions in the first place.

AK: Historicamente, as maiores pandemias que existiram foram zoonóticas. Isso quer dizer que um patógeno natural já existente, geralmente em mamíferos, transpôs a barreira entre humanos e animais. A  Praga de Justiniano e a peste negra na Idade Média surgiram de um bacilo originário de roedores. Já a pandemia de gripe espanhola em 1918 foi viral, proveniente de uma recombinação de vários vírus de mamíferos encontrados na carne bovina. A diferença hoje com a COVID-19 é que a população humana avança cada vez mais em ambientes outrora selvagens, mantendo cada vez mais contato com animais antes exóticos. Fica aí a lição. Na família coronaviridae, muitos dos vírus têm estreita relação com os encontramos em morcegos e podem causar doenças em humanos. O SARS-CoV-2, o patógeno causador da COVID, também é muito similar no aspecto genético. Recentemente, tivemos alertas com o surto da SARS-1 e da MERS, em 2003 e 2012. Então, posso dizer que, na teoria, a COVID-19 poderia ter sido evitada se tivéssemos cortado lá no começo as agressões que os humanos têm realizado contra a natureza.

IKR: Há especulações de que o novo coronavírus pode ter sido criado ou alterado em laboratório. Seria possível?

AK: Good question, actually. That’s what many people still want to know. SARS-CoV-2 definitely was not created de novo in a laboratory, that is not possible. So instead, let’s look at the more realistic possibility of deliberate genetic modification. Evidence found by mapping the DNA sequences and phylogeny makes that also very unlikely. The novel nucleotide inserts, found in the spike protein domains of SARS-CoV-2 coronavirus, are not something genetic engineers would logically do, in gain-of-function experimentation. Now, that doesn’t rule out the scenario of a naturally occurring strain, with features of clinical interest, having been isolated in a lab, then escaping. If that were so, history will tell that tale soon enough. What matters is that, in any case, prevention of future epidemics will depend on environmental responsibility. New viruses will continually emerge in nature.

AK: Na verdade, esta é uma boa pergunta. Isso é o que muitas pessoas ainda querem saber. Com certeza, o SARS-CoV-2 não foi recriado em laboratório, isso não seria possível. Porém, podemos avaliar a possibilidade mais realista de que ele possa deliberadamente ter sofrido alguma alteração genética. Evidências encontradas ao mapear o sequenciamento de DNA e a filodinâmica tornam isso muito improvável. As novas inserções de nucleótidos encontradas nos receptores de superfície celular do coronavírus SARS-CoV-2 não seriam algo que os engenheiros fariam naturalmente em um experimento de mutação. Agora, isso não descarta a hipótese de que uma cepa com propriedades de interesse clínico tenha sido isolada em um laboratório e depois escapado. Se isso de fato aconteceu, a história não vai demorar para nos contar. Seja o que for que tenha acontecido, o que importa é que a prevenção de futuras epidemias dependerá de responsabilidade ambiental. Novos vírus não deixarão de surgir na natureza.

KR: Alguns habitats naturais estão desaparecendo devido à exploração humana. A redução no ritmo imposta pela pandemia comprará algum tempo para reverter esse processo?

AK: Not necessarily, for example, deforestation in the Amazon basin in Brazil. The expectation was that lockdown would slow destruction of rainforests. Actually the opposite is the case, a sharp increase in deforestation by clearance of land beginning around April of this year as seen by direct observation and in satellite imagery. There’s a double-edged effect. First, Brazilian government choosing not to enforce environmental law, and even giving an amnesty for illegal logging. Next, tycoons whose legal businesses became unprofitable in lockdown turning their attention to the Amazon. The people directly cutting rainforest trees are impoverished laborers in a shifting, informal economy who know it’s illegal, often feel remorse, but have few other options for subsistence. Besides losing carbon dioxide sequestration, more intense fire seasons will result. And the loss of biodiversity is analogous, or synonymous, with the wildlife conservation question.

AK: Não necessariamente, veja, por exemplo, o desmatamento na Amazônia brasileira. A expectativa era que o isolamento fosse diminuir a destruição das florestas tropicais. Mas, na verdade, o que vimos tanto pela observação da região como por imagens de satélite, foi exatamente o contrário, um aumento acentuado no desmatamento desde meados de abril deste ano. É uma situação muito incerta. Primeiro, o governo brasileiro optou por não reforçar sua lei ambiental e até anistiar os responsáveis pela extração ilegal de madeiras. Depois, grandes empresários, cujos negócios legalizados deixaram de gerar lucro no isolamento voltaram sua atenção para a Amazônia. As pessoas que estão diretamente envolvidas no corte de árvores são trabalhadores pobres em uma economia instável e informal; sabem que o que fazem é ilegal e se sentem culpados por isso, mas têm poucas outras opções de subsistência. Além disso, a diminuição na capacidade de sequestro de carbono, resultará em temporadas de queimadas mais intensas. E a perda de biodiversidade anda de mãos dadas com a questão da preservação da vida selvagem.

