Cambridge University Press retira 300 artigos acadêmicos de seu site na China

Cambridge University Press. Imagem da Universidade de Cambridge

Cambridge University Press (CUP) retirou mais de 300 artigos acadêmicos publicados pela revista acadêmica The China Quarterly de seu site na China para evitar que todo seu site seja retirado do ar.

Em nota, a CUP esclareceu a pressão que recebeu na China para tomar essa decisão:

We can confirm that we received an instruction from a Chinese import agency to block individuals articles from China Quarterly within China. We complied with this initial request to remove individual articles, to ensure that other academic and educational materials we publish remain available to researchers and educators in this market.

We are aware that other publishers have had entire collections of content blocked in China until they have enabled the import agencies to block access to individual articles. We do not, and will not, proactively censor our content and will only consider blocking individual items (when requested to do so) when the wider availability of content is at risk.

Confirmamos ter recebido uma orientação de uma agência de importação chinesa para bloquear artigos publicados pela China Quaterly na China. Obedecemos a este pedido inicial pela remoção desses artigos a fim de assegurar que outros materiais acadêmicos e educacionais que publicamos continuem disponíveis a pesquisadores e educadores neste setor.

Estamos cientes de que outras editoras sofreram total bloqueio de todo seu acervo na China até que obedecessem à ordem de agências de importação de bloqueio a determinados artigos. Não vamos, nem iremos censurar de forma pró-ativa nosso acervo, considerando o bloqueio de artigos individuais somente perante uma solicitação e quando uma parcela maior de nosso acervo for colocada em risco.

A CUP declarou que encontraria uma solução em longo prazo para a questão da censura e que já programou reuniões para discutir sua estratégia em relação às agências de importação na próxima Feira Internacional do Livro de Pequim.

Críticas à estratégia da CUP

Entretanto, Greg Distelhorst, professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), é contra a estratégia da CUP. Ele deixou seus comentários abaixo da declaração da editora:

When a government or party curates your historical record, it uses your reputation to rewrite history.

Students in China will read the ‘leading scholarly journal’ on China and conclude those political taboos can't be that important.

‘If Tiananmen was really important, wouldn't there be some serious analysis by top international scholars? Guess it was just fake news.’

Your academic readers may be aware of the censorship, but this isn't much better.

When a journal silences accurate scholarship for market access, it either means that core principles are up for negotiation…or the commitment to academic freedom was not authentic in the first place.

Quando um governo ou partido se intromete em um acervo histórico, acaba usando sua reputação para reescrever a história.

Estudantes na China irão ler a ‘principal revista acadêmica’ na China e concluir que estes tabus políticos não são de grande importância.

‘Se Tiananmen fosse realmente importante, não haveria uma análise séria de grandes acadêmicos internacionais? Acho que não passaram de notícias falsas.’

Seus leitores podem estar cientes da censura, mas isso não melhora as coisas.

Quando uma publicação silencia produções acadêmicas acuradas para ganhar acesso a um mercado, só pode significar que seus princípios básicos são negociáveis…ou que seu compromisso com a liberdade acadêmica nunca foi autêntico.

A premiada jornalista e autora do livro The People’s Republic of Amnesia: Tiananmen Revisited (A República Popular Da Amnésia: Tiananmen revisitada), Louisa Lim, também não é a favor da preocupação comercial da CUP:

Isso é revoltante. É um exemplo claro de que até uma editora acadêmica valoriza o lucro e não a liberdade acadêmica.

Impacto da censura

A China Quarterly é uma revista multidisciplinar que cobre todos os aspectos da China contemporânea e de Taiwan. A relação de matérias censuradas fala sobre a história atual e política da China, inclusive estudos sobre o Massacre da Praça da Paz Celestial, a Revolução Cultural Chinesa, o Exercício do Estado de Direito, a evolução política desde a reforma de Deng Xiaoping, o modelo político do país, a tensão entre Estado e mercado, as ideologias maoísta e marxista, a Falun Gong, os movimentos pelos direitos trabalhistas, além de estudos sobre Hong Kong, Taiwan, Tibet e Xinjiang.

O editor da revista, Tim Pringle, expressou desapontamento com a ordem de censura em uma declaração pública:

The China Quarterly wishes to express its deep concern and disappointment that over 300 articles and reviews published in the journal have been censored by the Chinese import agencies CEPIEC [China Educational Publications Import & Export Corporation Ltd.] and CNPIEC [China National Publications Import & Export (Group) Corporation]. We note too that this restriction of academic freedom is not an isolated move but an extension of policies that have narrowed the space for public engagement and discussion across Chinese society.

A China Quaterly gostaria de expressar sua profunda preocupação e desapontamento em relação aos 300 artigos e trabalhos publicados pela revista que foram censurados pelas agências de importação chinesas CEPIEC [Companhia Chinesa de Importação & Exportação de Publicações Educacionais, sigla em inglês] e CNPIEC [Companhia Nacional Chinesa de Importação e Exportação de Publicações, sigla em inglês]. Observamos também que essa restrição à liberdade acadêmica não se trata de um fato isolado, mas de uma ampliação das políticas que reduziram o espaço de participação e discussão pública de toda a sociedade chinesa.

