Tensão ressurge no Kosovo após governo impor sanções sobre a Rússia

Ilustração por Big Eye, usada com permissão.

Esta história foi publicada originalmente pela Sbunker como parte da iniciativa regional do Centro Contra a Desinformação dos Bálcãs Ocidentais, e foi escrita por Fitim Gashi, com contribuições de Demira Krujezi, Petrit Zogaj e Bardhi Bakija. Uma versão editada é republicada em duas partes pela Global Voices com permissão. Leia a Parte 1 deste artigo aqui.

O governo do Kosovo, em sincronia com a União Europeia e os Estados Unidos, impôs sanções à Rússia. As sanções consistem no congelamento de ativos de indivíduos ou entidades sancionadas na República do Kosovo; a proibição de viagens para indivíduos e entidades sancionadas; a proibição para indivíduos e entidades no Kosovo, de disponibilizar fundos direta ou indiretamente, para indivíduos e entidades sancionadas.

A Assembleia do Kosovo também discutiu a crise na Ucrânia e adotou uma resolução de 12 pontos. Além de condenar a agressão russa contra a Ucrânia, a Assembleia se opôs à abordagem e conduta de países alinhados com a agressão russa e o terror contra a Ucrânia, a começar por seu vizinho do norte, a Sérvia.

A Assembleia pediu ao governo que, além de sua disposição de abrigar 20 jornalistas ucranianos, coordenasse todas as outras ações com parceiros internacionais, bem como expressasse sua disponibilidade para a eventual acomodação de até 5.000 refugiados da Ucrânia. Também pediu que fosse criado um fundo especial para ajudar o povo ucraniano, coordenado entre os dois respectivos governos, Kosovo e Ucrânia.

A situação na Ucrânia também trouxe de volta à pauta os pedidos de adesão de Kosovo a organizações internacionais, que por mais de um ano haviam sido suspensos. Kosovo tinha continuado a implementar a moratória tacitamente, não apresentando nenhum pedido. Na véspera do término da moratória, os EUA encorajaram as partes a continuarem a dar uma chance ao diálogo com a Sérvia com o objetivo de chegar a um acordo final.

Em 4 de setembro de 2020, um acordo foi firmado em Washington. O acordo previa que até 4 de setembro de 2021, o Kosovo não solicitaria a adesão a organizações internacionais e a Sérvia interromperia sua campanha de não reconhecimento.

Agora a Assembleia solicitou ao governo que tome todas as medidas necessárias para apresentar pedidos de adesão à OTAN, à União Europeia, ao Conselho da Europa e a outras organizações internacionais. O presidente da Assembleia foi solicitado, em coordenação com o governo e parceiros internacionais, a se dirigir às mais altas instituições estatais da Espanha, Romênia, Eslováquia, Grécia e Chipre, com o pedido para reconhecer a independência do Kosovo. Os países vizinhos também foram convidados. A resolução conclui:

“The Assembly of the Republic of Kosovo, taking into

account our common aspirations for membership in the European Union and the consolidation of democracy and security in the region, invites the Parliament of the Republic of Albania, the Parliament of the Republic of Northern Macedonia, the Parliament of the Republic of Montenegro, The Parliament of the Republic of Bosnia and Herzegovina to join this initiative and express their support.”

‘A Assembleia da República do Kosovo, levando em consideração nossas aspirações comuns de adesão à União Europeia e a consolidação da democracia e da segurança na região, convida o Parlamento da República da Albânia, o Parlamento da República da Macedônia do Norte, o Parlamento da República de Montenegro, o Parlamento da República da Bósnia-Herzegovina a aderir a esta iniciativa e expressar seu apoio’.

A resolução não foi votada pelos deputados da Lista Sérvia, que deixaram o salão quando o documento foi submetido à votação.

Em apoio à Ucrânia, várias organizações da sociedade civil realizaram uma marcha condenando a agressão russa. O presidente Vjosa Osmani juntou-se a este protesto de solidariedade afirmando que a guerra na Ucrânia lembrava o que o Kosovo havia vivido em 1998-1999.

As tensões ressurgem

No auge da crise na Ucrânia e em meio a alertas de que um cenário semelhante poderia se repetir no norte do Kosovo, foi solicitada uma maior presença da Força do Kosovo (KFOR) naquele país. Atualmente, essa força está a cargo das fronteiras do Kosovo. Membros do contingente americano patrulharam a fronteira administrativa do Kosovo e da Sérvia, perto da vila de Jarinje. Isso foi anunciado pela KFOR, declarando que eram necessárias patrulhas para reunir informações para a tomada de decisões e o planejamento de futuras missões.

Além da presença da KFOR, as autoridades do Kosovo propuseram a construção de uma base permanente dos EUA no Kosovo.

Uma campanha de larga escala para a adesão do Kosovo à OTAN foi iniciada na mídia e nas redes sociais. Desde a declaração de independência, o Kosovo tem expressado o objetivo inequívoco de aderir a esta aliança. A campanha #KosovoemOTAN, lançada pelo ministro da Defesa, Armend Mehaj, nas redes sociais, foi compartilhada por milhares.

Entretanto, a OTAN ainda não reconhece oficialmente a mudança do mandato da Força de Segurança do Kosovo (KSF) de uma força de segurança para um exército, conforme estipulado pela legislação adotada pelo Parlamento do Kosovo em 2018. Assim, o posicionamento da KFS no norte só pode ser feito com a permissão especial do comandante da KFOR.

