Duas universidades moçambicanas querem proibir o uso de saias curtas e dreadlocks

Mulheres assistem a exibição de um filme na Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo. Foto: cassimano/Flickr CC BY-NC-ND 2.0

Duas universidades públicas moçambicanas localizadas na cidade de Beira despertaram a fúria nas redes sociais ao divulgar um novo código de vestimenta para seus alunos e professores.

As proibições incluem cabelos compridos, tranças, dreadlocks e calções para os homens. Já para as mulheres, é proibido saias curtas, calças apertadas, tecidos transparentes e “blusas que mostrem o sutiã”. Chinelos são proibidos para ambos os sexos.

O comunicado da UniZambeze, datado do dia 28 de Março, foi fotografado e divulgado no Twitter pela pesquisadora da Human Rights Watch em Moçambique Zenaida Machado.

Universidade do Norte de Moçambique proíbe estudantes com dreadlocks, sandálias, calções e vestidos justos. Oh, Deus… agora eu já vi de tudo.

A Universidade Pedagógica supostamente divulgou um código de vestimenta parecido, adicionado às proibições o consumo de cigarro e cerveja, também fotografado e divulgado no Twitter:

Não é a primeira vez que este tipo de debate acontece em Moçambique. Em Março do ano passado, o Ministério de Educação e Desenvolvimento Humano aprovou uma resolução que proibia o uso de saias curtas nas escolas públicas de educação secundária. A decisão gerou protestos na capital Maputo e provocou a uma crise diplomática com a Espanha quando uma activista deste país foi detida em uma manifestação e em seguida deportada pelas autoridades.

Como da última vez, muitos foram às redes sociais expressar seu descontentamento com a decisão.

Mauro Steinmay, artista e portador de cabelos compridos, lembra que no caso das universidades não há crianças, e que os estudantes não devem aceitar esse tipo de imposição:

Acho que não temos de nos bater cabeça com essas universidades que querem banir dreads e sei lá o quê mais. Se os estudantes seguirem essas regras, é porque não tem tomates para fazerem valer seus direitos humanos, e merecem a universidade onde estudam. É problema deles. Não estudam crianças nas universidades.

Em um post muito compartilhado, o pesquisador Benedito Memidji argumenta que os códigos de vestimenta remontam ao período socialista.

Seu texto, partilhado pelo jornalista Rafael Ricardo Machaela, episódios similares ocorridos em 1979, sobre os quais tomou conhecimento durante pesquisa nos arquivos nacionais, incluindo a ocasião de um discurso do então Presidente Samora Machel em que este condenava saias curtas e “exortava o povo a combater estas modas”:

A decisão da UP de impor regras de indumentária no campus – bem como as chamadas maxi-saias das escolas primárias e secundárias – tem origem no moralismo puritano que caracterizou a experiência socialista em Moçambique. Nessa altura atingiu proporções aberrantes. As normas da UP podem não reproduzir os efeitos que tal puritanismo produziu há 30 anos, mas é preciso estarmos alerta. Foi muito alto o preço que muita gente pagou devido a estas tentativas do estado domesticar a forma como as pessoas se vestem ou deixam de se vestir. Não sou a favor da indecência, mas sou amante da liberdade acima de tudo.

Titos Cau deu uma visão contrária, a ressalvar que a decisão da Universidade Pedagógica está baseada em tradições culturais e deve ser apoiada:

Daquilo que sei, a necessidade de regras de indumentaria baseia-se nas tradições culturais, espirituais e cosmológicas africanas e não experiência socialista pós-independência. Na nossa tradição o joelho da mulher e sagrado e não deve estar exposto publicamente. O rigor na indumentaria e importante porque ela ‘diz’ quem somos. A indumentaria e a extensão do carne que veste nosso espírito. O reitor da UP está certo e deve ser apoiado…

Fatima Mimbire é pesquisadora do Centro de Integridade Pública e também rechaçou as imposições:

É lá onde dizem que a universidade é lugar de democracia. É o lugar de discussão de ideias por excelência… quando começamos a preocupar-nos com a forma como as pessoas vestem, sinceramente, acho que perdemos o foco ou não temos mais nada importante com que nos preocuparmos. O nosso pais esta a afundar porque os “iluminados” esforçam-se para tirar a pouca luz que temos. Honestamente, precisamos de uma nova ordem.

Bitone Viage, docente e actualmente a estudar Ciência Política no Brasil, levanta algumas questões sobre essas medias:

(…) Obviamente que a Universidade pedagógica (UP) enquanto que instituição de formação de professores deve fazer com que os tanto os formandos bem como os formados nesta instituição pautem por uma conduta moral e esteticamente aceite dentro da nossa sociedade.

Mas a questão que não se cala Magnifico, do que valerá a decência sem a produção e inclusão? Do que valerá termos um professor bem vestido, mas mesmo assim a taxa da má qualidade do ensino no pais tende aumentar?

Reagindo ainda sobre o assunto, Edson Agostinho Sangue Sangue entende que a Universidade é um lugar onde muitas realidades culturais convergem e não deve existir a imposição desse tipo de normas:

Quando a pessoa entra para o ensino superior ela e vista como uma pessoa que já tem certeza que suas atitudes irão em breve trazer consequências seja estas negativas ou positivas. Uma universidade de facto um mar de culturas misturadas cada um que para la vai tem sua educação seus princípios sua cultura suas tradições. Uma universidade e um campo que forma mentes pensantes, inteligentes, e uma das características de pessoas inteligentes e a forma como trata o próximo independentemente da sua aparência ou forma de estar. Pessoas inteligentes não discriminam….

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