Os presidentes da Ásia Central não conseguem parar de nomear familiares para cargos de alto nível

Saida Mirziyoyeva, filha mais velha do presidente do Uzbequistão, Shavkat Mirzioyoyev, e chefe da sua administração presidencial. Captura de tela do Canal do Youtube BBC News Uzbek. Uso legítimo.

No dia 25 de agosto, o presidente do Uzbequistão, Shavkat Mirziyoyev, assinou um decreto que introduzia alterações pessoais à sua administração, e nomeou sua filha, Saida Mirziyoyeva, como líder do gabinete presidencial. Esse é o segundo cargo da filha do presidente, após ter trabalhado lá como chefe do Setor de Políticas de Comunicações e Informação desde novembro passado. O novo título oficial de Mirziyoyeva é assistente do presidente. No entanto, a demissão do anterior chefe da administração presidencial e a remoção total desse cargo fazem com que ela seja a oficial de maior escalão nomeada no governo.

Como era de se esperar, essa nomeação gerou especulações sobre se Saida Mirziyoyeva irá substituir seu pai como a nova presidente. Desde que entrou na vida política do país em 2019, ela rapidamente subiu na hierarquia alcançando uma das posições governamentais mais poderosas do país.

Mas a história dela não é a primeira. Na verdade, é muito semelhante à de Gulnara Karimova, filha do presidente anterior, Islam Karimov, que governou o Uzbequistão de 1991 até sua morte, em 2016. Karimova foi empresária, diplomata, estilista e cantora. Até sua queda em 2013, quando ela foi submetida a prisão domiciliar, Karimova foi a segunda pessoa mais poderosa do país. Da mesma forma que Mirziyoyeva, alguns acreditavam que Karimova sucederia seu pai, mas em vez disso ela acabou presa por corrupção.

O Uzbequistão não está sozinho com o seu imenso histórico de nepotismo na Ásia Central. Seus vizinhos regionais, Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão e  Turcomenistão têm mostrado exemplos de familiares próximos de presidentes que ocupam cargos governamentais de alto nível. O exemplo mais gritante disso é o presidente atual do Turcomenistão, Serdar Berdimukhamedov, que sucedeu seu pai, Gurbanguly Berdimukhamedov, em 2022.

Este vídeo do YouTube mostra como Serdar Berdimuhamedov sucedeu seu pai e se tornou presidente do Turcomenistão.

Apesar dos efeitos adversos do nepotismo, como foi demonstrado durante a Revolução das Tulipas de 2005 e de abril de 2010, no Quirguistão, a liderança política na Ásia Central continua favorecendo os laços sanguíneos como fatores decisivos na sucessão do país, em vez de qualificações profissionais ou meritocracia.

Família sempre em primeiro lugar

Os países da Ásia Central têm um longo histórico de nepotismo. Isso acontece desde o início de suas independências, adquiridas após a desintegração da União Soviética em 1991. Quando os primeiros presidentes dos países da Ásia Central assumiram o cargo e reforçaram suas posições no final dos anos 1990 e começo dos anos 2000, seus filhos já haviam crescido o suficiente para iniciar suas próprias carreiras políticas. Eles também começaram a criar suas próprias famílias, criando a necessidade de cooptar novos familiares, os parentes por afinidade. Os casos de Saida Mirzoyeva, Gulnara Karimova e Serdar Berdimuhamedov são apenas alguns exemplos.

O primeiro presidente do Cazaquistão, Nursultan Nazarbayev, foi um dos primeiros a nomear familiares para cargos de alto nível. Seu governo de 29 anos deixou um rastro vívido de nepotismo. A filha mais velha de Nazarbayev, Dariga Nazarbayeva, tornou-se membra do Parlamento em 2004, vice primeira-ministra em 2015 e oradora do Senado em 2019. O seu marido, Rakhat Aliyev, médico por formação, ocupou o cargo de vice-ministro das Relações Exteriores antes de ser exilado para a Europa, onde acabou morrendo em 2015 em circunstâncias suspeitas. As outras duas filhas de Nazarbayev e os seus maridos estavam entre os principais magnatas dos negócios durante o seu mandato.

Este vídeo do YouTube fala sobre a riqueza dos familiares de Nazarbayev.

O primeiro presidente do Quirguistão, Askar Akayev, também praticou nepotismo durante seu governo, apesar de se esperar que, como físico treinado, fosse uma figura imparcial. A sua formação científica e a ausência de um passado político foram fatores decisivos quando o Parlamento do Quirguistão o elegeu como primeiro presidente do país em 1990.

