A manchete parece de tablóide: “Nigerian senator marries 13-year-old girl” [Senador nigeriano casa com menina de 13 anos, em português]. Da mesma forma que muitas das notícias recentes vindas da Nigéria, parece estar mais à altura de um roteiro de Nollywood [pt] do que da cena política do país mais populoso da África. E também, como muitas das notícias da Nigéria, o fato de que uma trajédia lúgubre circula as manchetes internacionais é só a ponta de um iceberg político complexo.
Os pormenores da história são os seguintes: Ahmad Sani Yerima [en], senador e governador, no passado, do Estado do Zamfara [pt] na região Norte da Nigéria, foi acusado, várias semanas atrás, de se casar com uma menina egípcia de 13 anos de idade [en]. Outros detalhes logo surgiram – Yerima, tornou-se claro, pagou aos pais da menina um dote equivalente a US$100,000; o pai da menina era o motorista de taxi de Yerima, o casamento teve que ser feito na Nigéria para evitar que houvesse repercussões devido às leis no Egito. Blogueiros, ativistas, advogados e profissionais da saúde protestaram [en] veementemente à medida que a história se desenvolvia. Organizações de direitos das mulheres temiam pela saúde da menina, afirmando que ela ficaria exposta à fístula vesicovaginal (FVV). Grupos de direitos humanos se referiram ao incidente como um caso de tráfico de criança.
Numa época em que o choque de civilizações [pt] conquistou a imaginação do público em geral e na qual o terrorismo domina a agenda internacional, pode ser difícil separar o pessoal do político. Yerima já há bastante tempo tem sido controverso por ser uma ponte nesta separação: ele estava entre os líderes que re-introduziram a lei Sharia na região norte da Nigéria e em 2006 ficou no centro dos protestos por ter se casado com uma menina de 15 anos, de quem se divorciou dois anos depois. A população da Nigéria está dividida, a grosso modo, entre uma maioria islâmica no norte e uma maioria cristã no sul, um equilíbrio que foi colocado à prova devido a vários incidentes [en] nos últimos meses. O casamento de Yerima se insere nesta separação, ele justifica a união como sendo sancionada pelo Islã. “Não me importo com a questão de idade pois não violei qualquer regra no que diz respeito ao Islã” ele disse à BBC [en] uma afirmação provocativa para o ambiente já carregado da Nigéria.
Expressando os sentimentos de muitos blogueiros, Adeola escreveu [en] que a religião não deveria ser trazida para a discussão do que é essencialmente uma questão de direitos da criança:
Let us not hide under any form or religion or culture to deprive children from living or leading their lives normally.
Akin, também, vê [en] religião como uma forma de desviar a atenção para a verdadeira questão:
Should Islam suffer a battering because one man had to satisfy his lust for young flesh [?]
As ações de Yerima funcionam, ainda que por acaso, como uma espécie de ativismo devido a sua interpretação individual do Islã. Muitos políticos nigerianos não desejam enfrentar o cisma que há entre as partes norte e sul do país, apesar da evidência de tensão crescente. No que foi visto, em geral, como uma gafe, Ayogu Eze, porta-voz do Senado, disse inicialmente que o problema de Yerima era de natureza pessoal. Mas o público vê de outra forma e, quer tenha sido a intenção de Yerima ou não, o casamento certamente levou os nigerianos a discutir sobre a implementação da lei Sharia no Norte da Nigéria.
Escrevendo para This Day, Funke Aboyade reagiu [en] assim:
Did you think you could, as you had done for eight years in your fiefdom in Zamfara imposing your peculiar brand of the Shari'a on your impoverished citizenry, transport same to the national arena without sanction? Well, here's some news for you, Senator: you've breached a law, a law you swore to uphold. And you will be sanctioned in accordance with that law.
Sokari escreveu [en]:
Women Empowerment and Legal Aid [WELA] is demanding that the Federal Government arrest and prosecute Yerima for trafficking but not for forced marriage and rape. Why – because Yerima married the young girl under Sharia law and the age of consent in Northern Nigeria remains 13. This is so typical on all levels. No one has the guts to come out name the man and his crimes and challenge a law, religious or otherwise, which violates the rights of children as agreed by all international and African human rights legislation.
Um país com duas religiões e três grupos étnicos principais, e mais de 500 línguas nativas, a Nigéria se apresenta como um estudo de caso interessante em multiculturalismo. Mas, da mesma forma como em outras sociedades híbridas, integrar culturas diferentes sob um código legal único é frequentemente uma tarefa difícil. Nove dos 36 estados da Nigéria, incluindo o próprio Zamfara, estado do senador, seguem a lei Sharia que coloca os 13 anos como a idade de consentimento. Mas em Abuja, onde o casamento ocorreu, 13 está bem abaixo da idade de consentimento. Para aumentar ainda mais a confusão está o fato de que o Governo Federal ratificou a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança assim como outros tratados de proteção à criança que aparentemente se sobrepõem às leis estaduais e colocam a idade de consentimento em 18 anos. É neste contexto que Yerima fez uso do Islã para justificar a legalidade do casamento. Falando para a BBC [en], ele disse:
I consider God's law and that of His prophet above any other law. I will not respect any law that contradicts that and whoever wants to sanction me for that is free.
Funke Aboyade deu uma resposta [en] cáustica:
Really? Why then, Senator, are you in the Senate? Did you or did you not swear to uphold the Constitution of the Federal Republic of Nigeria?
Sokari concluiu [en]:
The two issues are the rights of children and secondly the fact that at this moment there are two Nigeria’s – the northern Sharia states and the rest of the country and the former is increasingly removing itself from the Federal structure and picking and choosing which Federal and international laws it will uphold and those it will ignore.
Desde que a notícia saiu, uma investigação [en] foi lançada pelo Senado. Mas Boma Tai-Osagbemi mostrou-se crítico [en]:
Nothing will ever come out of the ‘investigation'…. I suspect this man will still be untouched and unscathed!”
Se a investigação produzirá quaisquer resultados é [algo que] está para ser visto. Qualquer que seja o resultado, o incidente coloca um precedente importante e, pelo menos, reacende o debate sobre federalismo na Nigéria.