Nota: Este artigo é em memória de Ignacio Tomichá Chuve, falecido em 6 de setembro de 2023.
Uma reunião organizada pelo Rising Voices, conhecida como “Conectando”, realizada na cidade de Cochabamba, em dezembro de 2011, serviu como um espaço de inspiração que levou à ação. Durante a seção de discussão do evento, os membros do coletivo Jaqi Aru analisaram detalhadamente como usavam a internet para garantir que a próxima geração de ativistas não encontrasse tão pouco conteúdo digital em sua língua nativa, o aimará. Ao utilizarem as redes sociais e materiais audiovisuais, eles se tornaram responsáveis por serem catalisadores de seu idioma.
Um dos ouvintes dessa apresentação foi Ignacio Tomichá Chuvé, orador de besiro das terras baixas do leste da Bolívia. Ninguém imaginava que ele estava pensando em todas as maneiras pelas quais também poderia compartilhar sua língua por meio de ferramentas digitais. Assim que voltou para casa, na cidade de Santa Cruz, começou a gravar arquivos de áudio para enviar para sua conta no Soundcloud, que incluíam músicas tradicionais e como dizer olá, entre outras lições rápidas. Como resultado desta aprendizagem e inspiração entre pares, a sua voz permanece presente apesar da sua ausência, e permanecerá disponível para as gerações futuras. O trabalho de Ignacio também pode ser encontrado em outras plataformas, como na sua página no Facebook, no canal do YouTube e na conta do Twitter.
Ignacio nasceu em Naranjito, ao sul da cidade de Concepción, departamento de Santa Cruz, na Bolívia. Contudo, cresceu na comunidade de Monte Verde, a 110 km ao norte. Para estudar e trabalhar, mudou-se para a maior cidade do país, Santa Cruz, onde se viu como minoria dentro da imensa metrópole.
Em uma entrevista com Netza López para o Rising Voices como parte de sua colaboração com a conta rotativa do Twitter @ActLengus, Ignacio contou sobre sua motivação:
Mi situación de estudio de secundaria y superior, en varias oportunidades se vio cargado de racismo y discriminación a los indígenas (colegio y universidad), y lo que había visto es la muy poca información real en el idioma Besɨro en el internet es por ello inicié utilizando herramientas digitales para dar a conocer el MONKOX, mi identidad.
Minha situação de ensino médio e superior, em muitas ocasiões, foi repleta de racismo e discriminação contra os povos indígenas (escola e universidade), e o que vi foi a pouquíssima informação real sobre o idioma Besɨro na internet, por isso comecei a usar ferramentas digitais para divulgar o MONKOX, minha identidade.
Ele fazia parte de uma equipe que queria mudar as narrativas sobre a população indígena que vivia em áreas urbanas. Como resultado, muitos membros das comunidades indígenas de Santa Cruz formaram o coletivo Voces Indígenas Urbanas, que passou a publicar nas redes sociais, em seu próprio blog, e a transmitir um programa semanal de rádio. Um dos fundadores do grupo, José Chuvé, comentou em entrevista ao Rising Voices:
Fue una de las primeras personas en utilizar las TICs (sic) para la difusión del idioma bésɨro , lo cual permitió llegar a más público, joven, sobre todo. Como comunicador indígena, en el programa radial Voces Indígenas Urbanas, espacio en el que conocí a mi amigo y hermano, transmitía cantos y cuentos en el idioma bésiro. Una persona muy querendona y comprometida con la nación Monkox chiquitana.
Ele foi uma das primeiras pessoas a utilizar as TICs (Tecnologia da Informação e Comunicação) para divulgar a língua besɨro, o que nos permitiu atingir um público maior, principalmente os jovens. Como comunicador indígena, no programa de rádio Voces Indígenas Urbanas – espaço onde conheci meu amigo e irmão – ele transmitia canções e histórias na língua besiro. Era uma pessoa muito amorosa e comprometida com a nação Monkox chiquitana.
Após a notícia de sua morte, o Voces Indígenas Urbanas transmitiu um programa em sua homenagem.
Programa Especial A la memoria del educador, investigador, hablante del idioma besiro y radialista IGNACIO TOMICHÁ CHUVÉ
Posted by Voces Indigenas Urbanas on Saturday, September 9, 2023
Outro cofundador do VIU, o comunicador guarani Isapi Rúa, nos conta mais detalhes do trabalho de Ignacio:
Ignacio Tomichá expandió los caminos para la revalorización de las lenguas indígenas, desarrollando no solo investigación si no además difundiéndola en diversos espacios entre ellos, en la radio. Junto a Ignacio fundamos el programa Voces Indígenas Urbanas, durante 10 años, su participación fue clave en ampliar los conocimientos de los pueblos indígenas de tierras bajas para potencializar estas prácticas en las comunidades urbanas y rurales.
