Combatentes oriundos da Ásia Central que lutam na Ucrânia defendem e atacam

Combatentes da Legião Turca Turã, chefiados pelo quirguiz, Kudaabek uulu Almaz, na Ucrânia. Captura de tela de um vídeo do canal Vikna-novini do YouTube.

A guerra na Ucrânia está a contar com a participação de um pequeno número de autóctones e cidadãos de países da Ásia Central. Estes estão pressionados entre as estratégias agressivas de recrutamento da Rússia e as ameaças de seus próprios governos de prenderem os participantes em conflitos armados no exterior.

Nas últimas notícias sobre a participação de centro-asiáticos na guerra na Ucrânia, o ex-membro do parlamento e ex-prefeito de Oral no Cazaquistão, Samigullo Urazov, confirmou os relatos de que o seu filho Baurzhan está a lutar nas fileiras do exército russo. Segundo informação dada por este, Baurzhan Urazov ter-se-ia mudado há vários anos para a Rússia e obtido cidadania russa.

Este é talvez o caso com maior destaque, dado o percurso político do seu pai, mas está longe de ser o único. Já está confirmada a participação na guerra de dezenas de centro-asiáticos. A participação de cidadãos e nativos do Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão e Uzbequistão no conflito, tem ocorrido desde o início da invasão da Ucrânia pela Rússia. Eles estão lutando tanto nas fileiras do exército ucraniano como no russo.

No entanto, o número de combatentes centro-asiáticos é maior no exército russo. Isto era de se esperar, dado que a Rússia é um país de destino habitual para milhões de migrantes da Ásia Central. Em 2022, 83% dos 3,35 milhões de pessoas que compunham o trabalho migrante na Rússia eram do Quirguistão, Tajiquistão e Uzbequistão. Todos os anos, centenas de milhares deles obtêm a cidadania russa para aceder a melhores empregos e evitar a burocracia e a discriminação.

Trapaça, suborno e intimidação no início da guerra

A primeira prova da participação de centro-asiáticos na guerra foi recolhida no primeiro dia da invasão em um vídeo do Telegram mostrando um homem uzbeque em uniforme militar a conduzir um camião. No vídeo ele dizia:

There are many Uzbeks and Tajiks who came to take part in the war. We came here with a contract. I was recruited because I served [in the Soviet army] in Afghanistan.

Muitos uzbeques e tadjiques vieram participar na guerra. Viemos contratados. Fui recrutado porque servi [no exército soviético] no Afeganistão.

Mais tarde, confirmou-se que ele estava em Luhansk, com um contrato de três meses com um salário mensal de US$ 590.

No início de março de 2022, ativistas de direitos humanos que apoiam os trabalhadores migrantes começaram a relatar numerosos casos de nativos da Ásia Central portadores de passaportes russos a serem ameaçados, para se alistarem nos centros de recrutamento ou lhes seria retirada a cidadania. Para aqueles sem passaporte russo, a mobilização baseou-se na falsa promessa de poderem obter um mais depressa.

Os meses seguintes foram preenchidos com notícias de centro-asiáticos que lutaram e morreram pelo exército russo na Ucrânia. Em julho, a MediaHub divulgou um vídeo no YouTube sobre o recrutamento de centro-asiáticos por meio de plataformas dos mídia na região. A investigação revelou que os recrutadores prometeram mais de US$ 3.000 e agilizar a obtenção da cidadania russa em troca do serviço militar.

O seguinte vídeo, que explica como os centro-asiáticos são recrutados para lutar na Ucrânia através das mídias sociais, foi divulgado por jornalistas investigadores do Quirguistão.

A primeira prova direta do recrutamento de centro-asiáticos por empresas militares privadas russas foi obtida no início de setembro com o vídeo de dois jovens cidadãos do Uzbequistão capturados perto de Balakliya, no leste da Ucrânia. Um deles declarou ter-se unido à empresa militar privada, Redut, para ganhar dinheiro. O segundo explicou que se encontrava em Moscovo como imigrante ilegal e que foi enviado para lutar na Ucrânia.

Tentativas desesperadas de encontrar mão de obra renovada

Juntamente com a mobilização anunciada em 21 de setembro de 2021, que atingiu diretamente os centro-asiáticos com passaportes russos, as autoridades russas também tentaram recrutar cidadãos da Ásia Central a viver na Rússia.

No dia 20 de setembro, o prefeito de Moscovo, Sergei Sobyanin, anunciou a abertura de um posto de recrutamento no Centro de Migração Sakharovo, local onde se dirigem praticamente todos os trabalhadores migrantes que chegam a Moscovo para receberem licenças de trabalho, gravar as impressões digitais e fazer o exame físico obrigatório. No mesmo dia, a Duma (câmara baixa do Parlamento da Federação Russa), aprovou um projeto de lei oferecendo um acesso “simplificado” à cidadania russa em troca de um período mínimo de um ano de serviço nas Forças Armadas russas. A exigência era, anteriormente, de cinco anos.

