Geórgia atrai críticas e protestos enquanto o governo debate o projeto de lei do agente estrangeiro

Colagem de Arzu Geybullayeva. Fotos cortesia da OC Media. Usada sob permissão.

Milhares de georgianos saíram às ruas para protestar contra o polêmico projeto de lei sobre agente estrangeiro apresentado no ano passado, mas reintroduzido pelo partido em exercício, Georgian Dream, em 3 de abril de 2024. Especialistas dizem que o partido Georgian Dream está constantemente atrapalhando o caminho de seu país para a adesão à União Europeia. Após três dias de protestos em grande escala e críticas nacionais e internacionais, o projeto de lei foi aprovado em primeira leitura no parlamento. Entretanto, responsáveis do partido atacaram grupos locais da sociedade civil, acusando-os de tentarem derrubar o governo.

Como começou

Em 3 de abril, o líder parlamentar do Georgian Dream, Mamuka Mdinaradze, anunciou a sua decisão de reconsiderar um projeto de lei sobre agentes estrangeiros. Em uma declaração compartilhada no Facebook, o partido em exercício afirmou que a lei “protegerá a Geórgia de tentativas artificiais de causar agitação no país”.

No ano passado, quando o partido em exercício anunciou a sua decisão de adotar o projeto de lei, foi recebido com protestos públicos e críticas internacionais, uma vez que projetos de lei semelhantes em outros países comprometeram o trabalho de organizações não governamentais e grupos da sociedade civil.

Se aprovado, o projeto iria “obrigar as organizações não governamentais com financiamento estrangeiro a registrarem-se como agentes de influência estrangeira”, informou a Eurasianet.

Membros do partido em exercício afirmam que a lei se baseia na legislação dos EUA conhecida como a FARA — Lei de Registro de Agentes Estrangeiros dos EUA. Contudo, a análise do rascunho do projeto mostra que este não é o caso. Em uma avaliação publicada no ano passado, o Escritório para as Instituições Democráticas e os Direitos Humanos (OSCE/ODIHR) afirmou que o projeto de lei era “fundamentalmente diferente”, com “objetivo e âmbito muito distintos”.

Na verdade, o projeto de lei proposto é surpreendentemente semelhante à lei russa do “agente estrangeiro”, que tem sido utilizada, de modo infame, para esmagar a dissidência e a oposição na Rússia desde que entrou em vigor. O projeto de lei exige que todos os meios de comunicação social na Geórgia, que recebem mais de 20% de financiamento estrangeiro, registrem-se como “agentes estrangeiros” e apresentem relatórios sobre os seus rendimentos anuais e fontes de doadores.

De acordo com o meio de comunicação local OC Media, “a lei provavelmente também se aplicaria à maioria das organizações não governamentais ativas na Geórgia”. O projeto de lei russo, que tem passado por várias alterações desde 2012, também obriga as plataformas de notícias, que recebem financiamento estrangeiro, a divulgar seus orçamentos anuais. Na sua forma mais recente, “a lei expande a definição de agente estrangeiro a um ponto em que quase qualquer pessoa ou entidade, independentemente da nacionalidade ou localização, que se envolva em ativismo cívico ou mesmo expresse opiniões sobre as políticas russas ou a conduta dos funcionários, poderia ser designada um agente estrangeiro, desde que as autoridades afirmem que está sob ‘influência estrangeira’. Também exclui ‘agentes estrangeiros’ de aspectos essenciais da vida civil”, escreveu a Human Rights Watch após as alterações mais recentes na lei que entrou em vigor na Rússia em dezembro de 2022.

Além disso, os especialistas internacionais discordam do governo em exercício da Geórgia quanto ao fato de o projeto de lei se assemelhar à legislação da UE e dos EUA. Na sua análise comparativa entre o projeto de lei da Geórgia e a FARA para o Civil.ge, o advogado internacional Ted Jonas destacou diferenças importantes entre o projeto de lei dos EUA e a proposta de lei da Geórgia, nomeadamente, o contexto histórico e a definição de quem é ou não um agente estrangeiro.

“Uma das diferenças fundamentais entre a Lei de Registro de Agentes Estrangeiros dos EUA (FARA) e a proposta de lei georgiana sobre agentes estrangeiros é o contexto histórico em que as duas leis tiveram origem e contra quem foram dirigidas. O Congresso dos EUA adotou a FARA em 1938 especificamente para visar empresas de lobby e consultoria que atuavam em nome do governo alemão nazista. A preocupação com os agentes comunistas soviéticos também motivou a lei“, explicou Jonas. Ao contrário da FARA, o projeto de lei apresentado pelo partido em exercício menciona apenas “o financiamento dos EUA e da UE para ONG georgianas como fonte de agentes estrangeiros na Geórgia”.