CEPIEC é a maior companhia estatal de importação e exportação de publicações na China e foi fundada em 1987 pelo Ministério da Educação com o intuito de atender às demandas de publicações acadêmicas estrangeiras de instituições de ensino na China. Outra grande companhia estatal voltada a assuntos culturais é a CNPIEC, fundada em 1949.

Muitos acadêmicos demonstraram preocupação em declarações contra a censura da CUP. Sam Crane, professor de Política Chinesa, fez um apelo para que a CUP abra mão de seu site chinês:

Por que obedecer ao Partido (Comunista da China)? Se é esta a exigência deles, a CUP deveria desistir de seu site chinês e atuar em outro lugar.

Anna L. Ahlers, Mette Halskov Hansen e Rune Svarverud, antigos — e futuros — autores da China Quarterly, escreveram nota pelo Twitter para a Cambridge University Press e para a China Quarterly, dizendo-se chocados com a decisão:

There is no compromise to the idea of a global system of science. Either the PRC [People's Republic of China] takes part in it or not: that is a decision that has to be taken in China, not in Europe/outside. We sincerely hope that the editors of The China Quarterly will react strongly against the move by CUP on behalf of all its dedicated authors and readers. Hopefully CUP will reverse its policy and insist on academic freedom even if Chinese authorities do not.

Não há meio-termo no conceito de sistema global de ciência. Ou a RPC [República Popular da China] participa dele ou não: é uma decisão que precisa ser tomada na China, não na Europa ou em outro lugar. Esperamos sinceramente que os editores da China Quarterly tenham uma reação firme à decisão da CUP, em nome de todos seus dedicados autores e leitores. Tomara que a CUP reverta sua política e lute pela liberdade acadêmica, mesmo que as autoridades chinesas não o façam.

Greg Distelhorst esclareceu seu ponto de vista em uma carta aberta à CUP, também assinada por Jessica Chen Weiss, professora associada da Universidade de Cornell:

Chinese students and scholars reading a censored version of The China Quarterly will encounter only historical facts and scholarly analyses approved by political authorities. Worse Chinese readers will learn this sanitized history directly from the official website of Cambridge University Press.

This censored history of China will literal bear the seal of Cambridge University.

Scholarship does not exist to give comfort to the powerful. Nor is its purpose to find and exploit the largest market.

Estudantes e acadêmicos chineses lendo uma versão censurada da China Quarterly encontrarão somente fatos históricos e análises acadêmicas aprovadas pelas autoridades políticas. E pior, leitores chineses aprenderão essa história ‘retificada’ diretamente do site oficial da Cambridge University Press.

Essa história censurada da China terá, literalmente, o selo da Universidade de Cambridge.

O mundo acadêmico não existe para dar conforto aos poderosos, tampouco tem o propósito de buscar e explorar o mercado mais vantajoso.

Christopher Balding, professor associado da HSBC Business School em Shenzhen, criou uma petitção reivindicando que a CUP recuse a ordem de censura do governo chinês.

Consequências do confronto ideológico na China

A pressão sofrida pela CUP e por outras editoras estrangeiras é um efeito cascata da disputa ideológica interna da China, que já atingiu, sobretudo, publicações chinesas antes.

A China passou a encarar a educação universitária como um dos seus principais campos de batalha a partir de 2013, quando professores de ensino superior foram instruídos pelo Secretariado Geral do Comitê Central do Partido Comunista a não lecionar sete disciplinas, incluindo liberdade de imprensa, erros pregressos do Partido Comunista e direitos civis.

Em 2015, foi imposto às universidades da China continental a proibição de conteúdos que promovessem valores ocidentais. Recentemente, um professor da Universidade Normal de Pequim, Shi Jiepeng, foi demitido por ter chamado o antigo líder Mao Zedong de “demônio” nas redes sociais.

A prática da censura já afetou publicações acadêmicas chinesas. Por exemplo, em Hong Kong, até mesmo projetos de livros de filosofia são censurados. O diretor de Artes Liberais e Culturais da Universidade Batista de Hong Kong, Dr. Wong Kwok Kui, revelou recentemente que duas ordens de censura foram solicitadas por uma editora oriunda da China continental. Ocorreu um incidente em 2016, noticiado pelo jornal online Hong Kong Free Press (HKFP):

Last year, when compiling an anthology on Nietzsche conferences, Wong said he was asked by the publisher to request that a writer amend an essay which criticised Xi Jinping as well as China’s policy towards Hong Kong and Taiwan. Wong refused, and the project was cancelled, despite everything being ready for publication.

Ano passado, durante a elaboração de uma antologia de conferências sobre Nietzsche, Wong disse que uma editora pediu a ele para solicitar que um escritor retificasse um ensaio onde criticava Xi Jinping e a política chinesa em relação a Hong Kong e Taiwan. Wong recusou, e o projeto foi cancelado, apesar de o material já estar pronto para publicação.

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