O trecho seguinte, relatado pela jornalista Lucía Mbomío, foi publicado originalmente pela Afroféminas e é reproduzido pela Global Voices mediante autorização.
Carmen Mbasogo Edjang Ezuku é natural da Guiné Equatorial. Ela tem só 22 anos e é encantadoramente talentosa em muitos aspectos. Ela é estudante de Artes Plásticas, atriz, cantora e bailarina.
Sim, isso é muito, mas agora vamos falar “exclusivamente” sobre seus desenhos. Em seu trabalho, eu reconheço a mulher que falou comigo, que me olhou nos olhos, que caiu na gargalhada e que me sensibilizou com sua alegria e força. Também identifiquei uma mensagem, um caminho, uma identidade.
Com Carmen Bolena, que é seu nome artístico, a experiência é um pouco semelhante.
Lucía Mbomío (LM): Só ter talento já é suficiente ou é preciso lapidá-lo na faculdade?
Carmen Bolena (CB) No creo que nacer con talento sea suficiente para ser realmente bueno en ninguna disciplina. Tampoco creo que las escuelas tengan “el manual” para sacar el talento del interior. Lo que sí se que funciona es el esfuerzo, son las horas dedicadas, y el interés puesto en aquello en lo que uno quiere ser sobresaliente.
Não acredito que nascer com talento seja suficiente para ser realmente bom em nenhum assunto. Tampouco acredito que a faculdade tenha “o manual” para fazer com que o talento aflore. O que eu sei que funciona é o esforço, as horas de dedicação ao trabalho, e o interesse que você tem em ser excepcional na sua arte.
LB: Eu vi alguns dos seus desenhos que parecem fotografias, tão reais, tão detalhados… e outros nos quais você rompe com essa representação fiel para expressar conceitos. Por exemplo, me lembro de um no qual metade do rosto é normal e a outra metade é a carne que todos os seres humanos possuem por debaixo da pele. A arte deve ser mais do que beleza? A arte também deveria ser uma ideologia transformadora?
CB: Cielos, esta pregunta me ha sacudido por dentro jajaja. A ver, a la gente le encanta preguntarnos a los que hemos estudiado arte (tengo reparos al decir “a los artistas”) qué es el Arte. El arte en sí es un concepto abstracto bastante difícil de definir, porque es cambiante. Su definición muta y está ligada a la época en la que se da. Entonces, a la pregunta “¿el arte debe ser algo más que belleza, ideológica, trasformador?” responderé desde una posición de subjetividad absoluta: Puede serlo, pero no necesariamente. Soy de aquellas que piensan que el arte puede hacerte sentir sin obligarte a pensar, pero jamás dejarte indiferente. Para mí el arte es sensación y belleza metamórfica, porque del mismo modo que veo belleza en “La joven de la perla” o en la “Noche estrellada sobre el Ródano” , veo belleza en el “Saturno devorando a sus hijos” de Goya y en las obras de Mark Ryden, Michael Hussar o Edward Gorey. Pero, concretamente, el dibujo que mencionas sí tiene un discurso ideológico: Se trata de un autoretrato con medio rostro acabado, y el otro medio rebanado, mostrando la musculatura, tendones y mucosas. Es un análisis anatómico. Con esto lo que quería decir es que lo esencial no es visible a los ojos. Europeos, africanos y asiáticos somo iguales bajo eso tan político que es el color de piel, ante todo somos personas, hermanos de una misma raza, la humana.
Meu Deus, essa pergunta abala as minhas estruturas, hahaha. Vejamos, as pessoas amam perguntar a nós que estudamos Artes Plásticas (tenho algumas reservas em dizer ‘artistas”) o que é Arte. Arte por si só é um conceito abstrato muito difícil de definir porque é dinâmica. Sua definição muda constantemente conforme uma determinada época. Então, para as perguntas: “A arte deve ser mais do que beleza? A arte também deveria ser uma ideologia transformadora?” Eu vou responder com um posicionamento de absoluta subjetividade: pode ser, mas não necessariamente. Eu sou daquelas que pensa que a Arte pode fazer você sentir sem precisar forçá-lo a pensar, mas nunca deixa você indiferente. Para mim, Arte é um sentimento e uma beleza metamórfica, porque assim como eu vejo beleza em [Vermeer] com seu trabalho “Girl with a Pearl Earring” ou em Van Gogh, com “Starry Night over the Rhône, eu vejo beleza em “Saturn Devouring His Son” de Goya e nos trabalhos de Mark Ryden, Michael Hussar ou Edward Gorey. Mas, especificamente o desenho que você mencionou, de fato, tem uma afirmação ideológica: é um autorretrato com metade do rosto finalizado e a outra metade secionada, revelando músculos, tendões e mucosas. É um estudo anatômico, que mostra que o essencial não é visível aos olhos. Europeus, africanos e asiáticos são todos iguais debaixo do que é tão politizado – a cor da pele. Antes de tudo, nós somos pessoas, representantes de uma mesma raça, a raça humana. ”
LB: E de que forma você gostaria de transformar a sociedade?
CB: Pues muchos, demasiados para una centuria, que es cuanto se puede prolongar una vida humana. Pero, principalmente, hay dos que me afectan de lleno: el racismo y el machismo. Creo que mi trabajo refleja la inquietud y disconformidad que tengo hacia estas dos ideologías que tanto daño han hecho y siguen haciendo en la sociedad de hoy.
