A comoção que se seguiu à morte de Alexey Navalny na colônia penal de Kharp, na região ártica de Yamal, em 16 de fevereiro de 2024, foi sentida por milhões de pessoas na Rússia e no exterior. Líder da oposição a Putin, ele estava otimista sobre o seu futuro e o da Rússia, mesmo após três anos de prisão e mais de 300 dias em regime de isolamento.
Sua morte trouxe um sentimento avassalador de desilusão, conforme visto nos feeds das redes sociais de pessoas da oposição que se manifestaram e as que lamentavam sua morte no funeral.
Entretanto, em 19 de fevereiro, apenas três dias após a morte do marido, Yulia Navalnaya se manifestou. Em seu primeiro vídeo, publicado na conta do marido e na sua nova conta no X e no YouTube, ela disse:
Привет, это Юлия Навальная. Cегодня в первый раз на этом канале. Я хочу обратиться к вам. Меня не должно было быть на этом месте, я не должна была записывать это видео. На моём месте должен быть другой человек, но этого человека убил Владимир Путин. 3 дня назад Владимир Путин убил моего мужа Алексея Навального. Путин убил отца моих детей. Отнял самое дорогое, что у меня было. Самого близкого и самого любимого человека. Но ещё Путин отнял Навального у вас. Где-то в колонии на Крайнем Севере, за полярным кругом, в вечной зиме Путин убил не просто человека Алексея Навального. Он вместе с ним захотел убить наши надежды, нашу свободу, наше будущее. Все эти годы я была рядом с Алексеем. Я была счастлива быть рядом с ним и поддерживать его. Но сегодня я хочу быть рядом с Вами потому что я знаю, что вы потеряли не меньше, чем я. Алексей больше всего на свете любил Россию, любил нашу страну и вас. Он верил в нас, в нашу силу, в наше будущее, в то, что мы достойны лучшего. Не на словах верил, а на деле, настолько глубоко и искренне, что был готов отдать за это свою жизнь. И его огромной любви нам хватит, чтобы продолжить его дело настолько долго, насколько понадобится. Убив Алексея, Путин убил половину меня, половину моего сердца, и половину моей души. Но у меня осталась вторая половина, и она подсказывает мне, что я не имею права сдаваться, я буду продолжать дело Алексея Навального, продолжать бороться за нашу с вами страну. И Я призываю вас встать рядом со мной, разделить не только горе и бесконечную боль, которая окутала нас и не отпускает. Я прошу вас разделить со мной Ярость. Ярость, злость, ненависть к тем, кто посмел убить наше будущее. Я обращаюсь к вам словами Алексея, в которые очень верю. Не стыдно сделать мало, стыдно не сделать ничего. Россия – свободная, мирная, счастливая, прекрасная Россия будущего, о которой так мечтал мой муж. Вот что нам нужно. Я хочу жить в такой России. Я хочу, чтобы в ней жили наши с Алексеем дети, Я хочу вместе с вами её построить именно такую, какой ее представлял Алексей Навальный: полную достоинства, справедливости и любви.
Olá, aqui é Yulia Navalnaya. Hoje, pela primeira vez nesse canal, quero me dirigir a vocês. Não era eu que deveria estar aqui; não era eu que deveria estar gravando este vídeo. No meu lugar, era outra pessoa que deveria estar aqui, mas Vladimir Putin matou essa pessoa três dias atrás. Vladimir Putin matou meu marido, Alexei Navalny. Putin matou o pai dos meus filhos, a coisa mais preciosa que eu tinha, a pessoa mais próxima e que eu mais amava. Mas Putin também tirou Navalny de vocês e o colocou numa colônia do extremo norte, pra lá do Círculo Ártico, onde o inverno é eterno. Putin matou não apenas uma pessoa, Alexei Navalny; ele também queria matar as nossas esperanças, a nossa liberdade, o nosso futuro. Todos esses anos, eu estava ao lado do Alexei. Eu era feliz por estar com ele e apoiá-lo, mas hoje quero estar com vocês porque sei que vocês não perderam menos do que eu. Alexei adorava a Rússia mais do que qualquer outra coisa, ele adorava o nosso país. Ele acreditava em vocês, em nós, na nossa força, no nosso futuro, no fato de merecermos o melhor. Ele acreditava não apenas em palavras, mas em ações. Acreditava de modo tão profundo e sincero que estava pronto para dar sua vida por isso. O seu imenso amor por nós é o suficiente para continuar o seu trabalho pelo tempo que for necessário. Ao matar Alexei, Putin matou metade de mim, do meu coração, da minha alma. Mas tenho ainda outra metade que sobrou e ela me diz que não tenho o direito de desistir. Vou continuar o trabalho de Alexei Navalny, continuar a lutar pelo nosso país, e peço que estejam comigo. Não apenas pra dividir essa tristeza e essa infindável dor que nos envolveu e que não passa, peço que também dividam a minha fúria, minha raiva e meu ódio contra aqueles que ousaram matar o nosso futuro. Eu me dirijo a vocês com as palavras do Alexei, nas quais acredito fortemente: não é vergonhoso fazer pouco, vergonhoso é não fazer nada. Uma Rússia livre, tranquila, feliz e bonita do futuro que o meu marido sonhava é o que precisamos. Quero viver numa Rússia assim. Quero que os filhos que tive com Alexei vivam nela. Quero construí-la com vocês, exatamente como Alexei Navalny a imaginou, cheia de dignidade, justiça e amor.
