Para crítico de arte russo: “A arte de rua não pode ser morta ou destruída”

 

Arte de rua anônima em Ecaterimburgo. A inscrição diz “Banksy não vem.” Foto de Anna Marchenkova para Novaya Vkladka. Publicada com autorização.

Este artigo por Eva Gogol foi originalmente publicado pela Novaya Vkladka em 27 de julho de 2003. Uma versão traduzida e editada foi republicada na Global Voices com permissão de Novaya Vkladka (The New Tab).

Ecaterimburgo é referenciada como a capital da arte de rua na Rússia. Criadores de arte de rua de renome mundial vivem e trabalham aqui, e a cidade acolhe festivais internacionais de arte de rua. Desde o início da guerra, o status quo foi questionado: alguns artistas deixaram a Rússia, enquanto outros foram presos devido a suas obras anti-guerra. No entanto, é muito cedo para enterrar a arte de rua em Ecaterimburgo.

Se tiver algumas latas de spray: você é culpado

O tribunal condenou o artista Leonid Cherny (de nome verdadeiro, Yegor Ledyakin) a seis meses de liberdade restrita sob pena do artigo sobre vandalismo baseado no ódio político do Código penal russo. Agora, o criador não pode deixar a cidade, mudar de local de residência, participar de eventos de massa ou deixar sua casa das 22h às seis da manhã.

Mas tanto Cherny como o seu advogado consideram este veredito como o melhor resultado possível. Uma das alternativas potenciais era a pena de prisão de três anos.

Cherny foi detido em 18 de março de 2022, no aniversário da anexação da Crimeia pela Federação Russa. A polícia encontrou latas de spray e adesivos contra a guerra com ele. De acordo com a investigação, Cherny teria escrito algumas palavras ofensivas sobre o presidente no quiosque de frutas e vegetais.

“Não me considero culpado, todas as provas eram circunstanciais. Como artista, em todas as minhas obras, apelo à consciência e à humanidade. Nada mudou para mim”, afirmou Cherny.

Arte de rua anônima em Ecaterimburgo. A inscrição diz “Inscrição branca especial” [GV: Porque é proibido chamar a Guerra da Rússia contra a Ucrânia de guerra; as pessoas são obrigadas a usar a expressão “operação militar especial”.] Foto de Anna Marchenkova para Novaya Vkladka. Publicada com autorização.

Artistas estão em perigo

Leonid Cherny não é o único artista na região de Sverdlovsk acusado de fazer declarações anti-guerra. Em maio de 2022, um tribunal apresentou acusações administrativas sobre desacreditar as Forças Armadas da Federação russa contra a artista Alisa Gorshenina de Nizhny Tagil. Em 25 de março, a jovem realizou um piquete individual usando material provocativo; uma rosa branca com uma fita com um slogan anti-guerra nas línguas chuvash e tatar.

 

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Como cidadão russo, eu me oponho à invasão militar russa no território ucraniano, e também declaro que tudo que o governo da Rússia faz é contrário aos interesses das pessoas. Não há vencedores nessa guerra. Nós somos contra a guerra! Nos ouçam! Essa não é nossa escolha, nós nunca iremos apoiá-la!

Também gostaria de dizer que a oposição à russa não está presente apenas nos posts nas redes sociais, são milhares de críticos que arriscam constantemente suas vidas há muito tempo, tem centenas de prisioneiros políticos e pessoas assassinadas. Não somos silenciosos. Nessa época terrível, é muito importante não alimentar o fogo de conflitos étnicos, mas sim direcionar todas as nossas forças em prol da paz e do apoio!

Eu imploro a vocês que não reproduzam ódio nos comentários, isso não faz sentido.

Vários processos administrativos e criminais contra artistas de rua foram iniciados em todo o país ao longo do ano passado. Bogdan Zizu, morador da Crimeia, foi condenado a 15 anos de prisão por terrorismo e vandalismo. De acordo com o FSB, na noite de 16 de maio de 2022, Zizu espalhou tinta amarela e azul na fachada do prédio da administração em Yevpatoriya e jogou um coquetel Molotov pela janela. Ninguém ficou ferido e nenhum incêndio ocorreu.

