Esse artigo foi publicado originalmente por We Are Not Numbers, em 9 de outubro de 2023. Ele foi escrito por Eman Ashraf Alhaj Ali, como narrativa pessoal de alguém sob bombardeio constante.
Depois de um ataque pelo Movimento de Resistência Islâmico (Hamas) no dia 7 de outubro, Israel lançou um ataque aéreo em grande escala na Faixa de Gaza, desconsiderando a segurança de civis presos na região, que vive sob cerco há mais de 16 anos. Além disso, as ações de Israel incluem “punição coletiva“, cortando fornecimento de itens essenciais como comida, água, combustível e eletricidade, e colocando em risco as vidas de mais de 2,5 milhões de pessoas vivendo na região. As perdas de vidas nesses eventos recentes têm sido massivas.
Se tem uma coisa que eu gostaria que as pessoas soubessem sobre como é viver sob ocupação israelense, é como rapidamente o canto dos pássaros pode ser substituído pelo guincho de mísseis. Na maioria das manhãs em Gaza, minha família acorda com uma sinfonia de pardais espanhóis na janela da nossa cozinha. Minha mãe desperta meus irmãos mais novos com ternura e nossos dias começam com orações de Al-Fajr — nos banhando nas bençãos de Allah, enquanto antecipamos nossas meticulosas listas de tarefas.
No entanto, a manhã de 7 de outubro nos lembrou que nossas rotinas, ainda que sagradas, nunca estão seguras. Meus olhos se abriram, dominados pelo terror do rugido estrondoso de mísseis rompendo o céu tranquilo sobre nossa casa.
”Mãe, o que está acontecendo?”, minha voz estremeceu.
Meus irmãos e irmãs, com idades entre seis e 12 anos, tinham acabado de sair para a escola. Nós corremos para a janela e os vimos na rua, enquanto eles pediam socorro, com as vozes carregadas de medo. ”Voltem imediatamente”, minha mãe implorou.
”Os dias de temor esmagador voltaram… mais uma vez”, eu murmurei, minha voz pouco acima de um sussurro. Busquei meu telefone, procurando respostas no mundo digital. Manchetes como “Israel promete ‘vingança poderosa’ depois de ataque surpresa” me levaram às lágrimas. Uma mudança tão brusca de eventos pode ser difícil de compreender, mas assim é a vida em Gaza. Pássaros cantando em um minuto; mísseis no seguinte.
Apenas alguns dias antes, a vida seguia suavemente. Depois do trabalho, eu fui para academia e a seguir encontrei meu amigo Asmaa. Nós discutimos a necessidade urgente de nos aprofundarmos na realidade de partir o coração de Gaza, de desenterramos as verdades escondidas sob a superfície. Mal sabíamos que iríamos despertar para outro sonho destruído, outra provação agonizante.
Nos últimos dias, as notícias tristes que seguem chegando, cada uma como uma revelação mais insuportável que a outra: Israel visa casas de civis, deixando um homem sem a família inteira. Uma menina lamenta a perda da melhor amiga. As mortes chegam às centenas. Mais almas tiradas do meio dos pedregulhos. Incontáveis prédios deixados em ruínas, uma paisagem arruinada por massacres e genocídio. Mesquitas — símbolos da nossa fé — obliteradas, e pelo menos duas ambulâncias virando alvos.
Mesmo agora, o som angustiante das sirenes me desorienta, o barulho ensurdecedor dos mísseis próximos de casa testa minha compostura, e o brilho do perigo próximo pinta minha janela de vermelho. Mas eu sinto o peso das minhas responsabilidades em cima de mim, e não tenho outra escolha a não ser apertar o botão de ligar. Agarro meu laptop e me forço a focar, sabendo que não cumprir com os prazos de entrega não é uma opção.
Como toda família de Gaza, nós temos nossas malas de emergência preparadas, contendo roupas essenciais e documentos para caso de evacuação imediata. Nos juntamos, uma família unida pelo medo do desconhecido, nossas orações mescladas com o fluxo incansável de notícias de última hora.
Isso é Gaza, uma existência amarga, onde cada dia te leva um pouco mais perto do limite. Nós encaramos diariamente o espectro da morte, sob o peso de um opressor injusto, um Estado desumano e sem dó que agarra nossos pescoços — roubando a inocência e a alegria de nossas crianças, e o canto dos pássaros de nossas janelas.