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O acidente de carro que matou Oswaldo Payá, ativista pela democracia em Cuba, esteve envolto em mistério e informações desencontradas desde que ocorreu, em julho de 2012, no leste da ilha.
Payá, que dedicou sua vida a promover os direitos humanos e um governo democrático em Cuba, morreu junto com o colega ativista Harold Cepero. Angel Carromero e Jens Aron Modig, políticos europeus que estavam visitando o país para apoiar a causa de Payá, sobreviveram ao acidente.
Enquanto a imprensa estatal e fontes oficiais cubanas [es] noticiavam que Carromero, que estava na direção, havia perdido o controle do carro e batido em uma árvore, rumores de um segundo carro começaram a circular. Os dois europeus sobreviventes do acidente demoraram algumas semanas para contar suas próprias versões sobre o ocorrido. Depois de ter lidado durante décadas com intimidações e ameaças a vida de seu pai, a filha de Payá, Rosa Maria, declarou publicamente que suspeitava de sabotagem. As autoridades cubanas acusaram Carromero de homicídio culposo. Levado a julgamento em outubro, ele foi condenado e sentenciado a quatro anos de prisão. Carromero também fez uma declaração, diante da imprensa, confirmando a versão das autoridades sobre a história.
Levando em conta que os dois passageiros mortos no acidente estavam no banco traseiro do carro, a alegação de que o veículo tenha batido em uma árvore parece improvável.
Este mês, Angel Carromero, que cumpriu parte de sua pena em Cuba e recebeu permissão para completar a sentença na Espanha (com ajuda do governo espanhol), concedeu entrevista ao The Washington Post. O site do jornal não especifica quem conduziu a entrevista.
Na sua nova versão sobre o acidente e o que aconteceu em seguida, Carromero descreve ter sido seguido por diversos carros estranhos, que o último deles bateu na parte de trás do veículo, matando Payá e Cepero, que estavam sentados no banco traseiro. Carromero lembra de ter sido levado ao hospital, onde mais tarde pediram que assinasse um depoimento “oficial” do acidente e contasse esta versão diante da imprensa.
Carromero disse que as forças militares o intimidaram, ao sugerir que ele teria problemas se não continuasse com a versão oficial da história.
One of them told me that what I had told them had not happened and that I should be careful, that depending on what I said things could go very well or very badly for me.
Ele também descreve as condições precárias da prisão e reclama que, enquanto estava no hospital, funcionários o sedaram sem necessidade. Ele acredita que isso pode ter causado um lapso de memória do acidente.
Phil Peters, especialista em relações políticas entre EUA e Cuba e autor de The Cuban Triangle, diz duvidar que quem acompanhou o caso possa acreditar na história contada por Carromero:
…[Carromero’s] conduct to date has frustrated those that most want to pin Paya’s death on the Cuban government, and the presentation of the case – slow, late, and piecemeal, with Modig consistently useless – has limited its impact. My strong guess is that skeptics of both accounts are not going to get satisfaction.
Carromero alega que quando o grupo avistou um veículo seguindo-os, Payá e Cepero disseram ser “de ‘la comunista’”. Para Peters, isso não parece fazer sentido – cubanos não se referem a suas autoridades coloquialmente dessa forma. “La comunista” seria uma forma generalizada de se referir a qualquer um em Cuba, um país comunista.
O ministro espanhol de Relações Exteriores, José Manuel García-Margallo, diz [es] não ter razões para acreditar em Carromero. Segundo o diário espanhol El Pais, o governo espanhol tem lidado com o caso delicadamente, provavelmente para preservar as relações entre os dois países, e proteger cidadãos espanhóis que ainda aguardam julgamento em Cuba.
De acordo com o Havana Times, García-Margallo declarou que Carromero deveria apresentar esta informação diante da corte. Em seu julgamento, Carromero contou aquilo que agora diz ter sido uma descrição falsa do acidente.
Harold Dilla, blogueiro do Havana Times, também demonstrou ceticismo diante do relato de Carromero. Ele notou que pessoas de todos os lados do incidente parecem ter dado depoimentos e espalhado informações que não são completamente verdadeiras – a falta de imparcialidade, durante toda a cobertura do incidente, só piorou a situação. Dilla escreveu,
The unfortunate death of Oswaldo Paya is another example of the morbidities that come with the lack of information openness in Cuba and the lack of independent response channels.
Although the Cuban government acted to provide rapid and technically supported information on the facts of the incident, I don’t think it was sufficient for anyone, if we consider that Paya was always considered an enemy and harassed accordingly.
A morte infeliz de Oswaldo Payá é outro exemplo da morbidez que vem com a falta de informações abertas em Cuba e a ausência de canais independentes de resposta.
Embora o governo cubano tenha agido rapidamente para fornecer informações rápidas e com embasamento técnico sobre o incidente, não creio que tenha sido suficiente para ninguém, se considerarmos que Payá sempre foi considerado um inimigo e foi assediado como tal.
Dilla também apoiou o pedido da família de Payá por uma investigação independente do caso, argumentando que “o governo cubano deveria, em nome da decência, ser obrigado a permitir isso”.
Várias pessoas pediram uma investigação independente do acidente; a família Payá chegou a buscar ajuda para a causa junto às Nações Unidas. Porém, até isso pode ser um desafio. Agustín López lança dúvidas [es] sobre a eficácia desse esforço
¿Qué tribunal internacional tendrá la suficiente potestad para realizar una investigación imparcial y por qué métodos obtendrán pruebas periciales que no sean fraudulentas? ¿Se dignara algún cubano que conozca la verdad a arriesgar la vida en una transparente declaración?
Logo após o acidente, diversas vozes cubanas – mesmo daqueles que não concordavam com Payá – agradeceram seus esforços para pressionar a reforma na ilha. Payá era reconhecido internacionalmente como um dos mais pragmáticos e progressistas defensores da liberdade de expressão, liberdade de associação e outros direitos fundamentais em Cuba. Para a família de Payá e para aqueles que apoiaram seu trabalho, é uma pena que sua morte tenha sido marcada, de todos os lados, por camadas de desinformação e desconfiança.