Com o segundo turno realizado no domingo, dia 30 de Outubro, as eleições presidenciais no Brasil também são pauta em países da África lusófona, como Angola e Moçambique.
Em um pleito polarizado, o actual presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro (PL, Partido Liberal) perdeu a a reeleição para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT, Partido dos Trabalhadores), candidato de centro-esquerda.
No geral, a origem das relações entre Brasil e os dois países africanos remonta à época em que, então colónias portuguesas, vivenciavam uma relação marcada pelo tráfico de pessoas escravizadas entre os continentes africano e americano. Os três países fazem parte da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Em seus quase quatro anos de governo, Bolsonaro teve pouca ou quase nenhuma relação com Angola e Moçambique. Não há registo de viagens dos Presidentes de ambos países ao Brasil ou Angola, muito menos eventos que tenham juntado altos dirigentes, razão pela qual há expectativas que tal possa mudar em caso de não eleição de Bolsonaro.
No ano passado, o vice-presidente brasileiro,Hamilton Mourão, general da reserva, teve uma viagem oficial a Angola, e tentou ajudar a resolver problemas da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), uma gigante evangélica brasileira, segundo ele, a pedido de Bolsonaro. Este ano, Mourão foi eleito senador pelo Republicanos, “braço político da igreja”, como aponta arevista piauí.
O jornal O Estado de S. Paulo reportou à época que as denúncias contra a igreja no país africano envolviam “lavagem de dinheiro, sonegação de impostos e racismo”.
Segundo ilustram algumas pesquisas, a cooperação entre Brasil e Angola demarca as relações históricas e diplomáticas entre ambos os países e é estreitada a partir de 2003 durante o Governo Lula (2003-2010), que consolida uma abertura para a internacionalização de empresas em território angolano. Diz-se ainda que a expansão das conexões entre Brasil e Angola demonstram o potencial da Cooperação Sul-Sul, uma vez que o Brasil afirmou e fortaleceu os seus interesses no continente africano.
Do lado de Moçambique, foi com o Presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB, Social Democracia), nos anos 1990 e início dos 2000, que as relações bilaterais Brasil-Moçambique tornaram-se mais profundas. A primeira visita de Estado a Moçambique foi feita pelo então presidente em 2000, por ocasião da III Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP.
No ano seguinte, o Presidente moçambicano, Joaquim Chissano, retribuiu a visita. Foi nesta circunstância que as duas partes assinaram importantes protocolos bilaterais no âmbito da saúde, educação, políticas sociais e segurança pública. Dois tipos de acordos foram rubricados: programas específicos e memorandos de entendimento, chamados de “protocolos de intenções”.
Já com Lula da Silva no poder, só no seu primeiro mandato, o então Presidente realizou quatro deslocações ao continente africano, visitando um total de 15 países. Foram abertas 10 novas embaixadas, perdoando parte da dívida a muitos países, entre os quais Moçambique. Tal relação entre os dois países viria a ser consolidado com a visita do então presidente brasileiro em 2010.
Corrupção nos dois lados do Atlântico
Contudo, as relações entre Brasil e alguns países africanos não são feitas só de cooperação, destacando-se casos de corrupção que marcaram sobremaneira a história entre os países nos últimos anos.
Em 2016, o jornal brasileiro Folha de São Paulo revelou que o Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES) suspendeu o desembolso para 25 operações de financiamento a empresas que trabalham no exterior, entre eles projectos em curso em Angola e Moçambique.
Os projectos totalizavam 7 bilhões de dólares em financiamentos, dos quais 4,7 bilhões ainda não foram desbloqueados. A suspensão em bloco envolve obras em nove países, realizadas por empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato e foi motivada por uma acção civil pública aberta pela Advocacia Geral da União (AGU) do Brasil contra as empresas por improbidade administrativa em Junho de 2015.
Ainda em 2016, a Odebrecht, empresa de construção civil brasileira, admitiu, num acordo de leniência com o departamento de Justiça dos Estados Unidos da América, ter pago subornos de 900 mil dólares norte-americanos a funcionários de Governo de Moçambique entre 2011 e 2014. A única obra de construção civil que a empresa brasileira edificou para Moçambique nesse período foi o aeroporto de Nacala que custou 216,5 milhões de dólares em Dívida Pública para o Estado moçambicano.
A dívida até hoje prevalece, e o Aeroporto em causa é tido como um elefante branco — abandonado e sem uso que se esperava que pudesse ter de facto. Apesar de ser um dos maiores aeroportos de Moçambique, Nacala quase não tem movimento, só está a ter uma utilização de 4% em relação ao que se previa, apesar dos elevados custos.
Igualmente, a empresa de aviação civil brasileira Embraer, noutro acordo de leniência, revelou ter pago 800 mil dólares norte-americanos em subornos a José Viegas, antigo presidente do conselho de administração das Linhas Aéreas de Moçambique (LAM), e a Mateus Zimba, antigo director da Petrolífera Sasol em Moçambique e actual Executivo Regional da General Electric Oil & Gás, para facilitarem a compra de duas aeronaves da empresa brasileira em 2008.
Em Moçambique fez-se o julgamento e a sentença ditou que Paulo Zucula, antigo ministro dos Transportes e Comunicações, e Mateus Zimba, antigo gestor da Sasol e consultor da Embraer, foram condenados a 10 anos de prisão. José Viegas acabou absolvido.
