Esta reportagem, escrita por Bruno Fonseca e Mariama Correia, foi publicada originalmente no site da Agência Pública em 21 de setembro de 2023, e é republicada pelo Global Voices sob um acordo de parceria, com edições.
Políticos e veículos de mídia conservadores brasileiros impulsionaram campanhas antiaborto na véspera de um julgamento na Suprema Corte do país que poderia levar à descriminalização da interrupção da gravidez até 12 semanas.
O julgamento foi iniciado no dia 22 de setembro, no sistema virtual da Corte, com voto favorável da então presidente Rosa Weber, mas foi em seguida travado por um pedido de outro ministro, Luís Roberto Barroso, para que a votação fosse ao plenário físico, onde os ministros precisam fazer a defesa oral de seus votos.
Barroso, que é o novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que não há data para a retomada do julgamento.
Atualmente, o aborto só é permitido pela lei brasileira em casos de estupro, risco à vida da gestante e anencefalia do feto.
Segundo levantamento da Agência Pública, políticos, partidos ligados a igrejas, influenciadores e grupos de mídia conservadores têm apostado em anúncios contra a descriminalização do aborto nas redes da Meta. A reportagem analisou os anúncios sobre o tema com maior alcance no mês de setembro e descobriu que quase R$10 mil (cerca de US$1.985) foram pagos às plataformas por 15 perfis. Os anúncios analisados já haviam sido exibidos mais de 2 milhões de vezes até a publicação da reportagem, em 23 de setembro.
O campeão em anúncios no período foi um deputado estadual do Partido Liberal (PL), o mesmo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Renato Antunes, de Pernambuco, pagou mais de R$ 3,8 mil (em torno de US$745 dólares) para impulsionar uma série de postagens em setembro que tiveram mais de 460 mil exibições nas redes.
Em suas postagens, o político defende que o Congresso brasileiro é quem deveria decidir sobre o assunto e chama o julgamento na Suprema Corte de “mais uma tentativa de agressão ao direito à vida”. Antunes estava entre um grupo de parlamentares brasileiros que tentaram impedir o aborto legal de uma menina de 10 anos que havia sido violentada por seu tio, em 2020.
Na ocasião, grupos conservadores antiaborto se reuniram na porta do hospital para fazer protestos e orações.
O deputado estadual Renato Antunes, do PL de Bolsonaro , estava entre os políticos que tentaram impedir o aborto legal de uma menina de 10 anos em 2020
Em seguida, estão os anúncios da Brasil Paralelo, produtora de documentários e programas conservadores com pretensões de se tornar a “Netflix da Direita“. A empresa pagou pelo menos R$ 2 mil (cerca de US$397) para impulsionar uma série de propagandas do seu curso online sobre aborto.
Em uma das peças, a empresa diz que diante “desse assunto polêmico” e do iminente julgamento na Suprema Corte, a Brasil Paralelo decidiu liberar gratuitamente a aula inaugural do curso “Aborto: quem é a verdadeira vítima?”. A empresa anuncia que a aula, realizada por um homem que se identifica como advogado, trata, dentre outros assuntos, das consequências da “legalização” e dos efeitos do aborto na saúde física e mental da mulher que realiza o procedimento.
A Brasil Paralelo é a recordista em anúncios no Facebook e Instagram no país — a empresa já pagou mais de R$ 20 milhões (cerca de US$3,97 milhões) desde que os gastos começaram a ser revelados, em agosto de 2020. O valor está acima até mesmo dos gastos do Governo Federal do Brasil e de campanhas eleitorais, como a de Jair Bolsonaro em 2022, que pagou R$ 2,7 milhões às plataformas.
Além de perfis de políticos, a Agência Pública também encontrou anúncios do Republicanos, partido ligado à Igreja Universal do Reino de Deus. Desde o dia 20 de setembro, o partido passou a impulsionar nas plataformas uma peça na qual afirma ser “contra o aborto” e que seus membros defenderão a vida desde a concepção “com todas as nossas forças”. O partido diz explicitamente que “o STF [Supremo Tribunal Federal] não pode legislar sobre o aborto”, citando a decisão da presidente da corte, Rosa Weber, de pautar o julgamento. O partido afirma estar se mobilizando no Congresso Nacional “para impedir que decisões como essas prosperem”.
Os dados do Meta mostram um investimento de mais de R$ 100 em um período de menos de 24 horas — o valor deve crescer, visto que a campanha continua ativa. Na tarde do dia 21 de setembro, a peça já havia sido exibida mais de 35 mil vezes.
A campanha do Republicanos é assinada por seis políticos do partido, entre eles a senadora e ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos do governo Bolsonaro, Damares Alves; o vice-presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Família e Apoio à Vida, Diego Garcia, e o vice-presidente da Frente de Defesa da Liberdade Religiosa e presidente da Frente Parlamentar Evangélica, Silas Câmara.
Partido Republicanos pagou anúncio em postagem contra o aborto. No texto, o partido cita a pastora e ex-ministra do governo Bolsonaro Damares Alves e outros políticos da sigla
O julgamento no STF
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442 versa sobre a descriminalização do aborto no Brasil até a 12° semana. Essa ação foi protocolada ainda em 2017, pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). A ministra Rosa Weber, que se aposentou em outubro, votou a favor da descriminalização. O voto dela continuará válido quando o julgamento for retomado.
De acordo com a Pesquisa Nacional do Aborto, uma em cada sete mulheres brasileiras teve um aborto. Uma estimativa que chega a cerca de cinco milhões de mulheres, com idades entre 18 e 39 anos.
Entre 2012 e 2021, 367 mulheres morreram por falha na tentativa de aborto, relacionada a procedimentos clandestinos. Os abortos inseguros são uma das maiores causas de mortes maternas no Brasil.