KR: Melhorias na qualidade do ar foram relatadas durante o isolamento. Como podemos aproveitar isso?

AK: That aspect has been most remarkable to the most people, since smog occurs over dense urban areas. If suddenly, skies are more blue, and citizens breathe more freely, they realize a more healthy and sustainable life is within reach. COVID lockdowns were the largest restriction of population movement in human history. And that curtailed industrial and other sources of pollutants, particulates, and greenhouse gases. Global carbon dioxide emissions in 2020 will have had the largest annual percentage decrease since the Second World War, the effect is gigantic. Some major cities, such as Milan and Brussels, do intend to reclaim urban spaces from automotive traffic. And there’s an unprecedented baseline from which to estimate what it would be like without combustion vehicles. Compliance would otherwise be low, so yes, jurisdictions will take this opportunity to push through measures for improved air quality.

AK: Esse foi o aspecto mais notável para a maioria das pessoas, já que a qualidade do ar é ruim em áreas muito urbanas. Se, de repente, o céu está mais azul e as pessoas, respirando com mais liberdade, elas percebem que uma vida mais saudável e sustentável não está fora de alcance. O isolamento provocado pela COVID foi a maior restrição imposta ao movimento populacional da história. Isso reduziu a emissão de poluentes, partículas e gases de efeito estufa, tanto proveniente da indústria quanto de outras fontes. As emissões de dióxido de carbono em 2020 terão a maior redução em percentual desde a Segunda Guerra Mundial, o efeito disso é gigantesco. Algumas cidades grande, como Milão e Bruxelas, estão com a intenção de impedir o tráfego de automóveis em algumas áreas urbanas. E agora temos um efeito comparativo sem precedentes para estimar como as coisas seriam sem veículos de combustão. Contudo, a aderência seria muito baixa, por isso acredito que as jurisdições aproveitarão a oportunidade para adotar medidas que promovam a qualidade do ar.

KR: Por fim, quais os desafios no campo das mudanças climáticas enfrentaremos no mundo pós-COVID? Como podemos lidar com eles?

AK: Well, thank you, and to all our Global Voices authors, for having taken such a comprehensive overview of the issues. In the short term, diplomacy on climate change policy has been somewhat interrupted by COVID. As for the economics, many gigawatts of renewably sourced electricity, which would have gone online in 2020, have been delayed in deployment. That said, the United States is expected, for the first time, to produce more electricity from renewables than from coal. Renewable energy can stimulate economic growth in the recovery from recession, in any nation. Especially as its production is decentralized. In science, the intense work on deciphering coronavirus genomics, epidemiology, and vaccines, has given more urgency and openness to international cooperation than ever before. That same model will be needed for climate change mitigation. So, there you have it. Thanks for the forethought in these questions and coverage, and in your foresight for the future.

AK: Agradeço a você e a todos os redatores da Global Voices pela abordagem tão abrangente dessa questão. No curto prazo, os trabalhos diplomáticos nas políticas de mudanças climáticas foram interrompidos devido à COVID. Quanto à economia, muitos gigawatts de eletricidade provenientes de fontes renováveis, que estariam disponíveis para uso em 2020, vão demorar um pouco mais para serem disponibilizados. Por outro lado, pela primeira vez na história, há a expectativa de que os Estados Unidos produzam mais energia de fontes renováveis do que de carvão. A energia renovável pode ajudar qualquer país a vencer a recessão por estimular o crescimento econômico, especialmente porque sua produção é descentralizada. Na ciência, o trabalho intenso que foi feito no mapeamento genético do coronavírus, na epidemiologia e na criação de vacinas deram mais celeridade e promoveram cooperação internacional como nunca antes. Esse mesmo modelo será necessário na mitigação das mudanças climáticas. Bem, é isso. Muito obrigado pela preocupação e cobertura dessas questões e no cuidado com nosso futuro.

Inicie uma conversa

Colaboradores, favor realizar Entrar »

Por uma boa conversa...

  • Por favor, trate as outras pessoas com respeito. Trate como deseja ser tratado. Comentários que contenham mensagens de ódio, linguagem inadequada ou ataques pessoais não serão aprovados. Seja razoável.