Piadas e comentários de conteúdo ofensivo e discriminatório do apresentador de televisão Danilo Gentili ganharam novamente destaque no noticiário, reacendendo o debate sobre os limites do humor no Brasil.
Em um dos casos, o apresentador dedicou alguns minutos de seu programa a fazer piadas de uma das maiores doadoras de leite materno do Brasil, a pernambucana Michele Rafaela Maximino, que até então havia doado mais de 300 litros de leite para hospitais de Pernambuco.
Como comenta Giovanna Balogh, do Blog Maternar:
No programa do último dia 3, o comediante fez piadas em rede nacional utilizando uma foto dela sem autorização. Gentili chegou a comparar Michele com o ator pornô Kid Bengala. “Em termos de doação de leite, ela está quase alcançando o Kid Bengala.”
A ofensa teve efeitos que foram além da televisão. A doadora passou a sofrer ofensas na cidade em que mora, Quipapá, no interior de Pernambuco. Alguns moradores a chamaram de “vaca do Gentili”. Ela diz que pretende parar de doar leite pois se sente humilhada.
Os efeitos psicológicos da humilhação foram devastadores para Michele, que dirigia 80 km para realizar a doação de leite em Caruaru:
Ele falou essas barbaridades e eu estava fazendo um incentivo às mães a doarem leite”, disse Michele. ”Eu passava na rua e o povo falava : ‘Olha a vaca de Danilo Gentili’!’. Fiquei várias noites sem dormir. Um peito secou”
A doadora processou Danilo Gentili e a Rede Bandeirantes, e teve ganho de causa para que o vídeo com as ofensas fosse retirado do ar.
Os limites do humor
Houve quem defendesse o comediante, afirmando o perigo que poderia representar o ganho de causa na justiça para retirar o vídeo do ar. Tal foi o caso do analista político Flavio Morgenstern:
Danilo Gentili se tornou alvo da patrulha graças a uma piada. Não se junte à patrulha: hoje foi o Gentili. Amanhã poderá ser você.
Já o jornalista Kiko Nogueira, do Diário do Centro do Mundo, lembrou a diferença entre o politicamente incorreto utilizado por vários comediantes dos Estados Unidos, como ferramenta para questionar os preconceitos e as estruturas de dominação sociais, enquanto humoristas como Danilo Gentili escolhem pessoas que são alvo de discriminação social, ressaltando esta discriminação com um humor que chamou de estupidez:
Gente como Andrew Dice Clay, George Carlin, Lenny Bruce, entre outros, são expoentes dessa escola. Eddie Murphy também. […] Murphy tirava sarro de negros, como Chris Rock. Uma diferença é que eles são negros. A outra é que eles são engraçados e inteligentes. […]O que a turma de Gentili faz é outra coisa. Um dos nomes é covardia.
Este debate tem ocorrido com frequência no país, já que programas de humor tem dado cada vez mais espaço para conteúdos ofensivos, cujos alvos são grupos discriminados socialmente, como os negros, as mulheres e os LGBTs.
No blog Papo de Homem, o blogueiro Alex Castro escreveu a Carta Aberta aos Humoristas do Brasil, texto que ganhou grande repercussão por tratar dos limites do humor e seu papel e responsabilidade no contexto social. Num dos trechos da carta provocativa aos humoristas brasileiros, Alex desafia:
É muito mais difícil fazer humor sem usar esses estereótipos que confirmam e fortalecem as culturas assassinas do nosso país: a homofobia, o machismo, o racismo.
Será que vocês conseguem? Será que conseguem, ao mesmo tempo, ser engraçados e não ser cúmplice dos assassinatos de mulheres, negros homossexuais.
Sei que não é fácil. Se fosse fácil, eu não estaria pedindo. Se fosse fácil, eu não estaria propondo o desafio.
Mas é tão necessário. É tristemente necessário.
Porque os humoristas alemães que faziam piadas de judeu em 1935 não são inocentes de Auschwitz não.
Um dos quadros de outra rede de televisão brasileira, a Adelaide do Zorra Total, que traz traços estereotipados dos negros, vem há algum tempo sendo alvo de críticas e processo na justiça, e apesar disso até hoje se mantêm no ar. O quadro utiliza um artifício que era muito comum nos Estados Unidos durante o período da segregação racial: um ator branco que se pinta de negro (na verdade de uma mulher negra), destacando e zombando dos traços dos afrodescendentes, algo que em si traz uma carga de cunho racista. Sergio Martins afirma que o personagem não é humor e que se trataria de “alguma coisa criada por mentes racistas que utiliza um conjunto de estereótipo historicamente construído pela sociedade brasileira para representar negros e negras”.
Gentili e Racismo
Os negros também foram alvo do humorista Danilo Gentili, dessa vez em um comentário no Twitter no qual ele oferece “bananas” a um internauta negro, e logo depois apaga o tuíte racista.
No post “A certeza da impunidade”, a autora Juliana Gonçalves relata:
O redator Thiago Ribeiro, 29 anos, estava cansado dos ataques à comunidade negra realizados pelo comediante Danilo Gentili, quando editou e postou no Youtube um vídeo que enfatiza o conteúdo racista veiculado nas “piadas” do humorista da TV Bandeirantes.
O vídeo foi retirado do Youtube a pedido de Gentilli alegando uso indevido de imagem.
O conflito não parou por aí, e chegou à ofensa racial no Twitter por parte de seguidores de Gentili que começaram também a agredir e reforçar o teor racista do comentário com frases como: “Indo levar umas bananas pro @Lasombraribeiro para ele ficar quieto”, do perfil de @BiahNunes_; “(Sic) CHICOTADAS NELE pfvr”, escrito por @jaqporra e “Ele nem é tão negro, ele sabe fazer um Twitter e sabe tirar print” de @RaquelRangel0.”
Os efeitos diretos deste tipo de humor parecem tão evidentes, que a afirmação de Flavio Morgenstern citada acima, “Amanhã poderá ser você”, poderia muito bem se referir às vítimas do humor ofensivo.
Como coloca Lays Moreira num artigo escrito em colaboração com o professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Henrique Marques-Samyn:
Não se pode mensurar os prejuízos que o “humorista” causou, ainda que Michele ganhe a ação indenizatória que ela move contra Gentili. Isso porque suas ações, sua irresponsabilidade no uso do que ele chama de humor, afetaram vidas, reforçaram estereótipos de opressão, desestimularam a empatia e a solidariedade humana. Mal demais causado pelo que pretende ser apenas “uma piada”.
Esta dificuldade de enxergar e reconhecer a alteridade e o debate sobre os limites do humor foram tratados no documentário O Riso dos Outros, que inclui entrevistas com os humoristas Danilo Gentili e Rafinha Bastos, o cartunista Laerte e o deputado federal Jean Wyllys, entre outros. O filme, dirigido por Pedro Arantes, ganhou grande repercussão, com quase 300.000 visualizações no Youtube.
1 comentário
Nossa, o Flavio Morgenstern (estrela da manhã ou capiroto) é agora analista político? Uau, pensei que ele era somente um estudante de letras que serve de braço direito do Reinaldo Azevedo no Instituto Millenium e articula a direira na USP. Que ascensão!