Pra muitas pessoas, isto significou que a esperança estava de volta.
Desde então, Yulia discursou no Parlamento Europeu, reuniu-se com o presidente Joe Biden e com chanceleres dos países da União Europeia (UE). Ela acaba de pedir ao povo da Rússia pra que expresse o seu descontentamento e mostre quantas pessoas votariam contra Putin.
Mas, na Rússia, qualquer tipo de dissidência, incluindo manifestações pacíficas, são passíveis de prisão e multas pesadas. A única forma possível de reunião coletiva é através dos meios “legais”. Exemplos nos últimos meses incluíam apoiar o abaixo-assinado para um candidato antiguerra (que mais tarde foi impedido de concorrer), participar do funeral de Alexey Navalny (em que dezenas de milhares de pessoas compareceram e mais de 100 foram detidas) e, em breve — comparecer às seções eleitorais às 12h do dia da eleição (que Putin deverá vencer), que acontece no próximo 17 de março — para mostrar quantos estão contra Putin.
Mas quem é Yulia Navalnaya?
Seu rosto é familiar: a esposa de Alexey participou de muitos dos seus comícios, com inúmeras imagens deles juntos; participou também de diversas entrevistas e estava a seu lado quando ele foi envenenado. Foi ela quem recorreu a Putin para deixar que Alexey fosse tratado na Alemanha após o ocorrido. Apesar disso, pouco havia expressado sobre suas opiniões políticas ou falado publicamente antes da morte de Alexey. Pesquisando no Google, ela é definida como “a esposa de Alexey Navalny”, função que, de fato, desempenhou durante muitos anos.
Yulia Abrosimova (seu nome de solteira) nasceu em 24 de Julho de 1976, em Moscou, filha de um cientista e uma funcionária pública. Formou-se no departamento de Relações Internacionais e Econômicas da prestigiada Universidade Plekhanov de Moscou.
Conheceu Alexey quando tinha apenas 22 anos e casaram-se em 2000. O casal teve dois filhos, Daria (em 2001) e Zahar (2008). Uma revista russa afirmou no início de 2021 que Yulia definia seu papel como o de “cuidar das tarefas cotidianas e da criação dos filhos”. O papel de Alexey Navalny como personagem político tornou-se evidente em 2007 e Yulia o apoia desde então.
Os vídeos de Yulia e seus apelos ao povo russo têm uma mensagem muito forte. Ela chama Putin de assassino; e o regime russo, de estado mafioso. Em um de seus vídeos, acusou Putin e a sua elite de apenas “fingir que são cristãos“. Aparentemente, esse vídeo foi uma tentativa de fazer que o governo de Putin entregasse o corpo de Alexey à sua mãe. E isso funcionou pois o regime de Putin vinha construindo sua ideologia em torno dos chamados valores “tradicionais”, colando essa busca por legitimidade à Igreja Ortodoxa russa. Ela não havia dito nada tão polêmico até então, embora muitos tenham insinuado que ela pediu em seu discurso ao Parlamento Europeu que a União Europeia parasse de fornecer armas à Ucrânia, pedido que na prática não aconteceu.
No momento, Yulia Navalnaya tem mais de um milhão de seguidores no Instagram e 350 mil no X. No YouTube, ela tem usado a conta de Alexey. Participou de uma reunião com Svetlana Tsikhanovskaya no mês passado, outra mulher líder de oposição a um regime autoritário — o de Belarus. Resta saber se Yulia irá, de fato, unir a oposição russa, como fez Tsikhanovskaya com os bielorrussos. Ela está determinada e zangada, e quem sabe sejam estas as qualidades que as pessoas precisem ver numa liderança do país sob Vladimir Putin, o mais longevo governante da Rússia depois de Joseph Stalin.