Mairam Akayeva, sua esposa, emergiu como uma poderosa sombra, que concedeu às empresas e aos investidores acesso ao mercado e aos recursos do país, em troca de subornos pesados. Em 2005, seu filho e sua filha concorreram às eleições parlamentares e ganharam, o que enfureceu a população, causando a Revolução das Tulipas, que pôs fim ao reinado de Akayev.

O próximo presidente do Quirguistão, Kurmanbek Bakiyev, cometeu o mesmo erro ao nomear seu filho e irmãos para cargos importantes no governo. Sua presidência terminou em 2010 com o que veio a ser chamado de Revolução de Abril. A prática evidente de nepotismo de Bakiyev, que parecia não ter limites, foi um dos fatores que ocasionou a revolta popular e derrubada do seu regime.

O presidente do Tajiquistão, Emamoli Rahmon, que governa o país desde 1992, tem nove filhos, o que significa que ele precisa se esforçar mais para avançar as carreiras políticas e empresariais de seus filhos. Uma de suas sete filhas é chefe da administração presidencial. Seu filho Rustam Emomali será possivelmente o próximo presidente. Atualmente, ele combina dois cargos importantes: prefeito da capital do Tajiquistão, Dushanbe, e presidente da Assembleia Nacional, que é a câmara baixa do Parlamento. As outras filhas e genros de Rahmon ocupam cargos de alto nível e possuem poder considerável no que diz respeito a toda atividade econômica no país.

Este é um vídeo do YouTube que fala sobre a ascensão de Rustam Emomali ao cargo de segunda pessoa mais poderosa do Tajiquistão.

A história continua a repetir-se

Não existem exemplos de nepotismo na Ásia Central que acabaram bem ou produziram resultados positivos para os países e regimes políticos envolvidos.

A história mais infame a respeito disso é a queda de Gulnara Karimova. Os danos causados para o país são estimados em US$ 1,4 bilhão. Há relatos de que ela monopolizou setores inteiros da economia do Uzbequistão, assumindo empresas privadas e recebendo centenas de milhões de dólares em subornos em troca do acesso ao lucrativo mercado uzbeque.

Este é um vídeo do YouTube que fala sobre como Gulnara Karimova aceitava subornos de empresas de telecomunicações russas e suecas.

Após entrar em conflito com sua própria família em 2013, ela foi colocada em prisão domiciliar com a aprovação de seu pai. Após a morte de Islam Karimov em 2016, ela foi condenada a muitos anos de prisão.

Os familiares de Nazarbayev também deixaram seus cargos, perderam influência e foram condenados a prisão depois que ele deixou o cargo em 2019. A queda de seus parentes começou em janeiro de 2021, quando Nazarbayev perdeu a luta pelo poder com o atual presidente do Cazaquistão, Kassym-Jomart Tokayev, após protestos violentos conhecidos como Qandy Qantar (Janeiro Sangrento).

Dariga Nazarbayeva deixou seu cargo de parlamentar pouco depois. O sobrinho de Nazarbayev, o empresário Kairat Satybaldy, foi condenado a seis anos de prisão por roubo. Os outros membros da sua família que ocupavam importantes cargos políticos e empresariais também foram demitidos.

As consequências mais devastadoras do nepotismo ocorreram no Quirguistão. Após a Revolução das Tulipas em 2005, Akayev e sua família foram exilados para a Rússia, onde vivem hoje em dia. Bakiyev e sua família tiveram um fim semelhante após a Revolução de Abril de 2010, escapando para a Bielorrússia sem direito a retornar para o seu país.

A aparente prática de nepotismo desses ex-presidentes, juntamente com outras violações, custou-lhes os seus regimes. No entanto, o atual presidente do Quirguistão, Sadyr Japarov, está ignorando esses acontecimentos políticos passados. Ele admitiu recentemente que o seu filho jovem e aparentemente desqualificado, Rustam Japarov, está trabalhando com investidores estrangeiros para construir grandes obras de infraestrutura no país.

Cercar-se de familiares próximos, muitas vezes incompetentes, priva os presidentes de uma assessoria sólida sobre questões políticas e econômicas importantes. Transferir o poder para familiares próximos que não possuem competência sufoca o crescimento econômico do país. Ainda assim, as lideranças políticas e seus familiares ainda não aprenderam a lição com o fracasso de seus antecessores.

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