A explicação das raízes da guerra em Gaza

Vista de prédios destruídos e escombros no bairro de al-Rimal após ataques aéreos israelenses na Faixa de Gaza em 10 de outubro de 2023. Imagem por Mohammed Zaanoun. Usada sob permissão

O conflito israel-palestino é uma questão altamente complexa e antiga, marcada por uma história de violência, perdas de vidas e deslocamentos generalizados, afetando predominantemente o povo palestino, que são os habitantes originários do que é historicamente conhecido como Palestina. Este país histórico deixou de existir como entidade distinta no mapa depois do estabelecimento do Estado de Israel em 1948.

Para entender a fundo os acontecimentos desse conflito já bastante estabelecido, é fundamental conhecer o contexto histórico mais amplo, além de considerar fatores contemporâneos que tiveram papel significativo nos eventos recentes.

O que aconteceu?

Em 7 de outubro de 2023, o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas),  um grupo militante na Faixa de Gaza, rompeu a antiga barreira que circunda a Faixa de Gaza, uma área sujeita a um devastador bloqueio  por mais de 16 anos. Após a ruptura, o Hamas fez um ataque surpresa em cidades israelenses próximas. Em resposta, Israel deu início a uma série de ataques aéreos de larga escala na Faixa de Gaza.

A perda humana neste conflito tem sido imensa, com mais de 3 mil vidas perdidas em ambos os lados e mais de 10 mil pessoas feridas. Além das perdas de vidas trágicas e o número assustador de feridos, o conflito também resultou em deslocamentos generalizados e uma perturbação profunda da vida cotidiana.

Em 8 de outubro de 2023, o ministério israelense publicou uma declaração oficial de guerra contra o Hamas, mas seus efeitos foram sentidos pela população inteira de Gaza. Um dia depois, o ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, ordenou um “cerco completo” a Gaza, e declarou que “não haverá eletricidade, comida, combustível, tudo está fechado”.

O cerco, visto por muitos como uma punição coletiva, interrompe o fornecimento de recursos vitais, ameaçando as vidas de mais de 2.5 milhões de pessoas presas na Faixa.

De acordo com o veículo de mídia Jewish Currents: “Em 9 de outubro, usando linguagem desumanizada que especialistas em direito internacional identificaram como genocida, Gallant disse, “estamos lutando contra animais humanos e estamos agindo de acordo”.

Quais foram as causas subjacentes que levaram à guerra em Gaza?

Gaza, um enclave na costa leste do Mediterrâneo, faz fronteira com o Egito, no sudoeste, e com Israel, no leste e norte. Desde 2007, com o apoio do Egito, Israel tem imposto um bloqueio contínuo por terra, ar e mar em Gaza. Frequentemente, as organizações de direitos humanos se referem a isso como “a maior prisão do mundo“. Esse bloqueio inflige uma punição coletiva aos 2,3 milhões de palestinos que vivem no enclave.

Israel exerce controle sobre aspectos cruciais da vida de Gaza, incluindo o transporte de comida, água, suprimentos médicos e também de pessoas através das travessias terrestres que conectam Gaza com o mundo exterior. Ao longo dos anos, Israel bombardeou consistentemente a Faixa, mostrando pouca consideração com as vidas de civis, que lá estão confinados sem nenhum lugar para ir.

A Human Rights Watch relatou que “este bloqueio devastou a economia em Gaza, contribuindo para a fragmentação do povo palestino, e faz parte dos crimes de Israel contra a humanidade pelo apartheid e perseguição de milhões de palestinos”.

Infográfico foi feito por visualizing Palestine. Publicado sob CC BY-NC-ND 4.0 DEED. Uso permitido

Além disso, Israel tem tido um papel central ao impor um cerco, deslocamento, assassinato e encarceramento de palestinos e apoiar a agressão constante de colonos e militares. Isso se soma a ações e leis discriminatórias, formando um sistema de apartheid que afeta diretamente os palestinos.

O Hamas nomeou a operação como “Tempestade Al-Aqsa”, fazendo referência à mesquita de Al-Aqsa, o terceiro lugar mais sagrado do Islã. De acordo com a Associated Press, o Hamas citou várias motivações para o ataque, incluindo o bloqueio de 16 anos de Israel em Gaza, episódios de violência na mesquita de Al-Aqsa, ataques israelenses na Cisjordânia, crescentes ataques de colonos israelenses contra palestinos e a expansão dos assentamentos.

Em um editorial no jornal israelense Haaretz, o jornalista israelense Gideon Levy atribuiu a maior parte da responsabilidade ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. No entanto, ele também reconheceu que a situação “não começou com ele e não vai terminar depois que ele se for”. Levy apontou que os eventos recentes são consequências devastadoras das ações de Israel e de décadas de políticas discriminatórias contra os palestinos.

On Saturday, they were already talking about wiping out entire neighborhoods in Gaza, about occupying the Strip and punishing Gaza “as it has never been punished before.” But Israel hasn’t stopped punishing Gaza since 1948, not for a moment.

After 75 years of abuse, the worst possible scenario awaits it [Gaza] once again. The threats of “flattening Gaza” prove only one thing: We haven’t learned a thing.

