Há algumas semanas, foram confirmadas novas tentativas de espionagem contra ativistas no México. O presidente da organização dedicada ao jornalismo de investigação Mexicanos Contra a Corrupção e a Impunidade (MCCI), Claudio X. González Guajardo, recebeu diversas mensagens SMS que pretendiam infectar seu dispositivo móvel com o software malicioso Pegasus.
De acordo com o destaque do jornal americano The New York Times, González Guajardo foi ameaçado com Pegasus, uma sofisticada ferramenta de espionagem vendida exclusivamente a governos e que foi adquirida pelo governo mexicano em 2014 e 2015 com o objetivo, supostamente, de combater o crime organizado. Esse malware, no momento de instalação, acessa os arquivos do dispositivo, tais como mensagens de texto, correios eletrônicos, senhas, lista de contatos, calendários, vídeos, fotos e inclusive permite ativar a qualquer momento e inadvertidamente o microfone e a câmera do aparelho infectado.
Em entrevista à jornalista Carmen Aristegui, o diretor de investigação jornalística da MCCI, Salvador Camarena, destacou que as mensagens que havia recebido de González Guajardo indicavam o seguinte (cabe destacar que tanto Aristegui quanto Camarena também sofreram ataques com essa mesma tecnologia de espionagem):
Abogado, acabo de recibir esta notificación del MP y me URGE que me ayude a dar respuesta. Se lo adjunto (LINK)”
Hola Claudio, aparte de saludarte, paso a compartirte esta nota de Proceso donde hacen mención de tu nombre (LINK)”.
Señor Claudio, le comparto esta nota del Universal donde hacen mención de usted de forma deplorable, mire: (LINK)”.
Advogado, acabo de receber esta notificação do MP e é URGENTE que me ajude a dar uma resposta. Está anexado (LINK)”.
Olá, Claudio, além de cumprimentá-lo, estou compartilhando esta nota de Processo onde fazem menção a seu nome (LINK)”.
Senhor Claudio, compartilho esta nota da Universal onde mencionaram você de uma forma deplorável, olhe: (LINK).
O Citizen Lab, da Universidade de Toronto, confirmou que os links contidos em cada uma das mensagens que González Guajardo recebeu estavam infectados com o malware espião Pegasus, desenvolvido pela empresa israelense NSO Group. Esse é o caso número 22, documentado e confirmado, de indivíduos que foram alvos da espionagem com tal programa:
Updated list of 22 known targets in Mexican spyware case incl anti-corruption advocates & journalists #gobiernoespia https://t.co/uA2io9ICrG pic.twitter.com/k3RI3NMBJJ
— citizen lab (@citizenlab) August 30, 2017
Lista atualizada de 22 alvos conhecidos do caso de spyware mexicano inclui advogados anticorrupção e jornalistas.
Cada uma das tentativas de infecção, documentadas na investigação realizada junto às organizações Artículo 19, Rede em Defesa dos Direitos Digitais (R3D), SocialTIC e Citizen Lab, ocorreram em circunstâncias críticas relacionadas com o trabalho dos alvos de espionagem:
- Carmen Aristegui e sua equipe receberam múltiplas mensagens com links maliciosos enquanto realizavam investigações sobre atos de corrupção por parte do governo mexicano que envolvia o par presidencial e mais precisamente o presidente Enrique Peña Nieto.
- Carlos Loret de Mola estava documentando execuções extrajudiciais em Tanhuato, Michoacán, pela Polícia Federal.
- A equipe legal do Centro Miguel Agustín Pró Juárez (Centro Prodh) foi alvo dessa tecnologia enquanto trabalhava em diversos casos, como o desaparecimento forçado dos 43 estudantes de Ayotzinapa e os atos de tortura sexual pelas mãos de policiais em San Salvador Atenco em 2006.
