Em todo país, autoridades de Pequim iniciaram repressão a usuários de Twitter da China continental.
O lançamento de 42 testemunhos coletados no dia 5 de dezembro pela China Change, um site chinês que advoga pelos direitos humanos, detalha as provações vividas po centenas de usuários do Twitter desde setembro de 2018, quando foram detidos e interrogados pela Força Nacional de Segurança Pública. Na maioria dos casos, a polícia pediu (ou mesmo obrigou) a retirada de tuítes ou o fechamento de suas contas.
Embora o Twitter seja proibido na China continental, muitos internautas usam ferramentas de evasão, como os VPN (sigla em inglês para Rede Privada Virtual), para acessar plataformas de mídia social, falar com amigos ou acessar fontes de informação e notícia livres de censura.
Estima-se que, em 2016, havia cerca de 10 milhões de usuários do Twitter na China continental. A maioria dos usuários acessava o site em busca de notícias e evitava postar comentários, mas alguns se expressavam abertamente e retuítavam notícias acompanhadas de comentários críticos.
As autoridades da China continental já prendera usuários do Twitter no passado, mas não havia um padrão claro nem evidência de uma repressão estratégica. Os incidentes eram esporádicos e aleatórios, como foi o caso do usuário preso em 2012 por fazer piadas sobre o colapso do Congresso Nacional do Povo.
A presente onda de repressão é um desdobramento recente e mais preocupante disso. Trata-se de um movimento de proporções nacionais e não está restrito a incidentes ou atos específicos. Estima-se que centenas de usuários, ou mais, tenham sido diretamente ameaçados.
De acordo com a nota divulgada pela Radio Free Asia, as autoridades de cibersegurança detiveram e interrogaram usuários do Twitter em todo território Chinês, incluindo Pequim, Chongqing, Cantão, Shandong, Fujiang, Hubei, entre outras províncias. Alguns foram colocados em prisão administrativa por cerca de 10 dias. Um usuário que se recusou a cooperar com os oficiais de cibersegurança foi preso e possivelmente sofrerá ação penal.
Não existem informações oficiais sobre a repressão aos usuários do Twitter, mas o trabalho de documentação da China Change possibilitou o acesso a testemunhos daqueles que foram presos e de seus amigos, oferecendo um panorama da última onda de repressão aos usuários de mídias sociais no país.
Repressão aos “rumores políticos”
No dia 31 de outubro, cerca de 30 oficiais de segurança pública prenderam o usuário @Xybaiyun2018. Ele foi então detido e surrado por 10 dias. A polícia encontrou sua senha do Twitter e apagou todo o conteúdo de sua conta. Durante o interrogatório, os oficiais de polícia disseram que a postagem de “rumores políticos” era ilegal. Eles salientaram o fato de @Xybaiyun2018 ter retuítado postagens de Guo Wengui, um bilionário chinês exilado acusado de corrupção que fugiu para os Estados Unidos em 2014 e é conhecido por tuítar acusações de corrupção dentro do Partido Comunista da China.
@Xybaiyun2018 afirmou que nenhum de seus tuítes violaram a lei chinesa contra rumores, que determina que toda mensagem contendo “rumores” e compartilhada mais de 500 vezes está sujeita à acusação judicial. A lei afirma que qualquer informação que não provenha de canais oficiais do governo pode ser considerada um rumor.
O blogueiro há muito tuíta anonimamente através de seu celular. Ele acredita que a polícia o identificou por meio da tecnologia de vigilância de celulares.
“Usar o Twitter é mais perigoso que participar de manifestações de rua”
A repressão aos usuários do Twitter não se limita às postagens e eventos recentes. De acordo com @asn_213, a polícia pôde rastrear atividades dos últimos cinco anos de dissidentes que eram usuários do Twitter:
They printed all the stuff from 5-6 years ago regarding the same-city meal gatherings [part of the New Citizens Movement], and they also printed all of my tweets and retweets. They said these were evidence of my criminal activities. At 10 pm, their political officer interrogated me again, giving me a notice for 15-day administrative detention. It describes me as defaming the national leaders and attacking the current political system on Twitter.
Elesd imprimiram publicações de 5-6 anos atrás sobre encontros entre moradores da mesma cidade [parte do Movimento Novos Cidadãos], e também todos os meus tuítes e retuítes. Eles disseram que eram provas de minhas atividades criminais. Às 22 horas, um oficial político me interrogou novamente e me deu uma ordem de prisão administrativa de 15 dias. O documento me descrevia como alguém que difama os líderes nacionais e ataca o atual sistema político pelo Twitter.
Outro usuário do Twitter, @419041838, disse a um amigo que ele foi preso, interrogado e ameaçado, e que centenas de seus tuítes foram apagados. O processo foi todo gravado em vídeo. Ele disse em uma sala de bate-papo:
You guys still don’t get it: using Twitter is very dangerous, more dangerous than street demonstrations.
Vocês ainda não sacaram: usar o Twitter é extremamente perigoso, mais perigoso que participar de manifestações de rua.
Como não se pode acessar o Twitter na China, sua capacidade de afetar a política interna é restrita. É difícil compreender por que as autoridades agem com tamanha repressão. Fontes do site de direitos humanos na China Weiquan Wang dizem que a repressão pode ter sido precipitada pela proximidade da quarta sessão plenária do 19º Comitê Central do Partido Comunista Chinês (PCC). Talvez as autoridades de cibersegurança quisessem garantir que nenhuma voz dissidente manchasse a imagem pública de Xi Jinping dentro ou fora da China.
Enquanto o objetivo da crescente repressão não pode ser confirmado, as autoridades chinesas deixam claro que podem identificar e localizar dissidentes usuários do Twitter dentro da China. Isso indica que as agências chinesas de cibersegurança agora são capazes de ampliar seu poder de vigilância e ameaçar usuários de plataformas de mídia social estrangeira como o Twitter, e também de outras redes de peso como o Facebook e o Instagram, além de ferramentas de bate-papo nos dispositivos móveis, como o LINE e o WhatsApp.
Diversos aplicativos feitos na China, como WeChat, Weibo e Alipay, todos com a reputação de desrespeitar a privacidade de seus usuários, são cada vez mais usados fora da China. Algumas pessoas estão preocupadas que isso possa permita às autoridades de cibersegurança chinesa estender seu alcance e ameaçar comunidades chinesas em outros lugares do mundo. O recente cancelamento de uma exposição de arte em Hong Kong de um cartunista político chinês, Badiucao (residente na Austrália), em novembro, e a suspensão de suas atividades no Twitter mostraram que tais desdobramentos podem pressagiar atos de repressão mais sinistros.
Nota da editora: A versão original deste artigo citava, incorretamente, que Weiquan Wang havia dito que a repressão pode ter sido precipitada pela segunda sessão plenária do Comitê Central do PCC. Weiquan Wang sugeriu que a próxima sessão plenária, que é a quarta, pode ser a causa, não a segunda.
Revisado por Nina Jacomini