Impedidos de emigrar e rejeitados no país natal: os refugiados políticos azerbaijanos no limbo

Imagem por Sara Kurfess. Uso livre pela Unsplash license.

O ativista político e blogueiro Ravil Hasanov, que vive na Alemanha desde 2018 com sua esposa, está certo de que sua prisão é iminente caso seja deportado para o Azerbaijão. Em abril, Hasanov perguntou às autoridades de imigração alemãs se poderia mudar suas opções de moradia, depois de viver em acomodações precárias, e soube que haviam decidido deportá-lo. Essa decisão foi tomada apesar das tentativas de Hasanov de explicar às autoridades alemãs que sua vida estaria em risco caso fosse enviado de volta ao Azerbaijão. Apesar dos apelos, sua solicitação foi rejeitada. 

When I applied to change the housing where I live now, because of bad conditions, I was told that I will be deported within several days.

Quando solicitei a mudança de moradia, por causa de condições ruins, me foi dito que eu seria deportado dentro de alguns dias.

Em 29 de agosto, um tribunal na Alemanha irá decidir se Ravil receberá uma segunda chance de solicitar asilo. Sua solicitação anterior foi rejeitada em março de 2021. Ele não tem direito de contestar a decisão em um tribunal de apelações, o que o deixou com apenas uma escolha: se esconder para evitar ser deportado.

Por que cidadãos do Azerbaijão buscam asilo político?

A opressão política não é a única força levando pessoas para fora do país. Desafios econômicos, falta de oportunidades e garantias de um futuro melhor para famílias com crianças estão entre as causas da fuga de cidadãos azerbaijanos para o exterior. No entanto, a repressão política da última década foi o que forçou dezenas de ativistas políticos, jornalistas, defensores dos direitos humanos e suas famílias a fugir para a Europa, Estados Unidos e Canadá.

O histórico dos direitos humanos e liberdades fundamentais do país se deteriorou durante a última década, como refletido em diversos relatórios internacionais. O Azerbaijão é classificado como “não livre” no relatório anual “Liberdade pelo Mundo” da Freedom House. De acordo com o Índice de Liberdade de Imprensa Mundial de 2022 da organização Repórteres sem Fronteiras (RSF), o Azerbaijão se encontra na 145ª posição entre 180 países. Em outro relatório internacional, que classifica a percepção de corrupção, o Azerbaijão está em 128º lugar entre 180 países.

Por meio de poderes consolidados, o presidente Ilham Aliyev erradicou todas as formas de liberdade à medida que reprimia vozes dissidentes desde 2014

Como resultado das medidas repressivas, a sociedade civil do país foi fortemente marginalizada, silenciada ou destruída. Quase toda a indústria midiática está agora sob controle governamental. Não existem canais de televisão ou rádio independentes dentro do país, e toda a mídia impressa independente da oposição foi fechada. Em dezembro de 2021, o Parlamento Nacional do Azerbaijão adotou uma nova Lei de Mídia, que visa restringir ainda mais a divulgação jornalística.

Protestos organizados por partidos políticos da oposição, ativistas e cidadãos comuns não são tolerados. A intervenção policial durante esses protestos é frequentemente violenta; e prisões em massa, detenções e multas são consequências comuns.

Para muitos azerbaijanos fugindo do país, dentre eles migrantes comuns e ativistas políticos, a Alemanha se tornou um destino popular. Mas nem todos foram bem-vindos ou receberam status de refugiados. A onda recente de deportações de cidadãos azerbaijanos da Alemanha confirma o fato.

Os números mais recentes do Governo Federal da Alemanha mostram que 11.892 pessoas foram deportadas da Alemanha em 2021. Dentre elas, 219 pessoas eram cidadãs do Azerbaijão. Um olhar atento aos números indica que a quantidade de deportações vem aumentando desde 2017.

Ano Número de Pessoas
2014 20
2015 19
2016 69
2017 163
2018 213
2019 232
2020 62
2021 219

A queda em 2020 provavelmente deve-se à pandemia de COVID-19 e às restrições de viagem decorrentes.

De acordo com dados oficiais disponibilizados pelo Conselho Público do Serviço de Migração do Estado da República do Azerbaijão, entre 2014 e 2021, um total de 2.063 solicitantes de asilo foram readmitidos da Europa para o Azerbaijão, e a maioria retornara da Alemanha.

Apesar de outros estados da União Europeia (UE), como a Suécia, Letônia, Itália e Países Baixos, também terem deportado cidadãos azerbaijanos no passado, a Alemanha está entre os países da UE que mais decretam essas deportações. Esse procedimento é executado com base no acordo de readmissão assinado entre o Azerbaijão e a UE em 2014.

Infográfico, cortesia da Mikroskop Media. Usada sob permissão.

De acordo com Nazim Turabov, chefe do Departamento de Questões de Readmissão do Serviço de Migração do Estado, o Azerbaijão assinou um acordo de readmissão com a UE, que cobre 25 estados, além do Reino da Noruega, da Confederação Suíça e de Montenegro.

