As redes sociais em Myanmar foram inundadas por discursos de ódio, fotos de jornais falsas e narrativas racistas depois dos confrontos entre as forças armadas do país e o Exército da Salvação Arakan Rohingya (ARSA, sigla em inglês) em 25 de agosto de 2017, próximo à fronteira do noroeste do país com Bangladesh.
Os enfretamentos se estenderam por dias e o governo de Myanmar imediatamente classificou o ARSA como grupo terrorista, enquanto iniciava uma série de “operações de limpeza” agressivas no estado de Rakhine. O governo e o ARSA culparam um ao outro pelas mortes de civis durante o conflito.
A violência continua e o governo birmanês tem tentado realocar cidadãos não muçulmanos que perderam suas casas na região, mas os rohingyas, que chegam a aproximadamente 1 milhão de pessoas, não tiveram a mesma sorte. Dezenas de milhares de refugiados muçulmanos rohingyas estão cruzando a fronteira com Bangladesh para escapar da violência.
Enquanto múltiplos grupos étnicos foram afetados pelo conflito, a mídia internacional enfatizou o tratamento do governo de Myanmar aos rohingyas não militantes que fugiam da violência e muitas matérias citaram atrocidades cometidas por militares contra rohingyas. Enquanto isso, a imprensa local chamou atenção para as mortes de pessoas de outros grupos étnicos que viviam na região e fugiram devido aos ataques do ARSA.
A comunidade internacional fez um apelo para que o governo de Myanmar desse fim à violência e tomasse medidas para ajudar os refugiados. Entretanto, alguns em Myanmar criticaram os meios de comunicação internacionais, acusando-os de serem parciais por “ignorarem” as dificuldades passadas pela população budista do país que também foi deslocada pelos confrontos entre governo e ARSA.
Ataques às narrativas internacionais
Propagandas com discurso de ódio, notícias e fotos falsas têm infestado as redes sociais em Myanmar nos últimos anos, mas esse conteúdo tornou-se bem mais violento depois de 25 de agosto. Essas tensões geraram uma “guerra de informação” na internet com uma enxurrada de propaganda maliciosa na busca de reformular a narrativa internacional dominante sobre o conflito.
Nesse conteúdo está muito presente a descaracterização dos rohingyas, classificados como bengalis. O estado de Rakhine é lar de muitas minorias étnicas como os rakhines, mros, rohingyas e os dai-nets. Diferente dos outros grupos, o governo birmanês não reconhece os rohingyas, de maioria muçulmana, como grupo étnico. Em vez disso, eles são chamados de “bengalis”.
Os bengalis representam um dos maiores grupos étnicos do sul da Ásia. Mas em Myanmar, a palavra bengali ganhou novo significado. Tornou-se pejorativa para se referir aos rohingyas como imigrantes ilegais de Bangladesh. Essa designação, assim como o insulto “kalar”, tornou-se xingamento racista comumente dirigido aos rohingyas em Myanmar, tanto nas redes sociais como fora delas.
Há também posts que acusam meios de comunicação internacionais de mostrar apenas o sofrimento dos rohingyas.
A imagem abaixo insinua que os rohingyas, de alguma maneira, conseguiram manipular os meios de comunicação internacionais na divulgação de informação equivocada sobre o conflito:
Imagens como a de cima, entre outras com representações mais gráficas dessas ideias, viralizaram nas redes sociais em Myanmar.
Campanhas coordenadas de difamação na Internet
Além dos compartilhamentos espontâneos das imagens, observadores notaram tendências [trends] de compartilhamentos que apontam que estes foram coordenados.
O analista independente Raymond Serrato detectou um estranho pico de 1,5 mil novas contas no Twitter com hashtags provocadoras que apareceram depois dos confrontos de 25 de agosto. Muitas dessas contas duvidosas espalharam mensagens pro-governo bem como destacaram hashtags como #Bengali ou #BengaliTerrorists [terroristas bengalis]. Não se sabe quem está por trás das contas, mas esse tipo de fenômeno “Twitter brigade” ocorreu em vários outros países como Índia e Emirados Árabes Unidos
Em outra situação, uma campanha do Facebook pedia a usuários que fizessem comentários negativos nas páginas da BBC Burmesa e da Voice of America (VOA) e desse uma estrela para as reportagens sobre rohingyas, e cinco estrelas para a página do Conselheiro de Estado de Myanmar no Facebook. Páginas de comentários idênticas de contas únicas (veja exemplos abaixo) indicam um esforço coordenado para desacreditar esses meios de comunicação.
Esforços online coordenados de difamação também se estenderam ao hackeamento de contas. Jornais locais divulgaram que várias páginas do governo birmanês foram hackeadas no inicio de setembro, supostamente uma retaliação ao tratamento do governo dado aos refugiados rohingyas.
Fotos falsas
É grande a dificuldade de se obter informação precisa sobre o conflito. Jornalistas nacionais e internacionais têm enfrentado obstáculos na tentativa de acessar a região. Checar a veracidade da informação e das imagens que são veiculadas sobre esses locais tem sido um desafio. Com frequência esse vácuo de informação é preenchido por imagens adulteradas ou mesmo tiradas em outros países. Esse tipo de artimanha tem sido usada por ambos os lados como propaganda enganosa.
Abaixo, dois exemplos de posts difamando os rohingyas (note a terminologia do hashtag):
Alguns exemplos de fotos a favor dos rohingyas que mais tarde ficou comprovado serem do Nepal e da Indonésia:
O governo de Myanmar criou uma pagina oficial no Facebook “Information Committee” [Comitê de Informação] para servir de plataforma para verificar informações sobre a situação em Rakhine, mas devido às circunstâncias, seu conteúdo também é recebido com reservas.
As propagandas conflituosas e as notícias falsas continuam a inundar a Internet e o acesso às zonas de conflito permanece limitado. Logo, persiste a dificuldade em verificar as reais condições da região pós-conflito.