De várias formas, muitas até para um século, que é o tempo de vida do ser humano. Mas, principalmente, existem duas questões que me preocupam profundamente: racismo e machismo. Acredito que o meu trabalho reflete a minha preocupação e reprovação. Tenho me envolvido com essas duas ideologias que já causaram e continuam a causar tanto prejuízo para a sociedade contemporânea.
LM: Seu trabalho retrata muitas mulheres negras. Por quê?
CB: Fundamentalmente porque se trata de un proyecto que habla sobre la identidad, la aceptación, el reconocimiento y empoderamiento de un colectivo invisibilizado: las personas negras, discriminadas e invisibilizadas. Ellas son las protagonistas y por lo tanto las representadas. También porque yo soy negra. Y ya era hora de denunciar de algún modo y hablar sobre nuestra situación.
Essencialmente, porque é um projeto que fala sobre identidade, aceitação, reconhecimento e empoderamento de um coletivo de pessoas invisíveis: o povo negro, marginalizado e invisível. Eles são os protagonistas e é por isso que são representados. E também porque eu sou negra. E já é o momento de denunciar e falar sobre nossa situação de alguma maneira.
LB: Você acha que por ter sido adotada, isto afeta a sua busca pela identidade?
Yo fui adoptada a la edad de seis años y siempre he sabido que tenía dos familias que se preocupaban por mí. Y, aunque mi familia asturiana nunca quiso distanciarme de la biológica, esto fue algo que sucedió solo. Al crecer en un ambiente esencialmente blanco, fui criada también bajo estándares europeos, lo que de una manera casi consecutiva me llevó a sentir rechazo por todo lo relacionada con la negritud. Quise negar durante mucho tiempo mi identidad, pero ésta exudaba por mis poros capilares, que me insistía en domeñar, en mi gestualidad, mi físico, a la hora de bailar… en tantas cosas que no podía negar.
No tenía además referentes cercanos a los que admirar o imitar. Siempre que aparecía una persona negra en un medio publico eran prostitutas, emigrantes, sirvientes, asesinos o, por el contrario, eran los primeros en morir en el cine. Siempre era la única negra en todo, incluso en las pruebas de selectividad, cosa que me inquietó mucho porque pensé que siempre iba a estar sola. ¿Donde estaban los africanas que eran como yo en España?
Irme a estudiar a Madrid y conocer colectivos como Kwanzza y E.F.A.E fue sin duda un punto de no retorno. Vi que había mucha más gente como yo, que no estaba sola ¡y que no éramos pocos! jajaja. Fue fantástico ver que entre nosotros había estudiantes universitarios de política, periodismo, filología, arte, ciencias…. abarcaban, abarcábamos todos los campos. Comencé a leer y a investigar, a ir a conferencias y a convivencias y me sentí, por primera vez desde que salí de África, parte de algo con lo que me identificaba. Salvo por mi condición de adoptada, que si bien es cierto que existe, se nos puede contar con los dedos de una mano.
Todo este descubrimiento fue un bálsamo reparador para mi conciencia intranquila. Ya no me duele reconocer que soy negra. Lo soy y lo digo henchida de orgullo.
Eu fui adotada com seis anos de idade e sempre soube que tinha duas famílias que se importavam comigo. E embora a minha família asturiana não desejasse me afastar da minha família biológica, isso foi algo que aconteceu naturalmente. Ao crescer em um ambiente essencialmente branco, também fui criada com valores europeus, o que consequentemente me levou a rejeitar tudo relacionado a minha negritude. Eu quis negar a minha identidade por muito tempo, mas ela emanou dos meus poros, me forçando à submissão dos meus gestos, da minha estrutura física, na hora de dançar … de tantas maneiras que eu não podia negar.
Além disso, eu também não tinha nenhum exemplo para admirar ou imitar. Quando negros apareciam em um ambiente público eram prostitutas, imigrantes, empregados, assassinos ou, do contrário, eles sempre eram os primeiros a morrer em filmes. Eu sempre era a única negra em todos os lugares, inclusive nos exames de admissão, o que me deixava muito desconfortável porque eu pensava que sempre estaria sozinha. Onde estavam os africanos parecidos comigo na Espanha?
Estudar em Madri e encontrar grupos como Kwanzza [uma comunidade de estudantes afrodescendentes da Universidade Complutense de Madrid e E.F.A.E [um coletivo dedicado a “empoderar as mulheres afrodescendentes” na Espanha] foi, de fato, um momento decisivo. Eu percebi que havia muito mais gente igual a mim, eu não estava sozinha e existiam muitos de nós! Hahaha. Foi maravilhoso ver que entre nós havia estudantes universitários de política, jornalismo, filosofia, arte, ciência…eles conquistaram, nós conquistamos todos os campos. Eu comecei a ler e pesquisar, a ir à conferências e interagir socialmente e, pela primeira vez desde que deixei a África, me senti parte de algo com o qual me identificava. Salvo a minha condição de adotada, mesmo sendo um fato, é possível contar quantos somos com uma mão.
Toda essa descoberta foi reparadora para a minha consciência conturbada. Já não dói mais assumir que sou negra. Eu sou e digo isso com muito orgulho.