Um jovem guarani questiona a ausência de seu idioma na mídia

Imagem por Rober Degni Abapori Pablo tirada por Jessica Peñaloza Cladera para o Rising Voices.

Um grupo de 11 jovens de várias comunidades indígenas e afro-bolivianas na região do Gran Chaco, na Bolívia, participou do workshop intitulado Abrindo caminhos (“Roipea Taperai” em guarani). O workshop focou nos termos usados na mídia boliviana ao relatar as mudanças climáticas ou os povos indígenas na região (para saber mais sobre o workshop clique aqui). O que se segue é uma entrevista com um dos participantes do workshop.

Rober Degni Abapori Pablo é da comunidade Eiti, localizada na Gran Kaipependi Karovaicho-Kereimba Iyambae, no sul da Bolívia. Ele é um dos poucos jovens que fala a língua guarani e atualmente estuda agricultura no Instituto Superior Tecnológico “Tarema Ikua“.

Para ele, é relevante que a opinião pública esteja ciente dos termos “povo indígena originário” e por um bom motivo: a comunidade do Kereimba Iyaambae, também conhecida como Charagua, situada na região Chaco, é um dos três Governos Autônomos de Camponeses Indígenas Originários da Bolívia (ao lado das regiões de Uru ChipayaSalinas de Garci Mendoza.) É por isso que ele está interessado em fornecer informações precisas sobre essa área. Este é um dos principais motivos de ter participado ativamente do workshop Roipea Taperai, realizado na cidade de Charagua. Nessa entrevista, Rober fala sobre alguns aspectos que observa na mídia boliviana.

Nuvem de palavras para os termos “Chaco” e “comunidades” gerado pelo Media Cloud.

Rising Voices (RV): Durante o workshop os participantes escolheram uma nuvem de palavras e identificaram termos específicos. Você escolheu a nuvem resultado da busca pelos termos “Chaco” e “comunidades”. Dentro dessa nuvem, você identificou os termos “povos indígenas originários” para refletir. Como tem visto que esses termos representados nos meios de comunicação? O que mais chamou sua atenção na nuvem de palavras?

Rober Degni Abapori Pablo (RDAP): Lo primero que me llamó la atención  [fueron las palabras] sobre nuestro “pueblo indígena originario”, porque nosotros ahora, en mi zona, ya somos autónomos. Muchas veces se escucha en las redes sociales que han comentado sobre la autonomía de los Kereimba Iyambae como nuevo Gobierno Autónomo e Indígena. En otras ocasiones en redes sociales [o en canales de televisión en Bolivia como] en Unitel o en ATB — se ha llevado una consulta previa sobre el Estatuto — y sobre eso se ha informado. 

Rober Degni Abapori Pablo (RDAP): A primeira coisa que chamou minha atenção [foram as palavras]  sobre nosso ‘povo indígena originário’, porque nós agora, na minha região, já somos autônomos. Muitas vezes escutamos nas redes sociais que alguém comentou sobre a autonomia dos Kereimba Iyambae como novo Governo Autônomo e Indígena. Em outras ocasiões nas redes sociais [ou em canais de televisão na Bolívia como] Unitel ou ATB, houve uma consulta prévia sobre o Estatuto, e isso foi informado.

RV: Que palavras uma nuvem de palavras deveria incluir para o termo “culturas”, escolhido por você?

RDAP: Debería tener una palabra que represente las costumbres y el idioma nativo. Ahora nosotros como jóvenes o niños ya no hablamos nuestros idiomas. Ya no es como antes, como nuestros abuelitos. Ellos hablaban mucho su idioma como el guaraní. Hasta ahora, nuestros papás siguen hablando, pero los jóvenes ya no utilizan su idioma nativo, ya no saben de su cultura, ya no saben sobre su forma de hablar o cómo se pronuncia “buen día” o “buenas tardes” en guaraní, [no saben]  saludar a los mayores, ya no tienen respeto. También, los jóvenes no participan de las organizaciones. Años antes nuestros ancestros sí tenían el respeto hacia sus autoridades. Cuando venían o cuando iban a otro departamento u otras organizaciones, cuando estaba llegando su capitán [los jóvenes] iban y los recibían. Pero ahora, en la actualidad, ya no es así porque los jóvenes no tienen ese valor, o tal vez se ha perdido la costumbre del guaraní.

RDAP: Deveria haver uma palavra que representasse os costumes e o idioma nativo. Agora, nós como jovens ou crianças já não falamos nossos idiomas. Já não é como antes, como nossos avós. Eles falavam seu idioma com frequência o guarani. Mesmo agora, nossos pais continuam falando, mas os jovens já não utilizam o idioma nativo, já não sabem sobre a sua cultura, sobre o modo de falar ou como se pronuncia ‘bom dia’ ou ‘boa tarde’ em guarani, [não sabem] saudar os mais velhos, já não têm respeito. Os jovens também não participam das organizações. Anos antes, sim, nossos ancestrais tinham respeito por suas autoridades. Quando chegavam ou quando iam à outro departamento ou outras organizações, quando seu líder chegava, [os jovens] iam e os recebiam. Mas agora, atualmente, não é mais assim, porque os jovens não têm esse valor, ou talvez o costume guarani tenha se perdido.

RV: Durante a oficina, o grupo criou uma nuvem de palavras com termos que acredita representá-lo. Explique quais palavras você destacou na sua nuvem e  por quê?

