Hong Kong aprovará lei contra doxing que poderá restringir liberdade de informação

Pessoas estão preocupadas com a possibilidade de a lei antidoxing se tornar uma ferramenta legal para o bloqueio do LIHKG e do Telegram em Hong Kong. Imagem do Stand News.

Em breve, o governo de Hong Kong aprovará um conjunto de duras emendas à Portaria (de Privacidade) de Dados Pessoais (PPDP) contra o doxing, normalmente definido como o ato de publicar ou revelar informações pessoais de uma pessoa, como seu número de telefone ou endereço, sem consentimento e com intenções maliciosas.

lei, ao ser aprovada, dará ao Comissário de Privacidade o poder para conduzir investigações criminais, processar os violadores, acessar dispositivos eletrônicos de empresa de tecnologia sem um mandado em circunstâncias urgentes e emitir pedidos de remoção de conteúdo e bloqueio de sites se as empresas se recusarem a colaborar.

Enquanto o setor da internet demonstrou preocupação sobre a definição vaga de doxing e o aumento no bloqueio de conteúdo nas últimas semanas, o governo intensificou a abordagem linha dura e publicou a lei no dia 16 de julho. A primeira leitura e debate foram realizados no dia 21 de julho. Considerando que, no momento, o Conselho Legislativo não possui nenhuma oposição, a lei provavelmente será aprovada em breve sem muitas emendas. 

A lei atual, pouco diferente da proposta original apresentada em maio, cria duas classificações de delito para conter o doxing.

O limite da primeira classificação declara que qualquer um responsável por divulgar informações pessoais de terceiros “sem consentimento” com a intenção de prejudicar uma pessoa ou sua família pode enfrentar até dois anos de prisão e uma fiança máxima de 100 mil dólares de Hong Kong (R$ 67.214,31 na cotação atual). A segunda categoria, que inclui danos psicológicos, relacionados à divulgação dos dados sem consentimento, estabelece uma pena de até cinco anos de prisão com fiança máxima de 1 milhão de dólares de Hong Kong (R$ 672.143,09, na cotação atual).

Administradores de sites e provedores de serviços locais e do exterior que sejam responsáveis pelas operações da plataforma também podem ser condenados a até dois anos de prisão e uma fiança de 100 mil dólares de Hong Kong (R$ 67.214,31 na cotação atual) se não removerem o conteúdo após receberem a notificação do Comissário de Privacidade.

Definição vaga, poder em excesso e implicações extraterritoriais

A legislação antidoxing proposta levantou preocupações relevantes do setor da internet, como pode ser visto na carta emitida no dia 25 de junho pelo Consórcio de empresas da tecnologia Asia Internet Coalition (AIC).

A carta criticava as emendas por trazer uma definição indefinida de doxing como ações “intrusivas à privacidade de dados pessoais e, de modo efetivo, transformando esses dados em armas”, o que segundo o grupo pode resultar em “uma interpretação bastante ampla de modo que até atos inocentes de compartilhamento de informações on-line poderiam ser vistos como ilegais de acordo com a PPDP”.

A carta também enfatizou que as emendas não levaram em consideração a liberdade de expressão. Por exemplo, não isentam de responsabilização as “situações em que informações (incluindo dados pessoais) são reveladas por uma pessoa com o propósito de estabelecer/defender seus direitos legais, ou quando existe um interesse público de conhecer tais informações”.

O Consórcio também descreveu o poder concedido ao Comissário de Privacidade como “excessivo”:

[The amendments] would effectively empower an independent statutory authority to a level akin to the Hong Kong Police Force itself, and in a manner that is highly unusual and out of step with international privacy developments. There are, to our knowledge, no other jurisdictions in Asia-Pacific which have introduced equivalent powers to statutory authorities.

[As emendas] de fato concederiam um poder equivalente ao da Força policial de Hong Kong a uma autoridade estatutária independente, fato bastante incomum e em desacordo com os desenvolvimentos internacionais na área de privacidade.  Não existe, até onde sabemos, nenhuma outra jurisdição na região Ásia-Pacífico que tenha concedido poderes equivalentes às autoridades estatutárias.