Ignacio Tomichá expandiu os caminhos para a revalorização das línguas indígenas, desenvolvendo não apenas pesquisas, mas também divulgando-as em diversos espaços, entre eles, no rádio. Ao lado de Ignacio, fundamos o programa Voces Indígenas Urbanas em que, durante 10 anos, sua participação foi fundamental para ampliar o conhecimento sobre os povos indígenas das terras baixas, e para aprimorar essas práticas nas comunidades urbanas e rurais.
Logo seu trabalho começou a ser reconhecido nacionalmente, e ele fez parte do workshop Vozes duradouras: Oficina de mídias digitais para falantes de línguas ameaçadas de extinção na América Latina, organizado pelo Projeto Voces Duraderas (Living Tongues Institute + National Geographic Society), quando iniciou a elaboração de um dicionário vivo de besiro, que incluía verbetes de áudio.
Anna Luisa Daigneault, do Living Tongues Institute, escreveu uma comovente homenagem em sua conta no Facebook, que incluía estes trechos:
Today, I mourn my Bolivian colleague, Ignacio Tomicha Chuve (1985–2023). A kind, inquisitive, helpful and driven person, he possessed all the qualities of a great leader. And indeed, as one of the first-ever Indigenous Bésɨro linguists, he invested himself into the documentation and revitalization of his native tongue with great dedication.
This past year, I had the great honor of helping him edit and upload over 900 new words and phrases in his language into an online dictionary that he had authored, the Monkox Bésɨro (Chiquitano) Living Dictionary, which we had started back in 2013 at the Voces Duraderas workshop in Chile. We had plans for uploading hundreds more entries this year alone. His unexpected passing leaves a great sadness in me. I send my sincere condolences to his family and loved ones in Bolivia.
Hoje estamos em luto pelo nosso colega boliviano, Ignacio Tomicha Chuve (1985–2023). Pessoa gentil, curiosa, prestativa e motivada, tinha todas as características de um grande líder. E realmente, como um dos primeiros linguistas indígenas de besɨro, dedicou-se à documentação e revitalização da sua língua nativa com grande dedicação.
No ano passado, tive a grande honra de ajudar a editar e carregar (online) mais de 900 novas palavras e frases do seu idioma para um dicionário online da sua autoria, o Dicionário Vivo de Besiro Monkox, que ele iniciou em 2013, durante a oficina Vozes duradouras, no Chile. Planejamos neste ano enviar milhares de novas entradas. Sua morte repentina me deixa uma grande tristeza. Envio minhas sinceras condolências à sua família e entes queridos na Bolívia.
Brittany Hause, estudante de doutorado na Universidade de Oxford, conheceu Ignacio por meio da organização de uma conferência internacional virtual que ele chamou de Bobikíxh, e que reuniu acadêmicos e falantes de línguas indígenas da região de Chiquitana, na Bolívia. Brittany disse:
Ignacio/Ñasio was convinced that the language of his parents and grandparents was something to be valued, rejoiced in, and cultivated by its speakers now and for generations to come. He didn't view Bésɨro as an intriguing relic of the past, but as an integral, non-negotiable feature of his daily existence. The myriad ways he lived this conviction as father, son, researcher, writer, teacher, translator, and public speaker compelled his relations, neighbors, friends, and colleagues to share his view of Bésɨro as a communal asset to be nourished and cherished rather than as a dying force to be prematurely mourned. For those who knew him in life, that influence remains strong, and the books, recordings, and other materials Ignacio/Ñasio's years of dedicated work have left behind will continue to inspire and encourage the same perspective even in those, young or old, who never had the chance to meet him.
Ignacio/Ñasio estava convencido de que a língua dos seus pais e avós era algo que deveria ser valorizado e apreciado, e que os seus atuais e futuros falantes deveriam cultivar. Ele não via o besɨro como uma relíquia interessante do passado, mas sim como parte integrante e inegociável de sua existência diária. As infinitas maneiras como ele trazia esta convicção para a realidade como pai, filho, pesquisador, escritor, professor, tradutor e palestrante fizeram com que seus familiares, vizinhos, amigos e colegas compartilhassem a concepção do besɨro como um bem comunitário que deveria ser nutrido e valorizado em vez de se tornar de uma força moribunda. Para quem o conheceu, essa influência continua forte, e os livros, gravações e todos os materiais que foram deixados pelos anos de trabalho de Ignacio/Ñasio continuarão a inspirar e a encorajar com a mesma convicção os jovens ou não, que não tiveram a oportunidade de conhecê-lo.