O jogador de futebol brasileiro Vini Jr. paga um preço doloroso por se manifestar contra ataques racistas

Na véspera de um amistoso entre Espanha e Brasil, disputado em Madri no dia 26 de março, o jogador de futebol brasileiro Vinicius Junior (Vinícius José Paixão de Oliveira Júnior) sentou-se sozinho à mesa para responder a uma sala lotada de jornalistas. Com os recorrentes ataques racistas sofridos por ele por mais de dois anos enquanto jogava no clube espanhol Real Madrid, todas as perguntas dirigidas a ele eram sobre o mesmo assunto.

Com pouco mais de sete minutos de coletiva de imprensa, Vini pareceu engasgar um pouco ao responder sobre as agressões. “Estou cada dia mais triste, cada vez sinto menos vontade de jogar, mas vou continuar lutando”, disse.

Poucos minutos depois, quando o assunto permaneceu sobre como o jovem de 23 anos se posicionava contra o racismo, ele começou a chorar e a transmissão ao vivo foi brevemente interrompida. Quando voltou, os jornalistas na sala o aplaudiram.

Ainda assim, na conferência, Vinicius Jr. disse que cada vez que falava sobre um caso, os discursos racistas contra ele aumentavam.

A cada denúncia, cada vez mais me insultam, porque pensam que eu estou contra a Espanha. Não estou contra a Espanha, estou contra todos os racistas que tem no mundo, seja brasileiro, seja de toda parte. Estou contra todos eles e quero igualdade para todos nós.

Suas lágrimas foram recebidas com reações mistas. Nas redes sociais, alguns as chamaram de “lágrimas de crocodilo”. Outros zombaram que se tratava de uma cena encenada para o documentário da Netflix que ele estaria filmando, em fevereiro, o Valencia proibiu a equipe de produção de filmar durante a partida contra o Real Madrid.

No canal Sportv, o jornalista Luiz Teixeira, que também é negro, afirmou estar revoltado e chamou a atenção da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) por deixar Vinicius sozinho na coletiva. Para Teixeira, o jogador estava sendo usado como uma espécie de cortina de fumaça:

Para mim ficou claro que o Vinicius ali, aquele fundo preto e um monte de gente aplaudindo o choro de um jogador, a dor de um jogador, é a comercialização da dor, do racismo, de todo o sofrimento que ele passou, e não duvido amanhã ele ser chamado de macaco por um dos torcedores no Santiago Bernabéu.

Linha do tempo dos casos

Uma linha do tempo publicada pelo Globo Esporte (GE) no ano passado observa que Vini sofreu racismo enquanto jogava no Brasil, mas que isso se tornou mais constante depois que ele se mudou para a Espanha.

Em outubro de 2021, a La Liga, a liga espanhola de futebol, denunciou os torcedores do FC Barcelona por proferirem insultos racistas contra o jogador durante o clássico local contra o Real. Os autores nunca foram identificados, e o caso acabou sendo arquivado.

Desde então, foram registrados casos envolvendo torcedores do Mallorca, Valladolid, Betis e Osasuna. Em janeiro de 2023, um boneco com a camisa de Vini foi pendurado pelo pescoço em uma ponte por torcedores do Atlético de Madri. Em maio de 2023, Vini apontou para os torcedores do Valencia que o estavam chamando de “macaco” durante uma partida; isso levou a uma briga mais tarde e à sua expulsão do campo.

Esse episódio fez com que o Real Madrid e figuras como o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, manifestassem apoio ao jogador, e o clube foi punido.

Em determinado momento, durante a coletiva de imprensa, um repórter da Reuters perguntou a Vini Jr. o que era mais frustrante para ele em relação à situação, lembrando que na semana anterior um torcedor foi filmado do lado de fora do estádio do Atlético de Madri chamando-o de “chimpanzé”. Vini respondeu:

Se a gente começar a punir, não que eles vão mudar o pensamento deles, mas eles vão ficar com medo de falar, seja por que nos estádios tem câmeras. E que eles possam também educar seus filhos, porque muitas vezes aqui tem crianças me xingando, e eu não culpo a criança, porque elas não entendem ainda. Na idade delas, eu também não entendia o racismo.

Reações

Vini também falou sobre estudar mais sobre a causa e a luta antirracista, e mencionou o icônico boxeador e ativista norte-americano Muhammad Ali em um determinado momento. Ele disse que enfrentar o racismo era exasperante, mas que continuaria fazendo isso para que seu irmão de cinco anos não precisasse fazê-lo, e nem as pessoas que viessem depois dele.

No início de fevereiro, Vini se reuniu com o ex-jogador da NFL Colin Kaepernick, que também enfrentou o racismo em seu esporte e ficou conhecido pelo gesto de “se ajoelhar”. No ano passado, o Rio de Janeiro aprovou uma lei com o nome de Vini para combater o racismo em eventos esportivos, o racismo já é crime na legislação brasileira.

Precisamos de igualdade, um mundo onde todos, independentemente da cor, possam atingir seu potencial máximo.'Obrigado @Vinijr e @Kaepernick7 por abrirem o caminho para um mundo mais justo e inclusivo. Vamos #LutarContraRacismo juntos!

Como muitos na mídia espanhola e nas redes sociais, o goleiro aposentado paraguaio José Luis Chilavert ridicularizou a reação de Vini:

Pão e circo. Ele é o primeiro a insultar e atacar seus rivais. Não seja uma bicha*; futebol é para homens.

Rio Ferdinand, ex-jogador do Manchester United e da seleção inglesa, comentou no Twitter:

A Espanha é um país racista???

Não sei, pois não moro lá para saber ou ver essa experiência. Mas sei que há RACISMO nos estádios de lá e isso parece ser aceito pelas autoridades por algum motivo…? Ver um jovem desmoronar em uma coletiva de imprensa como @vinijr é… pic.twitter.com/s0bhiPH449

O escritor espanhol Manuel Jabois analisou em um programa de rádio:

🗣️ @manueljabois: O jovem negro de 22 anos que chamam de macaco em todos os campos não é um astro multimilionário da seleção brasileira ou do Real Madrid. Ele é um garoto de 22 anos odiado por ser negro, seja jogando futebol ou entregando pacotes da Amazon.

O jogo amistoso entre a Espanha e o Brasil terminou empatado em 3 a 3. O evento foi divulgado como um ato contra o racismo, com a frase “Uma só pele, uma só identidade” decorando o estádio Santiago Bernabéu.

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