As línguas são um meio essencial de expressar identidade, mas também apresentam um dilema não resolvido: o paradoxo de nos proporcionar a oportunidade da comunicação, mas apenas dentro de um determinado local e de um grupo de indivíduos, assim nos distanciando uns dos outros. O esperanto, por sua vez, busca ir além e se tornar um verdadeiro caminho que funcione igualmente para todos os segmentos geográficos e demográficos. No entanto, apesar de o Esperanto recorrer ao idealismo, é necessário estabelecer essa linguagem dentro de questões da vida real. Sua busca por uma neutralidade completa tem seus limites quando deparada com a realidade política e social.
Mas o que é esperanto? Esperanto é uma das muitas línguas artificiais que foram inventadas ao redor do mundo, e que teve visível sucesso. Foi criada em 1887 pelo polonês-judeu Ludwik Zamenhof, indicado 12 vezes ao Prêmio Nobel da Paz. Por volta de 2 milhões de pessoas falam o idioma no mundo, que foi especialmente bem-sucedido no México. Entre os famosos esperantistas estão Charlie Chaplin, J.R.R. Tolkien e Liev Tolstoy.
Muitos consideram o esperanto uma língua idealista, como mencionado no título desta entrevista, realizada pelo jornal mexicano Reforma, com Carlos Velazquillo e Mallely Martínez, presidente da Federação Mexicana de Esperanto. Isso acontece talvez porque o esperanto não seja apenas um idioma, mas também uma cultura com diversos princípios morais. Isso o diferencia de várias outras línguas, já que o idioma não é simplesmente uma ferramenta de fala e escrita. Em outras palavras, aprende-se sobre os valores humanistas e pacifistas do esperanto enquanto se estuda a língua em si.
Apesar de o “Esperantujo” (mundo imaginário onde os indivíduos estão imersos na cultura esperantista) incluir pessoas e relações sociais diversas, não há como negar que existe uma constante neutralidade dentro dos ideais esperantistas que tem mantido a postura “passiva” da língua diante de diversos fenômenos sociais. Por exemplo, sua comercialização é desaprovada, o que impediu que o idioma gerasse lucro para um determinado grupo de indivíduos.
Em contrapartida, a comunidade esperantista também falhou em criticar a estrutura que impede que seus ideais de paz se espalhem. Parece que ao justificar a postura ideológica neutra que ela mantém, a comunidade se abstém de criticar qualquer desigualdade presente no mundo em que vivemos. A este respeito, evocamos as palavras de Frantz Fanon em seu livro “Os Condenados da Terra” (1961), quando ele menciona especificamente que o neutralismo é adotado por autores de situações violentas em tempos de instabilidade e guerra.
Um excelente exemplo dessa neutralidade é a associação esperantista, UEA (Associação Universal de Esperanto), criticada por sua posição na invasão militar da Rússia na Ucrânia, que foi: “Nós não nos posicionamos em questões políticas“. Nós, portanto, nos perguntamos: o que acontece com os ideais esperantistas postos em ação?
Com base no que foi mencionado, voltamos ao ponto inicial. Parece que as relações sociais na comunidade esperantista focam no debate sobre idealismo e raramente falam sobre a realidade social onde o esperanto se encontra, a realidade dos problemas que os indivíduos enfrentam no mundo atual.
Mas nem sempre foi assim. Em décadas passadas, a comunidade esperantista se posicionava. Como diz María Isabel Nájera Sepúlveda, autora de “Esperanto e Comunicação Humana”, ao mirar na disseminação mundial, a cultura esperantista foi aberta para diversos modos de pensamento e expressão. Desde, por exemplo, a introdução de ideais fascistas em países como a Espanha décadas atrás, até a adição constante de livros, traduções e projetos audiovisuais e musicais que estão sendo realizados até hoje.
Apesar de o esperanto ser um recipiente para os pacaj batalantoj (“ativistas da paz”), é preciso haver engajamento no debate sobre os problemas da vida real. Embora nossa língua esteja longe de ser a segunda língua de todo o mundo, ainda podemos dar a ela o potencial de ser uma ferramenta de comunicação de longo alcance, de abordagem de questões a partir de uma ótica mais humana. Isso envolveria denunciar desumanidades da vida real.
Então, como podemos ir além e dar ao esperanto esse potencial? A resposta está em um exemplo dado pelo antropólogo Iván Deance, durante o Congresso Nacional de Esperanto em Puebla, no México, em 2018. Ele falou sobre como o esperanto ajudou seus alunos a se comunicar com a comunidade indígena Totonaca. As características linguísticas do esperanto facilitaram a compreensão da língua nativa e, portanto, serviu um idioma-ponte. Esse exemplo demonstra o progresso feito em um nível multicultural e também na busca por um objetivo principal: o diálogo intercultural é uma necessidade absoluta para encontrarmos soluções para as condições de vida desiguais em nossas sociedades.
Não somos todos antropólogos, mas podemos executar projetos, como o explicado no parágrafo anterior. Porém, relatar sobre esses problemas significa dar um passo à frente e nos comprometer com os relacionamentos sociais que podem se estabelecer a partir do esperanto.