Jovem usa redes sociais para chamar atenção para desastre na região Norte do Brasil

A região norte do Brasil sofre com a invisibilidade causada pelos desertos de notícia | Imagem: Luís Gustavo Carmo

A região norte do Brasil sofre com a invisibilidade causada pelos desertos de notícia | Imagem: Luís Gustavo Carmo

No final de março de 2023, cidades do estado do Acre, na região norte do Brasil, enfrentaram fortes chuvas que causaram enchentes e alagamentos. Mais de 50 mil pessoas e cerca de 1.300 famílias foram atingidas, e não houve registro de mortes. O Rio Acre, que nasce no Peru, chegou ao maior nível de cheia registrado nos últimos oito anos.

As imagens dos danos causados pelas chuvas chamaram a atenção até da atriz norte-americana Viola Davis. Ainda assim, os eventos pareciam ter pouca repercussão entre os brasileiros. Foi o que levou Roberto José dos Santos Júnior, um estudante de administração de 19 anos, a escrever um fio em seu perfil no Twitter.

Publicada no dia 29 de março, a sequência de postagens passou de 4.5 milhões de visualizações e teve mais de 70,000 curtidas:

Roberto compartilhou ali informações sobre famílias desabrigadas e formas de ajudar, e pediu atenção dos veículos de comunicação, marcando figuras públicas nas publicações.

Em entrevista ao Global Voices, Roberto falou sobre o efeito da publicação e a invisibilidade que sente da região Norte na mídia brasileira.

Eco nas redes

Uma pesquisa do Atlas da Notícia, publicada em junho de 2022, revelou que 5 em cada 10 municípios brasileiros são considerados desertos de notícia — termo que diz respeito às cidades que não têm nenhum veículo jornalístico que não seja vinculado a instituições, como prefeituras e igrejas.

Segundo o levantamento, a região Norte do país, com sete estados, é a mais afetada: mais de 60% do território não possui cobertura jornalística. Apesar de ter a maior extensão territorial entre as regiões brasileiras, dos 450 municípios localizados nela, 284 não têm veículo local.

À reportagem, o estudante critica a cobertura da mídia nacional a respeito da região. Para ele, é como se apenas a Amazônia fosse notícia, enquanto outros fatos são pouco reportados:

Não está errado. A gente precisa que preservem a nossa Amazônia, que cuidem da nossa Amazônia, mas também não pensar só na Amazônia. É um combo, precisa focar na Amazônia e em quem vive nela.

A indignação com o desastre e a pouca repercussão o motivaram a ir às redes sociais:

Eu estava em casa e me revoltei ao ver como as pessoas não estavam tratando o assunto com tanta seriedade, porque quando a gente vê alagamentos em São Paulo, no Rio de Janeiro ou em outro estado (do Sudeste) é aquela grande comoção. Não para de passar na TV, todo mundo fala.

Mais de 22 mil perfis compartilharam a thread de Roberto. Celebridades nacionais, como as cantoras Juliette e Joelma, ajudaram a impulsionar o alcance e a hashtag #SOSAcre se tornou um dos assuntos mais comentados no Twitter.

Roberto diz que a internet foi crucial para amplificar as informações sobre as enchentes:

É uma forma de você dar mais visibilidade a qualquer assunto, a qualquer causa. Então, é de extrema importância. Se eu fosse sozinho fazer um ativismo na rua deste assunto, eu não teria conseguido […] Na internet, em questão de dois dias, eu já tinha conseguido doações, já tinha viralizado, muitas pessoas já tinham conhecimento.

O jovem iniciou o pedido de doações no dia em que foi ajudar na mobilização em um dos abrigos da cidade, após o fio criado por ele se espalhar online.

Roberto contou com a ajuda da equipe da Universidade Federal do Acre (UFAC) e afirma que “o dinheiro foi todo investido para utensílios da população que estava naquele abrigo”. O abrigo em questão foi improvisado dentro de uma escola estadual.

Em abril, o governo do Acre destinou R$6 milhões (cerca de US$ 1,2 milhão) para ações emergenciais voltadas às populações indígenas e produtores atingidos pela cheia do Rio Acre.

Sobre o ativismo digital, Roberto reconhece sua importância, mas não tira o papel da ação nas ruas. “É juntar o útil ao agradável. Unir os dois e ser uma força ainda maior”, diz.

Ativismo digital

Em meio a atrasos em entrega dos mantimentos, por parte do poder público, ele lembra de uma cena que o impactou:

A gente viu o sorriso, o olhar das crianças. Teve uma (criança) que passou por mim dizendo “vai ter lanche, vai ter lanche, vai ter lanche!” e aquilo me deixou feliz […] Minha sensação de felicidade foi ver aquelas crianças todas sorrindo, felizes porque teve um lanche. A gente olha e parece tão simples, mas para eles, naquele momento, era de extrema importância.

No abrigo, Roberto e outra voluntária preparam pipoca para as crianças | Imagem: Arquivo pessoal, utilizada com permissão

No abrigo, Roberto e outra voluntária preparam pipoca para as crianças | Imagem: Arquivo pessoal, utilizada com permissão

Também com o engajamento de suas publicações na rede social, o estudante impulsionou doações financeiras e arrecadações virtuais. 

Grande parte do dinheiro foi enviado diretamente ao Ministério Público estadual mas, em sua conta do banco, utilizada posteriormente, cerca de R$600 (em torno de US$ 120) foram destinados para a compra de itens emergenciais.

Na própria thread viral do Twitter, Roberto fez uma prestação de contas, confirmando o destino e a utilização do dinheiro arrecadado:

Olhar cuidadoso

Sobre a ausência de mais histórias do Acre, no foco nacional, o estudante sente que falta também “um olhar cuidadoso” por parte do governo federal, “trazendo novidades, buscando melhorar o estado, capacitar as pessoas”.

A gente vê que ainda tem muita gente tentando e fazendo o seu melhor para que dê certo, então eu sinto bastante esperança e eu sinto que eu também posso ser uma pessoa que pode contribuir para que isso aconteça, né? Então a gente tá aqui pra cobrar mesmo. Cobrar de governo, de políticos para que realmente aconteça uma melhoria na vida da região.

O Atlas da Notícia identificou, em 2022, uma redução de 9,5% no número de municípios considerados desertos de notícias no Brasil. Na versão publicada em 2021, 3.280 desertos foram mapeados; na mais recente, de 2022, o número caiu para 2.968. A quinta edição, que é a de fevereiro de 2022, registrou 1106 veículos nortistas. Na anterior, eram 960.

Na tentativa de permitir o acesso às informações para comunidades interioranas, a pesquisa enxerga veículos independentes emergentes como “novas formas de produzir jornalismo local de qualidade”.

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