Em meio à crise carcerária, defesa de massacres em presídios ganha espaço nas redes sociais brasileiras

Quadra 34 do Cemitério Parque Tarumã, em Manaus, onde estão enterrados os detentos mortos na rebelião do Complexo Penitenciário Anísio Jobim. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil CC-BY 3.0 BR

O Brasil vive hoje uma crise de proporções inéditas no sistema penitenciário. Rebeliões em presídios em oito estados no início de 2017 deixaram mais de 130 mortos em um período de apenas duas semanas em janeiro. Mas além da fragilidade do sistema prisional brasileiro que a crise trouxe à tona, outro fenômeno parece ter ganhado evidência, em especial nas redes sociais: a ascensão de uma apologia da barbárie como discurso político.

Segundo especialistas, os recentes massacres nos presídios são o resultado do fim de um pacto, que já durava quase vinte anos, entre as duas maiores facções criminosas do Brasil, o Primeiro Comando da Capital (PCC), com sede em São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), baseado no Rio de Janeiro, em torno das quais gravita uma constelação de facções regionais. No dia 1º de janeiro deste ano, 64 detentos foram assassinados no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, a maioria integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) cuja hegemonia foi desafiada pelo grupo local Família do Norte (FDN). Ataques similares seguiram-se em outros estados durante o mês de janeiro.

Além de controlar o tráfico de drogas e armas no grandes centros urbanos do Brasil, o CV e o PCC, que nasceram em presídios nos anos 1970 e 1990 respectivamente, se estabeleceram como instâncias de organização dos internos junto à administração carcerária. Vinte anos de pacto entre as duas facções mantiveram o sistema prisional em relativa paz, além de ter contribuído para a redução de homicídios nas cidades onde atuam. Mas as duas parecem ter rompido no final do ano passado, transformando os presídios brasileiros em palcos de uma guerra entre integrantes e simpatizantes de cada grupo.

Violações de direitos humanos, incluindo tortura e execuções sumárias, não são incomuns às forças de segurança brasileiras. Chacinas realizadas por policiais, fardados ou não, acontecem com relativa frequência nas periferias das grandes cidades desde os anos 1990. Em 2015, um relatório da organização internacional Humans Rights Watch classificou o sistema prisional brasileiro como um “desastre em matéria de direitos humanos“.

Mas a defesa dessas práticas, antes realizadas nas margens da sociedade, tem ganhado cada vez mais espaço nas redes sociais e no debate público nacional. Parte do campo da direita política tem assumido a defesa aberta da eliminação física de sujeitos considerados indesejados, inclusive como parte de uma política oficial de segurança pública.

No auge da crise carcerária, a página de Facebook “Direita ao Vivo” publicou uma tabela na qual ordena os presídios de acordo com o número de mortes ocorridas em cada um. Os administradores da página batizaram a brincadeira de “série A dos jogo penitenciários”. No primeiro lugar da tabela está o extinto presídio paulista do Carandiru, onde, em 1992, ocorreu o maior massacre do sistema prisional brasileiro, quando 111 presos foram executados pela polícia militar. A cobertura da página é feita de modo jocoso e celebratório, comparando a guerra entre facções com um jogo, enquanto na caixa de comentários os seguidores torcem por mais mortes.

Seguindo a mesma proposta de defender o extermínio de pessoas encarceradas com uma linguagem humorística, a YouTubber Marcela Tavares, que mantém um canal com mais de 400 mil inscritos, propôs a substituição da 17ª edição da versão brasileira do Big Brother pelo “Big Brother Bandido“. A ideia seria transmitir os massacres nos presídios e transformar os crimes que têm ocorrido no seu interior em atrações televisivas. O clima de humor agressivo e ácido do vídeo é pontuado no final pelo aviso da comediante: “quem disse que eu estou brincando?”

O humor tem sido uma ferramenta de transmissão das ideias conservadoras mais radicais por operar em um campo de indeterminação que permite simultaneamente afirmar que o discurso é inócuo por ser “apenas uma piada”. Contudo, humoristas não tem sido os únicos a pregar publicamente o bordão, amplamente endossado no Brasil, de que “bandido bom é bandido morto”.

No âmbito da crise penitenciária, teve destaque o caso do Secretário Nacional de Juventude, Bruno Júlio, que afirmou em entrevista “Tinha era que matar mais. Tinha que fazer uma chacina por semana”. O caso acabou com a renúncia do secretário, que, no entanto, recebeu diversas manifestações de apoio em sua página no Facebook.

Outro político que causou polêmica ao comentar a crise carcerária foi o Deputado Federal Major Olímpio (PSD-SP), que em sua página oficial do Facebook divulgou um placar com as mortes em presídios e acrescentou “Vamos lá, Bangu! Vocês podem fazer melhor! #EuAcredito”. A mensagem incentiva que os internos do complexo penitenciário de Gericinó, em Bangu, Estado do Rio de Janeiro, promovam rebeliões e chacinas na instituição.

O Deputado faz parte da chamada Bancada da Bala no Congresso Nacional, que reúne parlamentares de viés conservador e punitivista, dentre os quais vários fizeram menção em suas redes sociais às chacinas em presídios tom semelhante. O grupo de congressistas tem atuado com base em um discurso de militarização da sociedade, defendendo o armamento da população e o fortalecimento do aparato repressivo do Estado em suas diversas faces.

A atual crise do sistema penitenciário brasileiro pode ter raízes nesse mesmo discurso. O recrudescimento da legislação penal — com uma tendência de aumento do número de tipos criminais e a expansão dos períodos de encarceramento, no que se convencionou chamar de “populismo penal e a política de combate às drogas baseada na repressão policial levaram a um inchaço do sistema para muito além da capacidade física instalada. Segundo dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias, o Infopen, entre 2000 e 2014 a população carcerária no Brasil aumentou 161%, levando o país a ocupar a posição de 4º nação em número absoluto de presidiários, sendo que aproximadamente 40% deles sequer foram a julgamento.

Essa expansão da repressão, por outro lado, não se refletiu em uma melhoria das estatísticas em segurança pública no país. O Brasil é hoje o 11º país com maior taxa de homicídios do mundo, com uma média de 32,4 homicídios para cada 100 mil pessoas. Já as condições precárias dos presídios brasileiros e a necessidade de auto-organização dos presos possibilitaram o surgimento e crescimento das maiores organizações criminosas do Brasil, de alcance nacional e que hoje estão no centro da crise.

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