- A defesa legal dos familiares da ativista Nadia Vera e do jornalista Rubén Espinosa, que foram assassinados junto com Alejandra Negrete, Yesenia Quiroz Alfaro e Mile Virginia Martin em 2015, também receberam mensagens suspeitas no final deste ano.
- Os ativistas pelo direito à saúde receberam mensagens enquanto preparavam uma campanha em apoio ao imposto das bebidas açucaradas no país.
- Membros do Instituto Mexicano para a Competitividade (IMCO) receberam tentativas de infecção quando lideravam os esforços para se aprovar a iniciativa cidadã para combater a corrupção política no país, conhecida como “Lei 3de3″.
- O pessoal da Mexicanos Contra a Corrupção e a Impunidade (MCCI) foi atacado depois da publicação de uma reportagem sobre a rede de empresas fantasma liderada pelo ex-governador de Veracruz, Javier Duarte. Agora, depois de mais uma recente publicação do The New York Times, sabemos que esta não tem sido a única tática intimidatória dirigida a atrapalhar o trabalho da organização e silenciar, em particular, seu diretor González Guajardo.
- O próprio Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes (GIEI), nomeado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para investigar o caso do desaparecimento forçado dos 43 estudantes de Ayotzinapa, também foi alvo da tecnologia Pegasus.
Ni siquiera la inmunidad diplomática del @GIEIAYOTZINAPA impidió que fueran objetivo del #GobiernoEspía pic.twitter.com/xY2rsr2bMS
— R3D (@R3Dmx) 21 de agosto de 2017
Nem a imunidade diplomática de @GIEIAYOTZINAPA impediu que fosse alvo do #GovernoEspião.
Também não é de menor importância que as tentativas de espionagem também tenham sido dirigidas contra os membros do Partido Ação Nacional (PAN), um partido opositor ao do atual governo federal.
Junto a essas revelações, nessa mesma semana, um ex-agente do centro de Investigação e Segurança Nacional (Cisen), Rodolfo Raúl González Vázquez, denunciou publicamente atividades de espionagem política atribuídas ao ex-governador de Puebla, Rafael Moreno Valle Rosas, e ao deputado federal Eukid Castañón Herrera, através da utilização do software de espionagem desenvolvido pela empresa italiana Hacking Team.
No começo de janeiro deste ano, o próprio New York Times publicou uma extensa reportagem que mostrava, entre outras coisas, a utilização do software mencionado (em particular o Sistema de Controle Remoto Galileu) para espionagem política durante as eleições do Partido Ação Nacional em Puebla, México.
A extensa rede de espionagem adquirida e operada sob a administração do agora ex-governador de Puebla e aspirante a presidência do país, Rafael Moreno Valle, já havia sido evidenciada na investigação jornalística realizada pelos meios independentes Animal Político e Lado B em 2015.
No entanto, as recentes declarações do ex-agente do Cisen não só constatam a existência de tal rede como também revelam o tamanho de seu alcance e objetivos. Ele declarou para Aristegui Notícias:
“Amantes, vicios y negocios” era lo que los empleados que operaban la red tenían que encontrar entre los adversarios del aspirante presidencial, los activistas, críticos y periodistas e incluso sobre prominentes integrantes de su grupo político, a decir de Rodolfo Raúl González Vázquez.
“Amantes, vícios e negócios” era o que os empregados que operavam a rede tinham que encontrar entre os adversários do aspirante presidencial, os ativistas, críticos e jornalistas e inclusive sobre os proeminentes integrantes de seu grupo político, disse Rodolfo Raúl González Vázquez.
Uma coisa fica clara, as sofisticadas ferramentas de espionagem adquiridas pelo governo mexicano não estão sendo utilizadas para fins legítimos. Não se trata apenas da opacidade em sua aquisição e uso, mas também, a partir das múltiplas investigações e revelações que apareceram nas últimas datas, agora sabemos que essas tecnologias invasivas estão sendo usadas para amedrontar e silenciar a dissidência.