O protesto do clã Kuti por meio da música, e outros nigerianos que cantaram contra o apartheid

A banda de Julias (Nigéria). Imagem por Steve Terrell, 26 de setembro de 2015 (CC BY 2.0).

Músicos nigerianos falam abertamente sobre injustiça social em seu país. O termo “música de protesto”, como gênero musical, ganhou validação cultural nos anos 1970 e é utilizado até hoje. Essas músicas versavam contra a ditadura militar, o apartheid na África do Sul, e a brutalidade policial, como parte dos protestos da #EndSARS (“acabem com a SARS”), liderados pela juventude.

O pai do protesto musical nigeriano

Representação artística de Fẹlá Aníkúlápò Kútì. Imagem por Danny PiG via upload do Flickr em 11 de setembro de 2012. (CC BY-SA 2.0).

Fẹlá Aníkúlápò Kútì (1938–1997), o pai da música de protesto na Nigéria, utilizou o distinto gênero musical Afrobeat, cujas letras eram repletas de “humor sarcástico, revolta contra as autoridades, e consciência política”, como meio de lutar contra a injustiça social, aponta Titilayo Remilekun Osuagwu, acadêmico da Universidade de Port Harcourt, na Nigéria.

A genialidade de Fela estava em sua conceitualização das raízes da opressão. É por isso que sua música permanece, até hoje, uma ferramenta poderosa que “sustenta os protestos recorrentes”, afirma Olukayode ‘Segun Eesuola, cientista político, acadêmico da Universidade de Lagos, na Nigéria.

Durante sua carreira musical, ao longo de mais de três décadas, ele elevou o nível de consciência política de gerações de cidadãos nigerianos. Entretanto, isso resultou em várias interpelações violentas de agentes de segurança de governos consecutivos.

É compreensível que grande parte da música de Fela tenha se direcionado contra os abusos dos sucessivos governos militares no país. A Nigéria esteve sob uma ditadura militar por 29 anos (de 1966 a 1979, e de 1983 a 1999).

No momento do falecimento de Fela, em 1997, sua impetuosa obra musical o consagrou como “um ‘músico político’, por excelência, na percepção global”, sustenta Tejumola Olaniyan, professor de literatura e línguas africanas da Universidade de Wisconsin-Madison, em seu livro inspirador, “Arrest the Music! Fela & His rebel art and politics.” (“Prisão à música! Fela & sua arte e política rebeldes”, em tradução livre).

Femi e Seun Kuti: tal pai, tal filho

Os dois filhos de Fẹla, Femi e Seun, herdaram e “levaram adiante” a

Femi Kuti, apresentando-se no Warszawa Cross Culture Festival. Imagem de Henryk Kotowski via Wikimedia Commons, 25 de setembro de 2011 (CC BY-SA 3.0).

paixão de seu pai, por fazer justiça social através da música.

Femi Kuti, o filho mais velho de Fela é, ele próprio, um talentoso saxofonista de Afrobeat. Algumas canções de Femi, como “Sorry Sorry“, “What Will Tomorrow Bring” e “97“, não poupam os governantes corruptos e incompetentes.

Por exemplo, em “Sorry Sorry”, Femi lamenta a tentativa hipócrita das elites no poder que, às escondidas, destroem a nação, mas, em público, pretendem resolver os problemas:

Politicians and soldiers make meeting/Our country dem wan repair/Dem dey make like say/Dem no know/Say na dem a spoil our country so

Políticos e soldados se reúnem/eles querem consertar o nosso país/eles agem como/se não soubessem/que são aqueles que estragaram o nosso país.

Femi, indicado diversas vezes ao Grammy, é arrojado e impaciente como o seu pai. Em uma entrevista ao jornal nigeriano Vanguard, em fevereiro de 2011, criticou duramente a classe corrupta da Nigéria: “É muito claro que as coisas estão péssimas em nosso país. Os políticos continuam roubando dinheiro, não temos boas estradas, educação adequada, água potável e por aí vai. Não posso aceitar isso. A maioria dos nigerianos está sofrendo. Eu não aceito isso e meu pai nos mostrou um jeito de reivindicação, por meio da música. É isso que estou fazendo”.

Seun Kuti no festival Marsatac, em 2008, em Marselha, na França. Imagem por Benoît Derrier via Wikimedia Commons (CC BY-SA 2.0). 

O filho mais novo de Fela, Seun Kuti, é um músico e defensor da justiça social. Seun participou ativamente nos protestos #OccupyNigeria (“ocupar a Nigéria”), em 2012, contra o aumento do preço dos combustíveis. Ele também se envolveu nos protestos #EndSARS, em 2020.

Seun foi descrito como o “Príncipe dos Afrobeats“, seguindo os passos de seu pai, o rei do Afrobeat.

Toyin Falola, historiador e professor de estudos africanos, também afirma: “O alinhamento de Seun não começou há pouco tempo. Ele mostrou interesse na música, principalmente no tipo de música que seu pai cantava, e passou a se apresentar junto de Fela e da banda Egypt 80 quando tinha apenas nove anos. Não seria inapropriado dizer que é um ato de prodígio”.

Vozes nigerianas contra o apartheid na África do Sul

Capa do disco de vinil de Sonny Okosun.

As músicas criticando as lideranças políticas não se limitaram apenas à ditadura militar. 

Músicos nigerianos como Sonny Okosun, Majek Fashek, Onyeka Onwenu e muitos outros também protestaram contra o apartheid na África do Sul, reivindicando a soltura de Nelson Mandela.

Sonny Okosun (1947—2008), astro da música highlife e do reggae, condenou a opressão contra jovens negros sul-africanos, causada por governos do apartheid, em “Papa's Land” (1977) e “Fire in Soweto” (1978).

Seguindo os passos de Okosun, o guitarrista e estrela do reggae Majek (Majekodunmi) Fashek (1936–2020), dedicou sua música “Free Africa, Free Mandela” ao sul-africano Nelson Mandela, descrevendo-o como um prisioneiro com consciência.

Onyeka Onwenu (Imagem crédito do Fã-clube de Onyeka Onwenu, no Facebook).

Porém, uma das interpretações mais cativantes e comoventes de protesto contra o apartheid é a da cantora, atriz e jornalista nigeriana Onyeka Onwenu, em sua música “Winnie Mandela“.

Onyeka definiu “Winnie Mandela” como a “alma de uma nação lutando para ser livre!”.

Onyeka explicou que escreveu a música após assistir a um documentário sobre os Mandela, que a emocionou. Ela se “identificou” com a “solidão e o sofrimento de Winnie”.

Durante a noite seguinte, a compositora nigeriana teve insônia e colocou “sua dor em uma música”, para “retribuir a Winnie por sacrificar sua vida pela luta do apartheid“, escreveu em abril de 2018.

Outros nigerianos que cantaram contra a injustiça social do apartheid foram Victor Essiet e os Mandators, na música “Apartheid“.

Leia a segunda parte desta série aqui.

Veja a playlist da Global Voices no Spotify, que destaca essas e outras músicas banidas do mundo inteiro, aqui. Para mais informações sobre músicas banidas, veja a nossa cobertura especial Striking the Wrong Notes

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