No sábado, já estavam falando sobre eliminar bairros inteiros de Gaza, ocupar a Faixa e punir Gaza “como nunca foi punida antes”. Mas Israel não parou de punir Gaza desde 1948, nem por um segundo. Depois de 75 anos de abuso, o pior cenário possível espera [Gaza] novamente. As ameaças de “arrasar Gaza” provam só uma coisa: não aprendemos nada.

Qual é a atual situação humanitária em Gaza?

A situação em Gaza está se deteriorando rapidamente.

O incansável e contínuo bombardeio aéreo de Gaza já dura sete dias, resultando na destruição devastadora de bairros inteiros. Palestinos estão presos no meio do pior pesadelo da humanidade, sujeitos a ininterruptos bombardeamentos, inclusive com armas de fósforo branco, munições proibidas internacionalmente, e sem nenhum lugar para se refugiar. Somado a todo esse sufoco, Israel fechou todas as saídas de Gaza e repetidamente atacou a única passagem que conecta Gaza ao Egito.

Conforme aumenta a escassez de água potável e comida na Faixa, seus habitantes também enfrentam a escuridão. Há boatos de uma invasão terrestre, ameaçando aumentar exponencialmente a já grave situação humanitária.

Omar Shakir, o diretor da Human Rights Watch para Israel e Palestina, criticou o plano do ministro da Defesa de Israel de privar Gaza de comida e eletricidade em meio ao conflito em curso.

Israeli Defense Minister Gallant’s statements are abhorrent. Depriving the population in an occupied territory of food and electricity is collective punishment, which is a war crime, as is using starvation as a weapon of war. The International Criminal Court should take note of this call to commit a war crime.

As declarações de Gallant, ministro da Defesa de Israel, são repugnantes. Em um território ocupado, privar a população de comida e eletricidade é uma punição coletiva, o que é um crime de guerra, assim como usar a fome como arma de guerra. O Tribunal Internacional de Crimes de Guerra deveria reagir a esse anúncio de cometer um crime de guerra.

Ele também criticou a promessa do Hamas de executar reféns, dizendo:

The pledge by Hamas’ armed wing to execute civilian hostages is grotesque. Such threatened acts are flagrant war crimes. The International Criminal Court should investigate the taking of hostages and any allegations of cruel treatment. All hostages should be safely released to their families.

A promessa do braço armado do Hamas de executar reféns civis é grotesca. Essas ameaças são crimes de guerras descarados. O Tribunal Internacional de Crimes de Guerra deveria investigar o sequestro de reféns e qualquer alegação de tratamento cruel. Todos os reféns deveriam ser libertados em segurança e voltar para suas famílias.

Na sexta, 13 de outubro de 2023, Israel publicou uma ordem para 1,1 milhão de pessoas irem para o sul da faixa. De acordo com a Associated Press (AP), “se isso acontecer, significa que a população inteira do território teria que se espremer na metade sul da Faixa de 40km”. No entanto, o porta-voz da ONU, Stephane Dujarric, disse que seria impossível fazer essa evacuação sem “consequências humanitárias devastadoras”.

Qual é a causa histórica do conflito, em resumo?

Este infográfico foi feito por visualizing Palestine. É publicado sob CC BY-NC-ND 4.0 DEED. Uso permitido

O conflito Israel-Palestina começou em 1917 com a Declaração Balfour, quando o Reino Unido prometeu estabelecer uma nação para o povo judeu na Palestina, apesar da maioria árabe na Palestina.

Tensões crescentes e resistência levaram à Revolta Árabe de 1936 a 1939, duramente reprimida pelo Reino Unido, incluindo demolições punitivas de casas e bombardeamento de vilas – uma tática que Israel usa até hoje.

No fim da década de 1930, autoridades britânicas trabalharam com colonos israelenses para criar grupos armados que mais tarde se tornaram o Exército israelense. Em 1947, a população judaica na Palestina tinha crescido 33%, mas possuía apenas 6% das terras. A ONU adotou a Resolução 181, propondo a separação da Palestina em um Estado árabe e outro judeu.

Os paramilitares sionistas iniciaram operações militares, denominada “Nakba” (catástrofe) em 1948, levando a massacres e à destruição de mais de 500 cidades palestinas. Aproximadamente 750 mil palestinos foram deslocados.

Israel ocupou o restante dos territórios palestinos na Cisjordânia, Faixa de Gaza, Jerusalém Leste, Colinas de Golã e Península do Sinai após a Guerra dos Seis Dias em 1967.

A primeira “Intifada” (revolta) entre 1987 e 1993 começou com protestos e boicotes contra a ocupação israelense, levando à formação do Hamas. A resposta de Israel incluiu repressão, prisões e destruição.

A primeira Intifada acabou com os Acordos de Oslo de 1993, ocasionando a formação da Autoridade Palestina com autogoverno limitado. A solução de dois Estados permaneceu indefinida.

Em 2000, a visita de Ariel Sharon à Mesquita de Al-Aqsa provocou violência generalizada, ficando conhecido como a Segunda Intifada. A resposta de Israel incluiu reocupação, construção de uma muralha de separação e posteriores expansões de assentamentos.

Israel impôs um bloqueio em Gaza em 2007, e lançou ataques militares em 2008, 2012, 2014 e 2021, resultando em significativas perdas de vidas e danos à infraestrutura em Gaza.

Este post está fechado para comentários