A carta expressou profunda preocupação sobre a habilidade do Comissário de Privacidade em conduzir buscas sem um mandado legal. A lei atual especifica que o poder de conduzir tais buscas se restringirá a “circunstâncias urgentes”.

O Consórcio também considerou como injusta a extensão da responsabilidade criminal para intermediários (funcionários) e as implicações extraterritoriais das emendas bastante excessivas.

Na prática atual, plataformas on-line do exterior que não contem com entidade legal em Hong Kong podem ignorar os pedidos de remoção de conteúdo das autoridades governamentais da região sem nenhuma responsabilização legal. Mas com a extensão proposta pela lei, da responsabilização de seus funcionários, esses indivíduos podem enfrentar acusações criminais se residirem ou, no pior cenário, estiverem viajando por Hong Kong.

Em resposta a essa preocupação específica, a última versão da lei menciona que apenas executivos ou gerentes em posição de processar os pedidos de remoção de conteúdo seriam responsabilizados.

Gigantes da tecnologia internacionais como Facebook, Google, Amazon e Twitter, entre outros, são membros da Asia Internet Coalition, com sede em Singapura.

De acordo com um relatório do Wall Street Journal, Facebook, Google e Twitter estão pensando em sair de Hong Kong para prevenir um risco legal para seus funcionários sob essa nova legislação. Em julho de 2020, pouco após a sanção da lei de segurança nacional de Hong Kong, diversas plataformas de redes sociais e armazenamento de conteúdo, incluindo Telegram, Facebook, Google, LinkedIn e Twitter, recusaram-se a responder os pedidos de dados dos usuários feitos pelo governo de Hong Kong.

Liberdade de informação em risco

Mesmo na segunda proposta, o governo de Hong Kong ainda não abordou outras questões levantadas pelo setor da internet. Em uma entrevista na RTHK, Ada Chung Lai-ling, a atual Comissária de Privacidade, enfatizou que se uma plataforma on-line não cooperar com os pedidos para remoção de conteúdo, o Comissário poderá pedir ao provedor de serviços de internet para derrubar ou bloquear o site.

Chung declarou que 70% dos fornecedores de serviços e plataformas cooperam com a remoção de conteúdos problemáticos ao receberem pedidos do Gabinete do Comissário e ela espera que ainda mais empresas cooperem com os pedidos após a aprovação da emenda, uma vez que ela endurece as punições e criminaliza o não cumprimento dos pedidos.

Ela destacou as dificuldades na aplicação da lei caso a plataforma tenha sua base no exterior ou se o diretor da empresa não estiver em Hong Kong. Para lidar com essa questão, a lei estende a responsabilidade criminal aos funcionários locais que estejam em posição de remover o conteúdo. Chung enfatizou:

“Local staff of these platforms won't be held responsible if they have nothing to do with the operation of the sites…We will only ask the [platforms] to remove the doxxing content… If they refuse to cooperate, we will consider removing the entire website. This is the last step if other approaches don't work.”

A equipe local dessas plataformas não será considerada responsável se não tiver nenhuma relação com a operação dos sites… Só pediremos [às plataformas] para remover o conteúdo fruto de doxing… Caso se recusem a cooperar, consideraremos a remoção de todo o site. Esse é o último passo, caso as outras abordagens não funcionem.

O setor pró-democracia de Hong Kong teme que as emendas forneçam outra base legal, além da LSN, para cortar o acesso a websites e ferramentas como o LIHKG ou Telegram, que são hospedados no exterior e usados por dissidentes para compartilhar informações relacionadas a protestos.

Law Ho Lam, presidente da Internet Society Hong Kong (ISOCHK), concordou com a carta emitida pela Asia Internet Coalition no sentido de que a lei confere à Comissão de Privacidade “poderes excessivos e desproporcionais e que estava preocupado que a definição vaga de doxing pudesse levar até a incriminação do discurso.

Wong Ho-wa, um defensor dos dados abertos, também teme que administradores de plataformas monitorem excessivamente as redes e bloqueiem conteúdos duvidosos para prevenir qualquer responsabilidade legal, o que acabaria por minar a liberdade de informação em Hong Kong.

Além da lei antidoxing, o governo de Hong Kong também tem planos para apresentar uma lei contra fake news para fortalecer seu controle sobre as notícias digitais e o fluxo de informações.

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