Cerca de 100 pessoas se reuniram na sexta-feira (23) para protestar contra a violência e por justiça no caso do assassinato de Toni Bernardo da Silva, 27, ex-estudante de Ciências Econômicas na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e oriundo de Guiné-Bissau. O protesto, realizado em frente à pizzaria de Cuiabá em que Toni foi espancado até à morte, foi organizado pelo grupo de estudantes africanos que participam do intercâmbio oferecido pelo governo brasileiro a jovens de países africanos lusófonos.
De acordo com a Polícia Civil, o estudante chegou a pizzaria por volta das 23h da última quinta-feira. No local, ele começou a pedir dinheiro aos frequentadores do restaurante. Em uma das mesas, o universitário esbarrou em uma mulher. O namorado dela, o empresário de 27 anos, e os dois Polícias Militares (PMs) que estavam à paisana no local, retiraram à força o universitário do estabelecimento e começaram a agredi-lo com socos e pontapés. Laudo médico aponta que a morte foi causada por rompimento da traqueia, provocado por um forte golpe desferido por pessoa que pratica artes marciais. Os suspeitos foram autuados em flagrante e vão responder na Justiça pelo crime de homicídio. Em depoimento, eles disseram que apenas imobilizaram o rapaz.
O crime indignou a comunidade acadêmica, que está organizando um protesto exigindo justiça e mais segurança para os estudantes. Em 2010 o Global Voices reportou sobre um outro caso de agressão contra uma estudante da Guiné Bissau.
A UFMT emitiu uma nota lamentando o ocorrido e entrou em contato com o Ministério da Educação e com o Ministério das Relações Exteriores (MRE), que desenvolvem o programa, e com a Polícia Federal, para as providências. Toni era bolsista na universidade e deveria se graduar no fim deste ano no curso de economia, no qual havia entrado em 2006. Porém, segundo a assessoria da instituição, ele havia sido desligado do curso:
Em 2010, a Pró-Reitoria de Ensino de Graduação apoiou o então aluno e tentou auxiliá-lo para resolução de seus problemas acadêmicos e pessoais, que geraram o abandono dos estudos e a reprovação. Foi prestada assistência e oferecido acompanhamento psicológico ao estudante, por meio da Coordenação de Assistência e Benefícios (Cabes), sem a sua adesão satisfatória. Consequentemente, o desligamento ocorreu em fevereiro de 2011, conforme as exigências estabelecidas pelo Convênio PEC-G/MEC/MRE, entre as quais o abandono dos estudos e a reprovação.
Segundo a estudante Catende Malan Domingos, de 23 anos, que também participa do programa internacional, Toni havia abandonado os estudos por desânimo ou por alguma doença. Já a polícia afirma que o bissau-guineense era usuário de drogas e possuía quatro passagens por furto. Desde fevereiro sua família, que já foi avisada do caso e aguarda liberação do corpo, mandava dinheiro para que ele sobrevivesse enquanto ele procurava emprego. O rapaz deixou uma ex-namorada brasileira que está grávida dele.
“A maior ameaça é o silêncio”
Dono do blog Jornalismo Liberto, o estudante de jornalismo Adoniram Magalhães produziu uma análise que sintetiza como foi a cobertura do caso pela mídia local: descriminatória e confusa:
(…) alguns veículos publicaram e ainda publicam o fato de uma forma estranha, parecem até que estão procurando justificativa para o fato, desvirtuando o foco da morte de um ser humano que poderia ser brasileiro, africano ou iraquiano.
O fotógrafo Lucas Ninno, em seu blog, publicou uma entrevista áudio que fez a um estudante de Cabo Verde em Cuiabá, amigo de Toni, mostrando uma “versão que a mídia não mostra” sobre o caso.
Um email que circula na internet falando sobre o clima de medo que se instaurou entre os estudantes africanos bolsistas na UFMT, para quem “a maior ameaça é a do silêncio”, pede:
que a Universidade (UFMT) [tome] alguma atitude no sentido de os representar, bem como ao jovem assassinado, pressionando a justiça brasileira a não permitir que o caso [seja] (mais uma vez) abafado e que os culpados recebesse a punição merecida. Fizeram uma passeata a pedir Paz. A polícia não deve estar confortável com esta atitude. Há indícios de que a polícia esteja a tentar silenciar as testemunhas e a fazer contra-informação. A polícia ronda o bairro escuro e pobre onde a maioria destes estudantes moram. Por alguma razão estes jovens não se estão a sentir mais seguros com isso.
E termina:
Se ninguém mais no mundo souber do que se está a passar ali o que será que lhes pode acontecer mais? O medo instalou-se. A História conta-nos que o medo é inimigo da razão, da sensatez. Quantos não são os casos de escaladas de violência nas ruas que começaram exactamente assim?
Enquanto o processo não entra na justiça, restam as condolências oficiais. O ministro brasileiro das Relações Exteriores Antonio de Aguiar Patriota apresentou pessoalmente seu pedido de desculpas ao Embaixador Adelino Mano Queta, Chanceler em exercício e futuro Ministro da Justiça de Guiné-Bissau, em nome do Governo brasileiro, pela violência cometida contra o jovem. Os chefes de estado estão em Nova York por conta da 66ª reunião anual da ONU.
1 comentário
Eu gostaria em primeiro lugar manifestar as minhas dores sobre o fato ocorrido, e aproveito essa fala, para comentar sobre a questão dos cadastros que a embaixada da Guiné-Bissau pretenderá fazer, minha dúvida é o seguinte, em toda a fala da embaixadora só se ouve envolver os alunos do programa PEC-G, em nenhuma vez eu entendi a Sr embaixadora falar sobre os outros estudantes que não somos do programa. Ou será que estamos a ser desconsiderados como Guineenses… se na verdade o governo da Guiné, em pessoa do ministro da educação, de que o governo não responsabilizara de nenhum estudantes que veio fora do programa PEC-G…
SERÁ QUE VAMOS SER ABANDONADO A NOSSA PRÓPRIA SORTE, SÓ PORQUE NÃO PERTENCEMOS A PROGRAMA PEC-G…