O fim destes acordos terminou com o decreto presidencial de novembro que permitiu que cidadãos estrangeiros servissem nas Forças Armadas russas como recrutas. Anteriormente, apenas poderiam servir como contratados; o serviço militar recrutado era exclusivo para cidadãos russos. O vice-presidente do Comitê de Defesa da Duma russa, Andrey Krasov, expressou a sua convicção de que “um número substancial [de centro-asiáticos] iria querer vir para Rússia prestar serviço — com vista a potencialmente adquirir a cidadania russa e progredir na carreira”.

No entanto, parece que todos estes acordos com fim de recrutar mais centro-asiáticos não estão a surtir efeito, pois não se vê a sua participação em larga escala na guerra. Não existem fontes de informação que permitam verificar o número total de combatentes oriundos dos quatro países da Ásia Central. Só podemos aceder a uma estimativa através do número de mortes, que é ao redor de 35 após um ano de guerra.

As notícias mais recentes sobre centro-asiáticos a combater na Ucrânia giram principalmente em torno dos que eram prisioneiros na Rússia e se incorporaram no grupo Wagner com esperança de verem as suas sentenças reduzidas. O grupo Wagner é uma organização paramilitar privada russa cujos combatentes estão destacados em várias áreas de conflito em países árabes e africanos. A Rússia é bem conhecida pelo seu recrutamento de prisioneiros para combater na guerra da Ucrânia. Existem pelo menos 10 casos confirmados de cidadãos do Tajiquistão que morreram na Ucrânia enquanto cumpriam penas de prisão na Rússia. Casos semelhantes têm sido relatados no Cazaquistão, Quirguistão e Uzbequistão.

Reforço do exército ucraniano

Nem todos os que combatem na guerra estão do lado russo. Existem dois casos confirmados de centro-asiáticos a combater nas fileiras das forças armadas ucranianas. O mais conhecido é o de Zhasulan Dyuisembin, do Cazaquistão, que se uniu ao exército ucraniano no Outono de 2021. Está casado com uma ucraniana, e eles têm duas filhas.

Falando do seu envolvimento no combate na região de Donetsk, ele disse: “a Rússia está a aterrorizar a Ucrânia. Deus me livre que as minhas filhas sofram. Elas também têm sangue ucraniano, e é meu dever protegê-las. É por isso que eu estou aqui”. O outro motivo que leva Zhasulan a lutar contra o exército russo invasor é sua terra natal. Ele compartilhou a sua história numa entrevista com a filial cazaque da Radio Free Europe/Radio Liberty no passado junho.

I am Kazakh, and I understand that Russia will not stop at Ukraine, it will go further, thus we must make every effort so that our Kazakhstan does not suffer.

Eu sou cazaque, e penso que a Rússia não vai parar pela Ucrânia, avançará mais, por isso, devemos fazer todos os esforços para que o nosso Cazaquistão não sofra.

Zhasulan é um usuário ativo das mídias sociais. Ele transmite com frequência imagens da guerra em suas contas do TikTok e Instagram.

https://www.tiktok.com/@jazzqazaq/video/7209377730360610053

O segundo caso é o de Kudaabek uulu Almaz, que inicialmente imigrou do Quirguistão para a Ucrânia para trabalhar e decidiu ficar lá quando a guerra eclodiu. Almaz, declarou o seguinte em um vídeo, em resposta ao processo criminal, que em maio de 2022 os serviços de segurança do Quirguistão levantaram contra ele:

Fascist Russia invaded Ukraine, killing civilians, and having witnessed this lawlessness, and since the truth is on the Ukrainian side, I could not leave because I am a man.

A Rússia fascista invadiu a Ucrânia, matando civis, e tendo testemunhado essa ilegalidade, e dado que a verdade está do lado da Ucrânia, como homem que sou não podia simplesmente retirar-me.

Ele apareceu mais tarde em outro vídeo do YouTube, onde é apresentado como o líder da Legião Turca Turan. Seu objetivo é “lutar contra o regime shaytan de Kadyrov e o regime imperial de Putin”.

É improvável que haja uma participação em massa de centro-asiáticos na guerra, devido a que a Russia é a maior parceira em termos de política e segurança na região, colocando assim os governos da Ásia Central em situação de não se oporem ao Kremlin em relação ao recrutamento de seus cidadãos nem condenarem a invasão. As autoridades da Ásia Central emitiram sérias advertências aos seus cidadãos para não combaterem na Ucrânia, ameaçando com longas penas de prisão aqueles que participem como mercenários em conflitos armados no exterior.

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