
Clube de dança em Kuala Lumpur, capital da Malásia. Foto do Flickr de Loren Infeld (CC BY-NC-SA 2.0).
A música “Despacito” deixou o repertório das emissoras de rádio e TVs estatais da Malásia após ter sido considerada imprópria para o público pelo Ministério de Comunicações, devido ao conteúdo sexualmente explícito da letra.
“Despacito” é a canção mais ouvida em streaming da história, interpretada pelo porto-riquenho Luis Fonsi e pelo rapper Daddy Yankee, cuja versão remix conta com a participação da estrela pop Justin Bieber. A palavra espanhola despacito pode ser traduzida em português como “devagarzinho”. A música fala sobre uma relação amorosa.
O pedido de censura da canção veio da ala feminina do partido da oposição Parti Amanah Negara, que tem uma proposta progressiva, se comparada ao radicalismo de parte da coligação no poder. Atriza Umar, presidente da Comissão de Arte e Cultura do partido, explicou a sua posição:
We respect the right to be entertained but there should be clearer guidelines so that the entertainment does not spoil people but makes them better.
Nós respeitamos o direito ao entretenimento, mas é preciso estabelecer limites para que as pessoas não sejam influenciadas negativamente, e sim positivamente.
No entanto, o partido não revelou qual parte da música achou ofensiva.
Após o ministro das Comunicações, Datuk Seri Salleh Said Keruak, anunciar que “Despacito” não tocaria mais na programação da Radio Televisyen Malaysia (RTM), o partido de Atriza Umar aprovou a decisão, tomando-a como um passo positivo para as mães e mulheres da Malásia:
…the people in this country are not anti-entertainment by doing so (calling for the ban), but we do not want unhealthy elements to fester and become a norm for the younger generation today.
…só porque o povo deste país pediu que a música fosse censurada não significa que seja contra o entretenimento. Acontece que não queremos que algo tão prejudicial contamine os nossos jovens e seja considerado normal.
Nos últimos anos, vozes conservadoras da coligação governista da nação de maioria muçulmana aumentaram a pressão pela aplicação mais rígida de crenças islâmicas no governo. Essas mesmas vozes convenceram o Estado a censurar filmes, músicas e livros considerados “prejudiciais” à sociedade. No começo de agosto, um livro que defendia um islamismo menos radical foi banido pela censura.
Outros partidos políticos apoiaram a ala feminina do partido Parti Amanah Negara. Zuraida Kamarudin, do Partido Popular da Justiça (PKR), até pensou em classificar músicas com o objetivo de proteger as crianças de “conteúdos impróprios”:
Songs should be screened just like movies. This will ensure all songs aired do not carry improper meanings. If it's aired in a private sphere, that's fine. What I'm talking about is when the song is aired publicly. Children will then be listening to these types of songs.
Músicas deveriam ser classificadas como filmes. Isso garantiria que todas as músicas tocadas não tivessem conteúdo impróprio. Se tocar numa zona privada, tudo bem. O problema é quando a música toca em público, pois não tem como impedir que esse conteúdo chegue aos ouvidos das crianças.
A decisão de banir “Despacito” da mídia estatal foi alvo de críticas de muitos artistas e internautas. John O, vocalista da banda Paperplane Pursuit, questionou o sentido em censurar uma canção que “ninguém entende”.
When due process is ignored in favour of knee-jerk reactions to people playing up public sentiments whenever it suits them, every single industry stands to lose.
Quando um processo justo é ignorado por causa de reações precipitadas de pessoas brincando com as emoções do público sempre que têm vontade, todos saem perdendo.
O usuário @00Nuza também questionou pelo Twitter a lógica em banir a música:
That moment when Malaysian enjoyed Despacito without understanding it just because its a great song till RTM let everyone know its ‘dirty’.
— Nuza (@00Nuza) July 20, 2017
Era uma vez, os malaios curtiam “Despacito” sem entender o seu significado, simplesmente porque era uma ótima canção. Até que a RTM contou a todos que era ‘indecente’.
Philip Golingai, colunista do jornal The Star, contou que a sua geração também ouvia músicas dos anos 80 e 90 com conteúdo obsceno, e nem por isso houve consequências.
Alguns acharam uma hipocrisia a canção ser censurada quando há tantas outras com mensagens parecidas tocando nas rádios:
20 Songs We Should Stop Playing On The Radio Because They're Totally About Sex: https://t.co/fKXsRQTHVq #Despacito #RTM #Malaysia #censor pic.twitter.com/GDsrb2gtE0
— Latest on SAYS (@saysdotcom) July 21, 2017
20 Músicas Que Não Deveriam Mais Tocar Nas Rádios Por Só Falarem de Sexo https://t.co/fKXsRQTHVq #Despacito #RTM #Malásia #censura pic.twitter.com/GDsrb2gtE0
Let's not forget Maroon 5's Animal.
“Baby, I'm preying on you tonight Hunt you down eat you alive”
— NZMN (@arsnzmn) July 19, 2017
Então vamos pensar em algumas músicas que tocam todo dia nas rádios da Malásia, cujo conteúdo é realmente ‘impróprio’. https://twitter.com/sumishacna/status/887558481602953217 …
E não podemos nos esquecer da música ‘Animal’, do Maroon 5.
‘Querida, eu vou te pegar esta noite Te caçar e te comer viva’
Como aqueles que criticaram “Despacito” são do partido da oposição, muitos se perguntam se não seria uma estratégia para conseguir o apoio dos conservadores. O analista de mídia Niki Cheong lamenta a postura tomada por esses grupos:
Re: tweets yesterday about RTM’s ban on Despacito, very sad that Amanah playing these political games. Where is the opposition M'sia craves?
— Niki Cheong (@nikicheong) July 20, 2017
Re: tweets de ontem que falam sobre o fato de a música ‘Despacito’ ter sido censurada pela RTM. É muito triste ver o Amanah se envolver nesses jogos políticos. Cadê a oposição de que a Malásia precisa?
For the record, the song annoys the crap out of me. But censorship does nothing to help a country progress …
— Niki Cheong (@nikicheong) July 19, 2017
Mais um caso de censura na Malásia. Muito desapontado com @sallehsaid. É o maior retrocesso. https://www.malaysiakini.com/news/389132
Só para constar, a música me irrita profundamente, mas a censura não contribui para o avanço de um país …
“Despacito” ainda está sendo tocada em emissoras privadas, que dominam as rádios da Malásia.