RDAP: Lo que más he destacado [son palabras] que tienen relación con las organizaciones […]. Hemos tenido mucha más experiencia con la organización. Para mí, ir y participar de la organización [implica] tener un buen conocimiento y participar en una reunión es una experiencia más. Conocer sobre todo lo que se está llevando a cabo en las comunidades, qué problemas hay y cómo nos va a afectar. Ahora hemos sido afectados por una empresa petrolera que ha entrado en sísmica en nuestra comunidad y [deberíamos preguntarnos] eso en qué va a afectar a nuestras comunidades, pero nosotros como jóvenes no nos interesamos, no participamos en las organizaciones y eso me llamó la atención […].

RDAP: O que eu destaquei mais [são palavras] que possuem relação com as oranizações […]. Temos tido muito mais experiência com organização. Para mim, ir e participar da organização [implica] ter um bom conhecimento e participar em uma reunião é mais uma experiência. Saber tudo o que está sendo realizado nas comunidades, quais problemas existem e como seremos afetados. Agora temos sido afetados por uma empresa petroleira que entrou forçosamente na nossa comunidade e [deveríamos nos perguntar] como isso afetará nossas comunidades, mas nós, como jovens, não nos interessamos, não participamos nas organizações e isso me chamou a atenção […].

RV: O que não é discutido ou falado na mídia na sua região?

RDAP: Muchas veces no se habla sobre mi región, sobre mi cultura, sobre nuestros idiomas nativos. Muchas veces no se está viendo en redes sociales sobre el idioma guaraní, sobre su cultura y todo eso […].

RDAP: Muitas vezes não se fala sobre a minha região, sobre a minha cultura, sobre nossos idiomas nativos. Muitas vezes não se vê nada sobre o idioma guarani nas redes sociais, sobre a cultura e tudo isso […].

RV: Que exemplos de informações prejudiciais ou incorretas você tem visto na mídia sobre os problemas da sua região, inclusive nas redes sociais?

RDAP: Incorrecto es que [los medios digan que] los guaraníes son esto (estereotipos) o estas son sus costumbres, pero nosotros como guaraníes estamos ahí [en nuestro territorio], pero no nos movemos, no tenemos esa movilización, no tenemos un medio de comunicación en nuestras zonas para revalorizar nuestro idioma, para mostrarnos a los pueblos, a nuestro país o a todo el mundo.

RDAP: O incorreto é que [os meios de comunicação digam que] os guaranis são ‘isso’ (estereótipos) ou que ‘esses’ são nossos costumes, porém como guaranis estamos aqui [em nosso território], mas não nos movemos, não temos essa mobilização, não temos um meio de comunicação nas nossas áreas para revalorizar nosso idioma, para mostrarmos aos povos, ao nosso país ou ao mundo.

RV: E o que você quer que as pessoas de Gran Chaco saibam sobre mudança climática na sua região?

RDAP: Ahora mucho nos ha asustado las sequías. Ha afectado a toda la comunidad y a todas las familias porque han tenido pérdidas de cultivos como el de maíz o de hortalizas. A veces se siembra un poco, pero eso no abastece. Hay también escasez de agua y pérdida de animales. Ahora estábamos pidiendo ayuda a Gobernaciones, [porque] los guaraníes buscan la forma de salir de las sequías, porque [si bien] la sequía les afecta mucho, cómo llevar hacia adelante a sus familias, buscan cómo alimentarse del bosque, de los animales, todo eso.

RDAP: As secas nos assustaram muito. Isso afetou toda a comunidade e todas as famílias, porque houve perda de colheita como a do milho ou de vegetais. Às vezes semeia-se um pouco, mas não é suficiente. Também há escassez de água e a perda de animais. Estávamos pedindo ajuda aos governos, [porque] os guarani buscam uma forma de sair das secas, pois [embora] a seca não nos afete muito, como vão sustentar suas famílias, eles estão buscando formas de alimentar-se na floresta, dos animais, tudo isso.

RV: O que você quer que as pessoas da Bolívia e o mundo saiba sobre as mudanças climáticas na sua região?

RDAP: Mostrarles las vivencias y cómo salimos adelante de las sequías, como viven los guaraníes y como sus familias salen adelante. Hacerlos conocer en todo el mundo. Mostrar cómo es un guaraní cuando está destrozado, cuando está en un pozo y cómo sale adelante, para mí este es un ejemplo […].

RDAP: Mostre a elas nossas vivências e como superamos as secas, como vivem os guaranis e como suas famílias seguem em frente. Torná-los conhecidos em todo o mundo. Mostrar como é um guarani quando está destruído, quando está em um poço e como segue em frente, para mim, esse é um exemplo […].

A oficina de letramento midiático Roipea Taperai foi realizada nos dias 2 e 3 de julho de 2022 na cidade de Charagua, localizada ao sul do departamento de Santa Cruz (Bolívia). Foi promovido pela Global Voices, um parceiro da Fundación Avina, no projeto “Explorando e mudando narrativas sobre mudanças climáticas no Gran Chaco” no âmbito do projeto global “Voices for Just Climate Action.” [Vozes Para Uma Ação Climática]. Para esse workshop, a Global Voices colaborou com a Escola de Jornalismo Indígena, projeto realizado pela ORÉ – Organización de Apoyo Legal y Social.
Jessica Peñaloza Cladera participou conduzindo a entrevista com Rober Degni Abapori Pablo.

Inicie uma conversa

Colaboradores, favor realizar Entrar »

Por uma boa conversa...

  • Por favor, trate as outras pessoas com respeito. Trate como deseja ser tratado. Comentários que contenham mensagens de ódio, linguagem inadequada ou ataques pessoais não serão aprovados. Seja razoável.