A questão religiosa
Fundada no Brasil no fim dos anos 70, a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) chegou em Angola no início dos anos 1990 e hoje é uma das maiores congregações religiosas do país africano. A igreja é dona da Record TV, rede de comunicação brasileira com filiais em 150 países, incluso Angola.
Em 2013, a IURD teve as suas actividades suspensas em Angola entre Fevereiro e Março após 10 pessoas morrerem por asfixia e esmagamento durante um culto no Estádio da Cidadela, cuja lotação máxima foi largamente ultrapassada. Contudo, os conflitos internos na igreja marcam os últimos anos da IURD no país.
Em 2019, a pesquisadora Teresa Cruz e Silva revelou que, em Moçambique, a IURD entrou em 1992 num contexto de crise, após a guerra civil, o que contribuiu com grande adesão de fiéis. Igualmente, a IURD é também detentora da rede de televisão Miramar no país, uma das maiores no país.
O que dizem angolanos e moçambicanos
Relatos de internautas de Moçambique indicam ter-se acompanhado o primeiro turno das eleições no Brasil, em 2 de Outubro, e parte deles demostra a sua simpatia com o candidato Lula visto por eles como uma alternativa ao actual presidente. Lula ficou na frente no primeiro turno, com 48,4% dos votos válidos, contra 43,2% de Bolsonaro.
Bayano Valy e Rafael Machalela, ambos jornalistas e activistas moçambicanos, comentaram em suas redes:
Mais um pouco Brasil. Essa vantagem do Fascista tem que diminuir. Mais um pouquinho porque quero ir para Pasárgada, lá onde sou amigo do rei.#VotaBrasil
— Bayano Valy 🇲🇿 (@BayanoValy) October 2, 2022
Infelizmente, parece-me que haverá segunda-volta.
Não sei se com apenas 30% dos votos que falta para se contar, Lula conseguirá ultrapassar os mágicos 50% + 1.
Vamos, Lula.#VotaBrasil #Vota13— Bayano Valy 🇲🇿 (@BayanoValy) October 2, 2022
É… O Boçalnaro ficou mesmo por trás. Espero que a segunda volta não seja à moda Africana.
Se esta for a tendência… Bem-vindo de volta Lula. pic.twitter.com/woyWWnGoRE— Rafael Machalela 🇲🇿 (@rafaelmachalela) October 3, 2022
Contudo, foi notório o facto de Bolsonaro ter ficado em primeiro lugar entre os brasileiros que votam em Moçambique, tal como deram a conhecer órgãos de informação locais, seja no primeiro turno, assim como no segundo:
309 pessoas foram às urnas em Moçambique. O actual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (PL), recebeu um total de 150 votos, seguido pelo candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com 117 votos. Em terceiro lugar, Simone Tebet (MDB) recebeu 10 votos, um a mais que Ciro Gomes (PDT) com 9. Felipe D'Avila (NOVO) recebeu 4 e a candidata Vera Lúcia (PSTU) apenas 1 voto. Brancos e nulos somam 18 votos.
As urnas em Moçambique fecharam às 17h, horário local (12h do horário de Brasília) Em Moçambique estão inscritos 673 eleitores, dos quais 309 compareceram no Centro Cultural Brasil-Moçambique, na baixa da cidade de Maputo, capital de Moçambique.
Os brasileiros que moram em Moçambique votaram no Boçalnaro. Olha lá, na estão no país errado?
— Rafael Machalela 🇲🇿 (@rafaelmachalela) October 3, 2022
Ninguém sabe explicar as razões dessa vitória em Moçambique. Em Luanda, Angola, o cenário foi diferente. Na capital de Angola, Lula apareceu na frente, com 124 votos, seguido por Jair Bolsonaro com 93 votos computados. Já no segundo turno, Lula viria a ganhar novamente em Angola:
O candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi o mais votado entre os brasileiros que foram às urnas em Angola. Ele teve 124 votos entre 230, ou 53,9%, contra 99 dados a Jair Bolsonaro (PL), ou 43%.
Ao mais alto nível, a vitória de Lula foi comemorada nos dois países, em mensagens vindas dos respectivos Presidentes, João Lourenço (Angola) e Filipe Nyusi (Moçambique):
Tenho a honra de lhe expressar as minhas calorosas felicitações, em nome do Povo angolano, do Executivo e no meu próprio, pela sua eleição ao cargo de Presidente da República Federativa do Brasil, em resultado das eleições gerais de 30 de Outubro de 2022.
A escolha de Vossa Excelência para a mais alta magistratura do Brasil traduz, para o povo brasileiro, a esperança de que, sob Vossa liderança, a nação brasileira trilhará os caminhos da prosperidade assentes em valores democráticos, de justiça social e de inclusão.
Caro irmão Lula!Quero, através desta plataforma, felicitá-lo pela vitória alcançada na segunda volta das eleições presidenciais no Brasil.Foi uma vitória conquistada pela perseverança, humildade, fé na justiça e, sobretudo, foi uma vitória da coragem do povo brasileiro de enfrentar o futuro consigo, rumo a um país mais forte e justo.Moçambique sempre partilhou com o Brasil os momentos mais marcantes da sua história, e vice-versa, como irmãos que partilham um caminho cujo destino os guia para o bem-estar e justiça.