Conhecida por possuir “a rua mais bonita do mundo”, a Gonçalo de Carvalho [en], a cidade de Porto Alegre, no estado brasileiro do Rio Grande do Sul, vem enfrentando um problema de planeamento urbano que vai mascarar a beleza da via coberta de árvores. O problema, porém, não é na Gonçalo.
No último dia 6 de fevereiro, a prefeitura da cidade surpreendeu com a derrubada de 115 árvores na Avenida Edvaldo Pereira Paiva, entre a Usina do Gasômetro e o Viaduto da Avenida Pinheiro Borda, no centro da cidade. A ação não foi concluída, porém, porque um grupo de moradores da região impediu os trabalhos da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMAM) ao subir em cima dos exemplares que permaneciam em pé, na Praça Júlio Mesquita, em frente à usina.
A derrubada das árvores centenárias faz parte da obra de duplicação da Avenida Edvaldo Pereira Paiva, um projeto para a Copa do Mundo de 2014. Segundo a Empresa Pública de Transporte Circulação (EPTC), o projeto prevê um alargamento da pista por uma extensão de 5,8 quilômetros, entre a Usina do Gasômetro e a Avenida Pinheiro Borda.
Dudupruvinelli1 postou no Youtube uma gravação que mostra as árvores no chão ao longo da avenida:
O projeto de reconstrução do trecho da Edvaldo Pereira Paiva custará mais de 22,5 milhões de reais, de acordo com o Portal Transparência na Copa, da Prefeitura.
Sociedade civil se mobiliza
Na Câmara Municipal de Vereadores, ao ficar sabendo da medida, um grupo de partidos de oposição convocou uma reunião com a SMAM através da Comissão de Saúde e Meio Ambiente. No início da noite, o prefeito José Fortunati ordenou que o desmatamento fosse interrompido. Mesmo assim, o mandatário fez uma declaração polêmica ao dizer que “Ninguém usa as árvores do Gasômetro”, fala que foi ironizada em vídeo pelo perfil tonpoa no Youtube:
Em 19 de fevereiro, uma audiência pública foi realizada no Ministério Público. Sociedade civil e promotores indagaram a administração municipal sobre a opção da construção de uma passagem em nível para que as árvores não tivessem de ser derrubadas, proposta que foi descartada pela EPTC “devido ao alto custo e ao risco de uma grande enchente no [lago] Guaíba”.
O portal Sul 21 avançou ainda a previsão de uma compensação de “400 mudas na região central da cidade”, nível que foi aumentado pela prefeitura um mês depois durante audiência pública na Câmara Municipal no dia 18 de março. No dia 23 de março, foi realizado um evento para plantar as novas mudas no Parque da Harmonia, próximo ao Gasômetro, como lembrou o blog Porto Imagem:
Ao todo, para compensar a remoção de 115 vegetais, está previsto o plantio de 401 mudas, além do projeto de arborização e paisagismo da avenida que deve viabilizar mais 2 mil árvores ao longo do trecho duplicado. Todas as mudas plantadas pela Prefeitura são nativas, ao contrário da maioria das que estão sendo removidas, classificadas tecnicamente como exóticas e invasoras.
O arquiteto e urbanista Anthony Ling, no blog Rendering Freedom, analisa a obra no contexto do “planejamento da prefeitura para a Copa do Mundo, (…) um evento pontual cheio de contradições e ações suspeitas no quesito de gestão pública”. Ling confronta a visão de crescimento da cidade e questiona se “a qualidade da cidade aumenta proporcionalmente ao aumento da velocidade de trânsito dos carros na rua”. Por outro lado, e apesar de mostrar-se contra o projeto, Ling critica também os objetivos de diferentes movimentos de contestação que se dividem entre a preservação dos espaços verdes e a aplicação de dinheiros públicos:
O problema do debate entre “árvores” e “desenvolvimento”, no entanto, normalmente é uma visão distorcida do que está em questão. Os resultados da turma que é a favor da obra não resultam em desenvolvimento, nem a defesa de quem é contra a obra é necessariamente pelas árvores dos locais.
Opondo-se ao que aponta como “o planejamento rumo ao “fim””, Ling propõe uma “flexibilização das regras vigentes” para incentivar um bom uso da orla do Guaíba:
transformando-a não em um espaço de passagem de veículos mas em um espaço de uso, o que uma incrível orla merece. Assim, minha crítica não é em relação à mudança ou às árvores per se, mas à forma “de cima para a baixo” de que o projeto está desenrolando, mantendo as restrições atuais sem atender demandas nem sociais, nem de mercado.
Parque do Gasômetro
Em reunião com os vereadores antes da audiência pública no plenário da Câmara, em 18 de março, Jacqueline Sanchotene, presidente do Movimento Viva Gasômetro recordou o projeto “pela criação do Corredor Parque do Gasômetro”, criado em 2007 pelo arquiteto Rogério Dal Molin, e que poderia entrar em conflito com os atuais planos da prefeitura. Com uma proposta de rebaixamento da via e a ampliação de praças, o Parque do Gasômetro pretende criar uma ligação com a beira do Guaíba, “dando acesso direto à população a Usina do Gasômetro”.
Prevista na revisão do Plano Diretor em 22 de julho de 2010 pela Lei Complementar 646, a área verde une as praças Julio Mesquita e Brigadeiro Sampaio, além da Usina do Gasômetro e do Cais Mauá, que também possui projeto de revitalização em curso. A lei, porém, diz que deveria ser apresentada, em 18 meses, uma lei específica para a instituição do empreendimento. Nada teria sido entregue. A obra da Edvaldo, no entanto, estaria no meio da junção.
Apesar das diversas manifestações contrárias ao corte, o vice-prefeito Sebastião Melo anunciou, ao final da audiência pública, que o corte seria retomado, pois os contratos para a obra já estavam fechados.
No entanto, prometeu também a criação de um grupo de trabalho para implantar o Parque do Gasômetro, que acabou sendo montado a 20 de março com representantes de cinco entidades da sociedade civil: a Associação Gaúcha de Proteção ao Meio Ambiente (AGAPAN), o Instituto do Arquitetos do Brasil (IAB-RS) a União das Associações de Moradores de Porto Alegre (Uampa) e Região Geral de Planejamento 1 (RP 1), que integra o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA).
Apesar do parque, os portoalegrenses seguem lamentando a derrubada das árvores.
No Twitter, cidadãos usaram a hashtag #SOSArvoresPOA para manifestar a sua indignação, como Cintia Barenho (@CintiaBarenho) dizendo “Parece que teremos que subir novamente nelas para defendê-las”, e Leonardo Frota (@leonardo_frota1) que escreveu:
Atitude lamentável da @prefeitura_poa e Vice Prefeito @sebastiaomelo em manter a derrubada das árvores na região do Gasômetro.
Uma petição online “Pelo cancelamento do corte das árvores e reconhecimento do Parque do Gasômetro” foi criada, e reuniu até o dia 25 de março mais de 1200 assinaturas.