O que a terceirização irrestrita significa para os trabalhadores do Brasil?

Imagem: Agência Brasil/Usada com permissão

“Volkswagen mantinha trabalhadores até 30 dias sem descanso”. “Telemarketing de bancos e operadoras cronometrava tempo para o banheiro”. “Terceirizados da Petrobras não recebiam salários”. “Companhia aérea abandonou seus funcionários”. “Costureiros da Renner eram submetidos a trabalho escravo”. Essas são algumas das histórias reunidas pelo site Repórter Brasil para mostrar o quanto, historicamente, a terceirização do emprego, tem deixado trabalhadores vulneráveis no Brasil.

A terceirização acontece quando há transferência de determinada função de uma empresa a outra. No final de agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF), mais alta Corte de Justiça do país, declarou constitucional o uso irrestrito deste tipo de contrato, mesmo para as chamadas atividades-fim (atividade que define a área de atuação de uma empresa). A discussão confirma o que já estava previsto na reforma trabalhista aprovada no Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Michel Temer.

Na prática, isso significa que escolas, por exemplo, poderão contratar professores através de empresas terceirizadas. Ao invés de pagar direitos trabalhistas, salários e criar vínculo de emprego com esses profissionais, eles terão um contrato com outra empresa que intermediará a relação de trabalho.

Antes, as atividades-meio, aquelas que não são o objetivo principal da empresa, como limpeza, segurança ou manutenção, eram as únicas que poderiam ser terceirizadas. Até a decisão do STF, prevalecia no Brasil o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que impunha limites à contratação de trabalho terceirizado.

A Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas (Anamatra) criticou a decisão do Supremo, dizendo que a vê “com grande tristeza e apreensão” e alegando que a medida “agrava problemas”.

Restará agora aos juízes do Trabalho avaliar concretamente, caso a caso, se o modelo adotado frustrará os direitos sociais, em detrimento das garantias constitucionais e legais do trabalhador.

Em 2015, um informe da Organização Internacional do Trabalho (OIT) já alertava que 66% dos trabalhadores brasileiros não tinham contratos permanentes ou garantias de direitos. Em comparação, em países desenvolvidos, essa taxa fica em torno de 15%, como mostra uma reportagem do jornal O Estado de São Paulo.  Na época, a lei sobre a terceirização ainda estava sendo discutida, mas a OIT já alertava que “ameaçaria direitos de trabalhadores” no Brasil.

Em entrevista à revista Carta Capital, o sociólogo Ricardo Antunes, professor da Universidade de Campinas, afirma que enquanto “na escravidão o trabalhador era vendido, na terceirização ele é alugado”.

É evidente que não estamos voltando ao trabalho escravo de 1500, estamos falando de uma escravidão inclusive digital, do trabalho terceirizado, precarizado, informal, do trabalho sem direitos, de uma dependência do sistema perverso de metas, que tem levado a suicídios e adoecimentos do trabalho.

Reforma profunda 

A decisão do STF refere-se apenas à constitucionalidade da terceirização ampla, um único ponto dentre as profundas mudanças previstas na reforma trabalhista, que atingiram mais de 100 dispositivos da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), as regras dos direitos do trabalho no Brasil, assinada em 1943, no governo de Getúlio Vargas. A lei foi criada para reduzir as tensões entre o movimento operário, responsável por grandes mobilizações populares nas décadas anteriores, como a greve geral de 1917, e o empresariado industrial que ganhava importância na economia nacional.

Mas, apesar de seguir vigente há 70 anos, a CLT já sofreu diversas alterações. Nenhuma delas, porém, tão ampla quanto a reforma aprovada em março de 2017. A nova legislação trabalhista brasileira abole a contribuição sindical, abre a possibilidade de que acordos entre trabalhadores e patrões prevaleçam sobre os direitos previstos na lei e importa novas modalidades de contratação, como os chamados contrato de zero horas, usados no Reino Unido, que não dão garantia de salário mínimo.

A reforma aprovada no governo Temer foi ressuscitada de um projeto proposto em 1998 pelo governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Temer defendeu a proposta como uma ferramenta para facilitar contratações e demissões e aumentar o número de contratos temporários. A esperança do governo era de que a flexibilização dos vínculos empregatícios levaria a uma expansão na oferta de empregos com a geração de 2 milhões de novos postos nos 2 anos seguintes.

Após dez meses de vigência, no entanto, não se verificam indícios de recuperação do mercado de trabalho. Se no segundo trimestre de 2018 o número de desempregados caiu de 12,9% para 12,4%, atingindo 13 milhões de brasileiros, especialistas apontam que a redução deve-se ao crescimento do mercado informal e do número de pessoas que desistiram de procurar emprego.

Excluído da estatística de desemprego, o número de pessoas que não trabalha nem busca emprego atingiu a marca de 65 milhões de pessoas. A maior já registrada no país.

Os resultados parciais no Brasil parecem seguir a mesma tendência gerada pela reforma trabalhista implementada pelo governo espanhol em 2012. Após 5 anos de vigência, os dados estatísticos do mercado de trabalho espanhol indicavam um aumento na oferta total de empregos, porém com menores salários e condições mais precárias, levando ao aumento na desigualdade no país.

O professor do Instituto de Economia da Unicamp Marcio Pochmann, em entrevista ao jornal Nexo, afirma que a insegurança e precarização do trabalho resultantes da reforma podem ter efeito negativo sobre o consumo das famílias, atrapalhando a recuperação da economia:

A reforma trabalhista institui um contrato que não garante um direito a renda mensal, o que estudiosos chamam de precarização do mercado de trabalho, aprofunda a instabilidade. Isso tira a previsibilidade da renda. Então era uma mudança estrutural sobre a qual vem uma recessão e depois a precarização. Enquanto não houver uma revisão da forma de formalização do mercado de trabalho, o problema continua. A reforma impede uma sustentação do emprego.

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