O procedimento baseado nesse acordo exige que o país anfitrião contate a nação de origem, fazendo diversos inquéritos relacionados à cidadania. Uma vez que a cidadania do solicitante de asilo seja confirmada pelo país natal, o acordo entra em vigor e o processo de readmissão começa, explicou Allahveranov em uma entrevista com Fatima Karimova. 

No entanto, o inquérito também pode permanecer sem resposta por um longo período ou indefinidamente, porque, em alguns casos, é impossível identificar se o requerente é de fato um cidadão azerbaijano, explica Allahveranov.  

Essas deportações receberam muita atenção no Azerbaijão. Em 2019 surgiram relatórios de tráfico humano e fraude migratória ligados a um dos partidos políticos do país. Mas as deportações mais recentes e as prisões dos que foram enviados de volta ao Azerbaijão deixam aqueles que esperam por seu status na Alemanha e em outros lugares preocupados com sua segurança em caso de retorno.

No ano passado, ao menos seis solicitantes de asilo azerbaijanos deportados da Alemanha foram presos ao retornarem. Cabe ressaltar que devido à escassez de dados aprovados pelo governo, há bem pouca informação sobre as estatísticas anuais de deportação. Os dados oficiais compartilhados pelo governo do Azerbaijão indicam que um total de 1.722 cidadãos azerbaijanos foram deportados entre 2014 e 2021. Famílias e amigos dizem que as acusações feitas contra os cidadãos presos são falsas, e a verdadeira razão é seu ativismo político na Europa. 

Afgan Mukhtarly, jornalista azerbaijano em exílio que acompanha de perto as deportações, fez um post no Facebook em julho de 2022 confirmando que muitos dos ex-solicitantes de asilo presos no Azerbaijão estão enfrentando acusações falsas.

Além dele, Nura Ashurova, esposa de Samir Ashurov, ativista que foi deportado e posteriormente preso, disse que o ativismo político de seu marido na Europa levou à sua prisão quando foi enviado de volta ao Azerbaijão. Ashurov foi deportado em março de 2022.

Infográfico, cortesia da Mikroskop Media. Usada sob permissão.

Ativistas políticos no exterior

É comum entre alguns solicitantes de asilo azerbaijanos a prática de organizar protestos e eventos em diferentes estados membros da UE onde residem. Esses protestos frequentemente coincidem com as visitas oficiais do presidente Ilham Aliyev a esses países. Os ativistas pedem que o presidente e seu gabinete renunciem, libertem presos políticos e implementem reformas.

Outros imigrantes políticos usam as redes sociais para continuar seu ativismo depois de se realocarem para diferentes países. Canais no Youtube, páginas no Facebook e perfis criados por azerbaijanos são usados abertamente para compartilhar sua indignação com o desenvolvimento do Azerbaijão.

Captura de tela retirada de uma entrevista em vídeo com Ravil Hasanov. Cortesia da Mikroskop Media.

Ravil Hasanov diz que compareceu a protestos na Europa e teme enfrentar consequências caso seja enviado de volta ao Azerbaijão. 

“As pessoas que participaram do protesto em Munique durante a visita de Ilham Aliyev foram presas após sua deportação de volta para o Azerbaijão. Elas também foram submetidas a tortura no cárcere“, Hasanov contou a Fatima Karimova. 

Voltando para casa sem nada

Até para cidadãos azerbaijanos comuns, não politizados, deportados de volta para o Azerbaijão, a realocação em seu país de origem é um processo desafiador. Em geral, essas pessoas deixam o Azerbaijão após terem vendido todas as suas propriedades, sem meios financeiros restantes. Mas o governo e as instituições relevantes do estado não têm nenhum sistema preparado para ajudá-los. Uma pequena quantidade de auxílio é disponibilizada para aqueles que deixam a UE voluntariamente. No entanto, essa quantia é insuficiente para construir uma nova vida no Azerbaijão.

Allahvernov disse em sua entrevista que o estado oferece a eles direitos como cidadãos e nada mais.  

These people sold their property willingly based on their own decision and the funds were transferred abroad. After their return, while they are eligible to re-register in Azerbaijan and exercise all of their other legal rights as citizens they are in no position or status to receive  benefits.

Essas pessoas venderam seus bens voluntariamente, com base em sua própria decisão, e os recursos foram transferidos para o exterior. Depois de seu retorno, embora estejam elegíveis para um novo registro no Azerbaijão e para exercer todos os seus outros direitos legais como cidadãos, elas não estão em posição ou status de receber benefícios.

Enquanto isso, enfrentando a falta de recursos de assistência e possível detenção pelo estado em caso de retorno, Ravil Hasano e inúmeros refugiados e solicitantes de asilo como ele esperam no limbo, à mercê de governos da UE e de um estado que busca reprimir e punir dissidentes. 

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