[A versão integral desta entrevista foi publicada originalmente a 9 de Janeiro de 2014 no website Buala com o título Underground lusófono: Asterix o Néfilim fala da mixtape submundo luso vs 12transfusons.]
Submundo Luso vs 12transfusons é o nome de um novo mixtape que junta rappers de Angola, Moçambique, Brasil e Portugal. Lançado no último dia de 2013, após 5 meses de preparação, o projecto surgiu depois dos promotores de hip-hop e bloggers do Submundo Luso, de Moçambique, e 12transfusons, de Angola, sediado em Cabinda, se terem conhecido através da internet.
Nesta entrevista, Astérix, o Néfilim, administrador do 12transfusons, rapper e promotor da produtora com o mesmo selo, fala sobre o processo colaborativo que seguiram para juntarem artistas de várias geografias nesta compilação, cujo download é gratuito. Ele fala ainda sobre o panorama artístico no enclave de Cabinda, a 18ª província de Angola, e os desafios que advêm desse isolamento.
Como foi o processo de realização deste projecto?
Passou por selecionarmos os artistas de acordo os objectivos. Neste projecto procuramos trazer as raízes de hip-hop e procuramos fazer algo um pouco fora do normal, é como um “back in the days”. Normalmente os promotores trabalham com artistas de renome e nós procuramos juntar um pouco de tudo, desde a velha à nova escola, e tentamos dar primazia também ao rap feminino, artistas no anonimato e os que já estão na ribalta do hip-hop lusófono.
Como foi feita a selecção de artistas ?
Mediante sugestão de todo elenco da 12transfusons e Submundo Luso. Trabalhamos juntos nisso, tínhamos uma lista de artistas, contactámo-los directamente embora não tenhamos propriamente todos os artistas que pretendíamos.
Qual o grau de interesse dos artistas em trabalhar convosco?
Em 2011 lançámos a Mixtape 12transfusons Ed. 2011 com o mesmo propósito, e já tínhamos trabalhado com alguns, é o caso do AKAM-M, MAC D –O- MURMURYO e o ALKAPPA (que foi convidado também a participar mas não pôde).
Devo dizer que não tem sido nada fácil trabalhar com mc's, é uma luta constante. Há quem ignore simplesmente porque não acredita no nosso trabalho, há quem ainda subestime e pense que não cairia bem na sua imagem, outros aceitam participar teoricamente mas, no fim, acabam desistindo. Há ainda aqueles que fazem jus à definição de RAF-TAG “Hip-hopcritas” porque nas letras dizem ser verdadeiros, juram humildade, lealdade, que fazem o rap por amor à cultura e que dão tudo pelo rap (estes são os mais arrogantes) mas não aceitam.
Nós somos produtoras independentes, tudo que temos feito até hoje é fruto dos nossos bolsos, sem apoio nenhum. Apesar de tudo devo reconhecer o esforço, o tempo, dedicação, disponibilidade e empenho de alguns artistas, em especial Khris Mc, IKONOKLASTA, AKAM-47 da Poltersonnik, REDGOVEM, KARDINAL MC, Mona Dya Kidi e muito mais, ao pessoal da 12transfusons com destaque para Absinto e Tecla 6/4, ao pessoal de Moçambique, Brasil e Portugal.
Como tem sido o feedback do público em relação a este projecto?
Olha, o feedback está sendo melhor do que eu pessoalmente esperava, todos os dias recebo elogios, palavras de encorajamento e felicitações pelo trabalho bem feito. E este é sem dúvida o nosso maior reembolso pela inteira dedicação neste trabalho.
Há quanto tempo a 12transfusons está no mercado?
A 12transfusons é uma produtora independente que actua no mercado de Cabinda desde 2010, tem vindo a colocar no mercado diversas obras discográficas, realizado diversos shows e demais actividades em prol do hip-hop. É composto por: Astérix o Néfilim (C.E.O), Tecla 6/4(produtor), Sacerdote, Rezo-Luto, 02K63, Absinto (designer) e Akônituz e Vars (Produtor) sendo que estes últimos representam os interesses da produtora na capital. O Absinto e Akônituz formam o grupo Artigo 9.0, e todos juntos representamos o colectivo denominado LETAL.
Como encaras a música e em particular o rap em Cabinda?
Seria falso se dissesse que estamos bem porque estamos mesmo mal, ainda há muito a fazer para que o pessoal aceite de bom grado a nossa cultura e tente desviar as atenções para o nosso lado.
Em Cabinda não é só o rap que está em péssimas condições, reflecte-se em todos os estilos musicais, desde o kuduro, kizomba, semba, kintueni e mayeye. Na verdade há pouca divulgação da música feita em Cabinda, temos uma secretaria provincial da cultura fictícia e comunicação social inexistente. Nada justifica que, numa província com artistas de talento, saiam dois álbuns num ano e que as poucas rádios que temos se recusem a apoiar iniciativas como as nossas e demais personalidades interessadas.
Voltando para o rap, este é o menos solicitado nas atividades e comícios governamentais mas é o que mais dá voz em termos de presença musical graças ao esforço de todos os companheiros de luta como: Cabmusic, hip-hop de gavetas, agora a Miller Team e não só. A cada dia que passa surgem novas propostas, novos mc´s e produtoras interessados em dar mais vida ao movimento. Fico feliz com isto.
Na tua opinião o que deve ser feito para mudar o quadro da situação da música em Cabinda?
Em primeiro lugar valorizando a nossa música. É preciso acostumar as pessoas a ouvirem as nossas músicas, o povo de Cabinda é conhecido como “fidalgo” que não gosta de comparecer nos shows, nem comprar CDs. Nós temos de incentiva-los a irem aos nossos concertos, a comprarem os nossos CDs e não devemos actuar isoladamente.
A Secretaria Provincial da Cultura também deve desempenhar este papel com a comunicação social, neste caso as rádios e TVs (embora Cabinda não tenha nenhuma estação televisiva pública nem privada) de modo a tentar reverter esse quadro, talvez criar programas que ajudassem a promover a música local, apoio aos músicos, deixar de convidar os músicos apenas em campanhas partidárias e actividades governamentais, e que o caché dos músicos locais seja igual ao dos músicos que vêm de Luanda ou de outro ponto do mundo, para que estes se sintam valorizados. Um canal televisivo local ajudaria na promoção da imagem dos artistas no seio do enclave e não só. Na verdade Cabinda carece de rádios e televisões privadas que diversifiquem a rotina das informações. Enquanto isso não acontece continuamos aqui. conhecemos a luta e seguiremos firmes e fortes.
Quais os projectos em carteira para este ano?
A12transfusons não pára, tenho uma equipe fantástica que gosta de trabalhar e está sempre disposta a sujar as mãos. Depois desta mixtape lançaremos o Ruaportagem do grupo Artigo 9.0, um Ep que temos vindo a trabalhar e que só esse ano finalmente vamos poder metê-lo nas ruas, esperamos que seja bem recebido porque estamos a depositar aqui as nossas energias.
O que é o Ruaportagem?
É uma abordagem das ruas, os problemas da população, o modo de vida dos cidadãos, as diferentes maneiras de encarar e sobreviver, os sacrifícios do dia-dia, é um olho das câmara nas ruas de Luanda, e toda a sociedade envolvente.
[A versão integral desta entrevista foi publicada originalmente a 9 de Janeiro de 2014 no website Buala com o título Underground lusófono: Asterix o Néfilim fala da mixtape submundo luso vs 12transfusons.]