Ao contrário do status da KSF, havia falsas notícias de que o governo poderia até enviar a KSF para a Ucrânia, com base em um artigo do portal news308media.com intitulado “O mundo inteiro está falando sobre ele, Albin Kurti envia Exército do Kosovo à guerra contra a Rússia”. Este texto, que foi posteriormente retirado e desmascarado, foi na verdade publicado dois meses antes da escalada da guerra na Ucrânia com conteúdo que não corresponde ao seu título. Ele menciona uma declaração de 9 de dezembro de 2021 do primeiro-ministro do Kosovo expressando sua disposição de enviar o KFS para a Ucrânia, se exigido pela OTAN.

“First of all, I wish that there are no new conflicts, and I am following closely until late hours what is happening at the border between Ukraine and the Russian Federation. NATO was alarmed about this, in particular, the United States and the EU, and whatever NATO deems necessary we are of course ready.”

‘Antes de mais nada, gostaria que não houvesse mais conflitos e estou acompanhando de perto até os últimos momentos o que está acontecendo na fronteira entre Ucrânia e a Federação Russa. A OTAN ficou alarmada com isso, em particular, os Estados Unidos e a União Europeia, e estamos prontos para o que quer que a OTAN considere necessário.’

Em fevereiro, o governo também decidiu criar o Fundo de Segurança a fim de fortalecer o exército. Os fundos levantados destinam-se a ser utilizados de acordo com a estratégia de segurança do Estado, que se espera que seja aprovada pelo governo do Kosovo.

O norte do Kosovo, dominado pelos sérvios, continua a ser sensível aos esforços de Pristina para fortalecer o controle nessa parte. As ações tomadas para combater o contrabando também encontraram resistência.

A escalada da situação na Ucrânia, após o ataque russo, aumentou a vigilância dos mecanismos de segurança. A polícia do Kosovo enviou equipamentos logísticos e contêineres para o posto fronteiriço de Brnjak, que foi fechado por vários dias no ano passado, depois que os sérvios montaram ali barricadas. Os controles também foram intensificados nas estradas de montanha que a Sérvia utilizou para o contrabando no norte.

Este movimento foi interpretado pelas autoridades sérvias como uma tentativa de alimentar as tensões no norte. O presidente da Sérvia, Aleksandar Vucic, declarou que a Sérvia não “aceitará o jogo das provocações“.

O Escritório para o Kosovo do governo da Sérvia também declarou que a ação policial é contrária aos acordos de Bruxelas e constitui uma “provocação perigosa” e uma desestabilização da situação em campo. O chefe deste escritório, Petar Petkovic, até mesmo acusou os políticos do Kosovo de quererem perturbar a paz nos Bálcãs, que o presidente sérvio manterá a todo custo.

Detenção de sérvios com a insígnia da ELK

Suspeitas de que estava sendo preparado um plano para provocar tensões no norte, seguindo o cenário russo, levaram à prisão de cinco pessoas pela polícia de Kosovo. A ação foi precedida por um relatório da Kosovapress que os cinco estavam planejando fazer um vídeo como se alguns soldados usando (1993-1999) uniformes do Exército de Libertação do Kosovo (ELK) estivessem prontos para invadir o norte do Kosovo. Segundo relatórios, através desta tática, a Sérvia planeja ter um pretexto perante a comunidade internacional para intervir militarmente em nome da proteção dos sérvios no Kosovo. Embora as razões para as prisões não tenham sido reveladas, o relatório policial afirma que as verificações necessárias estavam sendo feitas contra eles, em coordenação com o Gabinete de Procuradoria Especial. Entretanto, menos de 48 horas depois, elas foram liberadas. De acordo com o promotor do caso, não havia provas para prosseguir no tribunal.

Esta situação revelou as contradições entre as instituições políticas e de segurança. A ministra da Justiça, Albulena Haxhiu, convocou uma coletiva de imprensa onde disse que a negligência da acusação constituía uma indiferença à ameaça colocada à soberania e à integridade territorial do Kosovo. Segundo a ministra, as instituições de segurança têm informações de que ao menos uma das cinco pessoas mantidas mantiveram inúmeras comunicações com pessoas da Federação Russa e do serviço de inteligência sérvio, “levantando suspeitas de que as pessoas em questão, junto com estruturas sérvias [estavam] planejando atividades que prejudicariam a segurança e incitariam tensões interétnicas”.

Houve também declarações de alerta de líderes estatais de que poderia haver uma agressão sérvia ao Kosovo. Além disso, de acordo com o presidente da Assembleia, Glauk Konjufca, deveria haver uma precaução extra porque a relação do Estado com a Sérvia era pior do que a da Rússia com a Ucrânia.

Por outro lado, as autoridades sérvias também estavam ativas em fazer soar o alarme contra o perigo que representava para os sérvios do Kosovo. Como pretexto, eles citaram grafites com a inscrição “ELK” pintadas nas casas sérvias. O diretor do “escritório do Kosovo” do governo sérvio, Petar Petkovic, perguntou à relatora sobre o Kosovo no Parlamento Europeu no Twitter se ela estava ciente de que “os sérvios no Kosovo e Metohija ainda estão acordando para as ameaças terroristas do ELK…”. A oficial sérvia tirou conclusões precipitadas, apesar de as agências de aplicação da lei não terem identificado as razões, nem os autores dos grafites. Os próprios moradores da comunidade sérvia disseram que não sabiam quem era o responsável.

Em conclusão, podemos acrescentar que, durante este período de duas semanas, foi criada a opinião geral de que se a guerra na Ucrânia continuar por um período mais longo, veremos mais tentativas de desinformar a opinião pública e criar situações que comprometeriam a segurança pública no Kosovo.

Leia a matéria na íntegra aqui.


 

Imagem cortesia de Giovana Fleck.

Para mais informações sobre este tema, leia nossa cobertura especial Rússia invade a Ucrânia.

 

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