De acordo com o texto do projeto de lei, um agente estrangeiro pode ser uma empresa, fundação ou indivíduo que receba mais de 20% de financiamento de uma potência estrangeira. A FARA descreve um agente estrangeiro “como qualquer pessoa (legal ou física) que esteja sob o controle ou atue sob a direção de uma potência estrangeira e atue no interesse dessa potência estrangeira”, explicou Jonas em sua análise.

Há uma diferença marcante entre quem a FARA não considera um agente estrangeiro: “organizações de ajuda humanitária, pessoas e organizações envolvidas em atividades religiosas, escolares, acadêmicas, científicas ou de artes plásticas, organizações de comunicação social com propriedade estrangeira cujas políticas não são dirigidas por uma potência estrangeira , aliados dos EUA.” O projeto de lei da Geórgia classificaria todos os grupos mencionados anteriormente como agentes estrangeiros.

Como está avançando

Em 15 de abril, a Comissão de Assuntos Jurídicos do Parlamento georgiano votou a favor do avanço do projeto de lei. No mesmo dia, os manifestantes começaram a chegar, desde as primeiras horas da manhã, alcançando milhares de pessoas no meio da manhã e crescendo continuamente ao longo do dia. À noite, milhares de pessoas reuniram-se em torno do edifício do parlamento, apesar das tentativas da polícia de isolar a área.

Dentro do parlamento, seguiu-se uma briga entre os líderes do Partido dos Cidadãos, da oposição, e o partido em exercício, com o líder do primeiro, Aleko Elisashvili, a dar um soco no rosto do líder do último, Mamuka Mdinaradze. A briga levou ao fim abrupto da transmissão ao vivo da sessão do comitê.

Durante a discussão, alguns membros dos partidos da oposição saíram em protesto ou foram retirados à força após se oporem ao projeto de lei, segundo reportagem da OC Media.

O clamor público do lado de fora do parlamento continuou durante os dois dias seguintes e alcançou até outras cidades da Geórgia, além da capital, Tbilisi, onde o governo está localizado.

O governo também proibiu os meios de comunicação on-line de entrar no edifício do parlamento para cobrir a sessão da comissão.

Em 17 de abril, o projeto de lei foi aprovado na primeira rodada de leituras. Agora, o projeto deverá passar por mais duas leituras parlamentares. A data para a segunda leitura ainda não foi anunciada e provavelmente será um processo demorado, de acordo com o diretor de democracia e justiça do Centro de Justiça Social, Guram Imnadze. Em declarações à OC Media, Imnadze disse que o parlamento está restrito a leituras uma vez a cada duas semanas, o que estenderia as discussões e a data potencial de promulgação até junho.

A presidente da Geórgia, Salome Zourabichvili, que tem criticado veementemente o projeto de lei desde a sua criação no ano passado, tem o direito de vetar a lei; no entanto, o parlamento nacional ainda pode anular o veto presidencial. A presidente afirmou que vetaria a lei em entrevista à BBC no dia 17 de abril, na qual disse: “Vou de fato vetar esta lei assim como vetei todas as outras leis porque essa não é a única [mas] uma toda estratégia que vai contra as recomendações da União Europeia”.

Separadamente, a presidente da Geórgia, Salome Zourabichvili, descreveu o partido como “O Sonho da Rússia”, uma vez que o partido adotou uma forte posição pró-Rússia nos últimos dois anos, especialmente desde que a Rússia invadiu a Ucrânia.

As críticas da presidente ao projeto de lei colocaram-na na mira do partido em exercício. Em 17 de abril, o primeiro-ministro Irali Kobakhidze chamou a presidente de “agente de influência estrangeira”.

Críticas locais e internacionais

Enquanto isso, um porta-voz do Departamento de Estado dos EUA disse em uma conferência de imprensa em 10 de abril que os deputados que votarem a favor do projeto de lei poderão enfrentar possíveis sanções.

No total, 83 legisladores do partido em exercício votaram a favor do projeto em sua primeira leitura. Em um comunicado divulgado em 17 de abril, o porta-voz adjunto do Departamento de Estado dos EUA, Vedant Patel, disse que os Estados Unidos estavam “profundamente preocupados” com o projeto de lei, pois “estigmatizaria as organizações da sociedade civil que trabalham para melhorar a vida dos cidadãos georgianos e as organizações de mídia que operam na Geórgia para fornecer informações aos cidadãos georgianos”.

Georgian Dream chamou de chantagem as ameaças de sanções.

Um grupo de ex-diplomatas georgianos divulgou uma declaração conjunta condenando o projeto de lei e acusando o partido em exercício Georgian Dream de sabotar o caminho do país rumo à adesão à UE. Sentimentos semelhantes foram refletidos em uma declaração conjunta emitida pelo Alto Representante da UE, Joseph Borrell, e pelo Comissário responsável de ampliação e política de vizinhança, Olivér Várhelyi.

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