Deportação de ativista espanhola gera controvérsia em Moçambique

Fonte: Pambazuka (Eva à Direita) - foto usada com permissão

A ativista espanhola Eva Anadón Moreno (dir.), foi expulsa de Moçambique. Foto: Pambazuka, usada com permissão

As autoridades moçambicanas expulsaram, na quarta-feira (30.03), uma cidadã de nacionalidade espanhola por participar numa suposta “manifestação ilegal”, contra a proibição do uso de minissaias decretada pelo Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano de Moçambique (noticia que o Global Voices deu conta no dia 21 de março).

Eva Anadón Moreno vivia em Moçambique desde 2011, é colaboradora do Secretariado Internacional da Marcha Mundial das Mulheres, o maior movimento feminista no mundo. A alegada manifestação tratava-se, na verdade, de uma “atividade teatral e leitura de um comunicado de imprensa, para se manifestarem contra o aumento da violência contra a rapariga na escola,” diz a organização não-governamental Mulher e Lei na África Austral (WLSA, sigla em Inglês) no seu website. A iniciativa foi abortada pela intervenção da polícia, no dia 18 de março. O resultado desta ação de rua foi a detenção de 5 ativistas. Nesse grupo estava Eva Moreno, que foi uma das pessoas que contestou a atuação policial, pelo uso excessivo de força e intimidação. Todas acabariam por ser libertadas, seis horas depois da detenção, refere o comunicado “Nós todas somos Eva“, emitido pela WLSA:

Na 3ª feira, dia 29, 6 homens chegaram em 3 carros ao apartamento da Eva, e entregaram uma notificação para que ela comparecesse nos serviços de Migração. Aqui, onde ela mostrou que tinha a sua documentação legalizada, permaneceu das 13 horas até por volta das 19.00, muito depois do encerramento do expediente. Quando questionados, os funcionários referiam ter ordens superiores. De quem não sabemos. Os seus advogados não puderam entrar.

Sobre este caso, a lei moçambicana diz que um cidadão estrangeiro pode ser expulso se:

For declarado “persona non grata”; entrar ilegalmente no país; atentar contra a segurança nacional, a ordem pública e os bons costumes; intervir na vida política do país sem estar devidamente autorizado pelo Governo; presença ou atividade no país que ameace os interesses e a dignidade do Estado moçambicano; desrespeitar a Constituição e demais leis e regulamentos e praticar atos que teriam impedido a sua entrada no país caso fossem conhecidos previamente pelas autoridades moçambicanas.

A deportação foi mandada por um despacho assinado pelo ministro do Interior, Basílio Monteiro, justificando o ato com o cumprimento da lei:

Ao participar numa manifestação ilegal, dirigindo um grupo de menores vestidas com uniformes escolares e exibindo bandeiras contrárias aos bons costumes da República de Moçambique, a cidadã violou a lei.

Porém, essa medida foi vista como um exagero na sua forma procedimental e surgiram diferentes formas de interpretar o mesmo caso. Edgar Barroso fez questão de partilhar o respetivo despacho ministerial. Nanda Laboto, fundadora da plataforma Olho do Cidadão, insurgiu-se da seguinte maneira:

Não tenho palavras para expressar o meu repúdio pelo que se está a passar em Moçambique sobre o caso da extradição da ativista espanhola e as ativistas moçambicanas… Na verdade não tenho palavras…simplesmente que por vezes tenho vergonha do que aqui se faz…estado de direito? E ainda andamos por aqui a brincar às democracias…

Antes da deportação (28.03), a advogada e ativista de Direitos Humanos, Iveth Marlene, disse:

Tenho medo do meu país! Eu sempre digo isso. A ilegalidade é regra e a legalidade é exceção. Os bons são sacudidos e os maus premiados. E mais…muitos olham impávidos e serenos a nossa realidade. Uma cidadã que luta pelos direitos das mulheres foi detida hoje desde as 12h00 até às 19h30, sem direito a alimentação, água e sem direito a advogados. Agora está a ser deportada sem despacho, informação e sem poder levar nem uma camisola. Todas as formalidades foram violadas e não houve direito a defesa.
Disseram-me [que] essa constituição só serve nos tribunais e não para mim (…). Tenho medo do meu país!!!

No dia 29 de março, Moreno foi transferida para o aeroporto de Maputo onde se registou um desentendimento entre a Polícia e uma Procuradora que tentava libertar a ativista, relata Ericino de Salema, na sua página do Facebook.

Porém, houve quem aplaudisse a decisão das autoridades, Zee Mavye disse no seu Facebook:

Sobre [o] assunto “Eva”, eu não queria pronunciar-me, tanto que nem me vou alongar, só quero dizer que a procuradora perdeu a oportunidade de ficar calada e agir em conformidade com a Lei. Achava ela que ia passar por cima dum despacho ministerial mesmo?

No momento da partida (30.03), Eva Moreno adiantou que os advogados estavam a tentar revogar o auto de deportação mas o mesmo não chegou a tempo de evitar a expulsão. Já no aeroporto de Madrid, em Espanha, Eva Anadón Moreno foi recebida por mulheres que apoiam a sua coragem e determinação:

Entretanto, o Governo Espanhol solicitou a presença do embaixador de Moçambique na Espanha para explicar os contornos que ditaram a deportação da cidadã espanhola.

Embaixador de Moçambique chamado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros para explicar a expulsão de uma cidadã espanhola.

A representante para Moçambique e Angola da Human Rights Watch, Zenaida Machado, pronunciou-se da seguinte forma:

Uma ativista espanhola está banida de regressar a Moçambique durante os próximos 10 anos, por ter participado num protesto contra o fim do uso de minissaias nas escolas.

Procuradoria-Geral da República de Moçambique solicitou a abertura de um inquérito para averiguar o caso.

*Este texto foi editado conforme o novo Acordo Ortográfico.

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