Um lugar onde costumavam haver algumas obras de arte de rua em Ecaterimburgo, pintadas pelas autoridades. Foto de Anna Marchenkova para Novaya Vkladka. Publicadas com autorização.

Em junho de 2023, em um tribunal em Borovsk (região de Kaluga), o artista Vladimir Ovchinnikov, de 85 anos recebeu uma multa de 35.000 rublos russos [cerca de 500 dólares americanos na época] sob uma lei que criminaliza o “descrédito” das Forças Armadas russas. Em abril passado, Ovchinnikov recebeu a mesma multa por uma imagem de uma menina em roupas azuis e amarelas com bombas caindo sobre ela.

As cores estão desvanecendo

Devido à crescente falta de segurança para o seu trabalho na Rússia, muitos artistas começaram a deixar o país.

O artista Slava PTRK, pioneiro da arte de rua e da arte urbana na região desde o início, partiu. “Eu me mudei para evitar a onda de mobilização durante a guerra, que não apoiei desde o início, iniciada por autoridades que também não apoio”, disse.

Slava PTRK é conhecido por sua arte que combina a cultura pop com a pauta de notícias atuais. Por exemplo, em 2020, ele retratou o Patriarca Kirill como o Tio Patinhas, tomando banho em uma poça de dinheiro. Atualmente, Slava PTRK vive em Montenegro, onde cria obras minimalistas que muitas vezes permanecem sem título.

 

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“Pragmáticos nunca percebem emoções”

Contudo, obras de arte anti-guerra ainda podem ser vistas na cidade. Em particular, o artista BFMTH criou muitas dessas obras nas ruas de Ecaterimburgo.

Obras do artista de rua BFMTH. Foto fornecida por BFMTH. Publicada com autorização do Novaya Vkladka.

A imagem à direita: “Pizdezh 1″ [besteira 1], que com seu design faz referência ao logotipo do canal de televisão estatal “Rússia 1″. À esquerda, a inscrição diz: “o país é grande, há terra suficiente para todos”. A palavra solo [земля] está escrita com um Z em latim, que tem sido um símbolo promovido pelo governo da invasão russa à Ucrânia.

Outra de suas obras impactantes foi uma imagem impressa de Vladimir Putin colada em um transformador em um pátio cercado, criando a ilusão de que o presidente russo foi preso.

BFMTH explicou para a Novaya Vkladka que, nestas circunstâncias, é impossível para ele criar obras de arte não relacionadas com a guerra.

“Considero crucial continuar o meu trabalho e tentar mostrar aos que permanecem no país que é possível e necessário unir-se e manifestar-se contra a guerra. Tal como os participantes do movimento “Rosa Branca” [na Alemanha nazista] tentaram lutar contra o regime, estou tentando contribuir através da arte de rua, caricaturas e adesivos. Quando você sai do país, você [como artista] perde a conexão”, enfatizou.

Além disso, como observou o pesquisador de arte de rua, Alexey Shakhov, os artistas de rua em Ecaterimburgo estão inventando novas maneiras de se comunicar com o público. “Os artistas tentam comunicar por meio da linguagem das emoções. Esta linguagem é completamente inacessível às autoridades: os pragmáticos nunca percebem emoções”.

Objeto de arte “Bebê industrial”, criado pelo grupo de arte LKKL, as artistas Lyudmila Kalinichenko e Ksenia Larina. Foto: Anna Marchenkova para Novaya Vkladka. Publicada com autorização.

Artistas de rua e outros, continuam a trabalhar em Ecaterimburgo, mesmo diante da crescente censura.

Arte de rua anônima em Ecaterimburgo. O texto diz: “ser livre está sempre na moda.” Foto de Anna Marchenkova para Novaya Vkladka. Publicado com autorização.

No entanto, como aponta Shakhov, a censura não impede a todos. “Basta olhar para Leonid Cherny: ele passou pelo tribunal e, apesar disso, continua a trabalhar. Isso [o reforço das leis e censura] não parou ou silenciou as pessoas. Pelo contrário, em Ecaterimburgo, vejo artistas com espíritos muito mais resilientes do que em quaisquer outros lugares”, concluiu.

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