Caça às bruxas ainda tira vidas na zona rural da Índia

Povoado próximo a Jamshedpur, no estado de Jharkhand. Foto: cortesia de Anumeha Verma

No dia 20 de julho, quatro pessoas idosas foram linchadas por uma multidão em Gumla, no estado de Jharkhand, na Índia, depois de serem acusadas de praticar bruxaria. De acordo com os relatos, as vítimas foram acusadas de causar a morte de um homem e, depois, foram consideradas culpadas pela prática de bruxaria por um panchayat (assembleia do povoado). As vítimas foram arrastadas de suas casas e espancadas até a morte por homens mascarados empunhando bastões. Oito dos agressores foram detidos posteriormente pela polícia.

De acordo com dados da polícia publicados pelo jornal The Times of India, a caça às bruxas em Jharkhand tirou mais de 123 vidas entre maio de 2016 e maio de 2019. Segundo a agência National Crime Records Bureau, em 2016, 134 pessoas foram mortas em todo o país pelo suposto uso de “magia negra”.

Um problema perpétuo

“A caça às bruxas não é algo novo em Jharkhand”, afirma Prem Chand, presidente fundador da organização de direitos humanos Free Legal Aid Committee (FLAC) em Jharkhand, durante uma entrevista por telefone. A FLAC tem sido útil para criar uma legislação contra a caça às bruxas em Jharkhand. A organização começou a trabalhar nessa área em 1991, quando uma mulher foi acusada pelo vizinho de causar a morte de um menino. Uma multidão irada a atacou e matou o filho e o marido dela. A mulher sofreu ferimentos.

Quando Prem Chand e seus colegas visitaram os criminosos na prisão, foram recebidos com desprezo:

They told us that they stood by their accusation. They also shared a belief that when the blood of a woman branded as a witch falls on the ground, she loses her so-called powers of sorcery.

Eles disseram que mantinham sua acusação. Também compartilharam a crença de que, quando o sangue de uma mulher acusada de ser bruxa jorra na terra, ela perde os chamados poderes de feitiçaria.

Prem Chand afirma que essa questão afeta setores específicos da população:

Usually, it is the women from the weaker sections of the society and economically backward regions that are targeted. The victims are mostly Adivasis, Harijans and Dalits. It is an assault on the dignity of women and a violation of constitutional rights for a dignified life for every human being.

Normalmente, o alvo são mulheres de setores mais vulneráveis da sociedade e de regiões economicamente mais atrasadas. As vítimas são, em sua maioria, adivasis, harijans e dalits. É uma agressão contra a dignidade da mulher e uma violação dos direitos constitucionais a uma vida digna para todo ser humano.

A realidade política e social

Ativistas dizem que as superstições profundamente enraizadas, comuns no interior, são a principal causa da prática. Baixa escolaridade, unidades de saúde precárias e atraso econômico são características das regiões em que a prática é comum.

Até agora, os casos mostram que, frequentemente, um boato espalhado por alguém é suficiente para desencadear este problema. Apesar de as leis decretadas por vários estados indianos considerarem a caça às bruxas ilegal, participantes desses episódios veem a prática como uma questão de defesa pessoal.

A caça às bruxas também pode ser usada como uma desculpa para apropriar-se dos recursos das mulheres, praticar vingança ou mesmo explorá-las sexualmente. De acordo com Prem Chand:

The premise is that once you brand a woman as a witch, you can subject her to any treatment. However, it is important to note that the practice is used as a justification for exploitation and is not a cause behind it per se.

A premissa é que, uma vez que você acusa uma mulher de bruxaria, você pode sujeitá-la a qualquer tratamento. Porém, é importante notar que a prática é usada como uma justificativa para exploração e não uma causa per se.

Ironicamente, o panchayat costuma oferecer apoio tácito para acusar alguém de bruxaria, mesmo que não aprove normas sobre as punições a serem aplicadas.

Além do panchayat eleito, há autoproclamados panchayats de castas sem qualquer mandato legal para operar em certas partes do país. Esses conselhos dão veriditos e aplicam punições e, em grande parte, não são contestados. Um incidente em Ajmer, no estado de Rajasthan, em 2017, teve o envolvimento de um panchayat de casta que levou à morte de uma mulher de 40 anos.

Legalmente, as cortes podem tomar medidas contra tais vereditos, tanto no caso de panchayats eleitos quanto no de panchayats de castas. Contudo, as vítimas raramente têm a oportunidade de acessar uma corte judicial antes de se tornarem alvo das multidões.

Caça às bruxas na Índia

Jharkhand registrou o maior número de crimes cometidos em nome da caça às bruxas, mas não é o único estado.

  • Casos de caça às bruxas também foram registrados em Chattisgarh, Odisha, Gujarat, Bengala Ocidental, Assam, Bihar, Maharashtra e Rajasthan.
  • Em um incidente assustador em 2014, Debjani Bora, uma atleta indiana, se tornou alvo em Assam. De acordo com as declarações de Debjani, ela foi acusada de ser a causa de várias mortes no povoado de Cherekali, localizado a 180 km de Guwahati, capital do estado no leste da Índia. Ela foi supostamente identificada por um líder religioso do povoado e  brutalmente agredida pelos moradores.
  • Em 2017, foram registrados casos no estado de Rajasthan. Entre eles, destaca-se o de Kanya Devi, uma mulher de 40 anos, que foi atacada e espancada até a morte depois de ser acusada de bruxaria pelos próprios familiares, no distrito de Ajmer.

Vítimas e sobreviventes

As pessoas culpam as supostas bruxas de causarem uma demasia de infortúnios: a morte de uma pessoa ou animal, secas, quebras de safras etc. Os ataques contra essas mulheres (e alguns homens) são cruéis e desumanos. Em alguns casos, as acusações e as punições partem dos próprios familiares.

Algumas sobrevivem para contar sua história e luta. Uma delas é Chutni Mahato, de Saraikela, em Jharkhand. Pessoas da região a chamam de “tigresa”. Ela foi acusada de praticar bruxaria em 1995. Desde então, se tornou uma ativista contra a perseguição de mulheres por meio de caça às bruxas e conta com a ajuda de ONGs para acabar com a prática.

Para Chutni, a falta de recursos costuma tornar difícil a luta para acabar com a prática. “Eu gostaria que houvesse mais apoio por parte das autoridades e do governo ao trabalho que estamos fazendo aqui. Entretanto, eu sofri por conta dessa prática. Se alguém me procura por ajuda, eu sempre irei dar apoio” afirmou durante uma entrevista por telefone.

Formando a opinião pública

Sobreviventes e ativistas sentem que há uma falta de apoio da opinião pública para acabar com a caça às bruxas. Os ativistas entrevistados para essa matéria expressaram uma escassez de vontade política e de engajamento intelectual para dar o ímpeto necessário para que uma campanha contra essa prática hedionda tenha êxito.

O aspecto positivo é o fato de que as pessoas que trabalham contra essa prática acreditam que a situação pode ser superada. De acordo com Prem Chand:

The efforts for ending witch hunting can be modeled on the same principles that the government has used for promoting other social problems such as the literacy mission. Also, the intellectuals would have to lend their support to the cause to mold the public opinion.

Os esforços para acabar com a caça às bruxas podem seguir os mesmos princípios que o governo tem usado para tratar outros problemas sociais, como a questão da alfabetização. Além disso, intelectuais precisam dar apoio à causa para moldar a opinião pública.

As fontes para esta matérias foram entrevistadas com a assistência de B. Vijay Murty, jornalista residente em Jharkhand.

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