Como se vê um país em guerra. Fotos de uma viagem pela Ucrânia

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Apesar de ser bombardeada de tempos em tempos, Lviv, no oeste da Ucrânia, é considerada uma cidade segura. Ela continua sendo um dos principais destinos turísticos do país e um dos principais centros ferroviários para viagens a resorts nos Cárpatos ou no estrangeiro. Todos os voos civis foram cancelados na Ucrânia desde a invasão russa em 24 de fevereiro de 2022. Lviv, julho de 2023. Foto de Yulia Abibok, usada com autorização.

Muitos têm uma ideia concreta de como é um país em guerra: escombros sem fim, destruição e sinais evidentes de sofrimento. Na Ucrânia, as pessoas costumam dizer que a guerra não é vista nem sentida quando se viaja por grandes cidades como Kiev. No entanto, para quem conhece o país, mas não o visita desde a grande invasão da Rússia em 24 de fevereiro de 2022, os sinais, restos e memórias de agressão armada estão espalhados por toda parte.

Nasci na Ucrânia e vivi lá – em Donetsk, Kiev e Lviv – durante a maior parte da minha vida, até meados de setembro de 2022. Regressei à Ucrânia em julho de 2023, após dez meses de ausência, e fiquei cerca de seis semanas, atravessando o país várias vezes. Isto é o que eu vi.

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Ternopil. Julho de 2023. Foto de Yulia Abibok, usada com autorização.

Pouco depois da invasão russa, o governo ucraniano proibiu a publicação das taxas de câmbio para conter o pânico financeiro e o crescimento especulativo. Alguns sites de câmbio encontraram outra forma de atrair clientes. Aqui, uma placa em um mercado em Ternopil, uma cidade no oeste da Ucrânia, diz que a taxa de compra é “cara”, enquanto a taxa de venda é “barata”.

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Lutsk. Julho de 2023. Foto de Yulia Abibok, usada com autorização.

Na cidade de Lutsk, no noroeste do país, a guerra passa despercebida por não ter sido alvo habitual de ataques aéreos russos, apesar de estar próxima da Bielorrússia, aliada militar da Rússia. A cidade também é um dos destinos turísticos mais valorizados da Ucrânia. Possui vários monumentos impressionantes, como esta fortaleza e castelo do século 14, um das poucas bem conservadas na Ucrânia.

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Lutsk. Julho de 2023. Foto de Yulia Abibok, usada com autorização.

Nos prédios de apartamentos da era soviética na aconchegante Lutsk, o tempo parece ter parado. Há crianças brincando nos pátios entre as roupas secando ao sol, e os jardins repletos de flores plantadas pelos vizinhos. Nas cidades e vilarejos mais próximos da linha de batalha, as poucas crianças que restam não brincam ao ar livre por causa do perigo de bombardeios e das minas.

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Lutsk. Julho de 2023. Foto de Yulia Abibok, usada com autorização.

Em um parque em Lutsk, uma cegonha se aproximou de dois jovens por atrás, mas quando começaram a alimentá-la, ela ganhou confiança e os enfrentou. Meu colega local disse que nunca tinha visto algo assim. Uma guerra não afeta somente os seres humanos, mas também provoca alterações nos ecossistemas, mesmo em locais distantes do campo de batalha.

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Kiev. Julho de 2023. Foto de Yulia Abibok, usada com autorização.

Um edifício em Ivankiv que abrigava pinturas de Maria Prymachenko, a artista folclórica ucraniana mais famosa do país, foi destruído pelos bombardeios russos em fevereiro de 2022, mas os moradores locais conseguiram esconder e salvar as pinturas. Em julho e agosto de 2023, as pinturas foram expostas em Kiev. O estilo de Prymachenko é conhecido como arte naif; seus leões, tartarugas, cobras e caranguejos são oníricos e fantásticos.

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Kiev. Julho de 2023. Foto de Yulia Abibok, usada com autorização.

O antigo Arco da Amizade dos Povos foi erguido em Kiev em 1982 para a comemoração do aniversário da criação da União Soviética e como símbolo da “unidade” centenária dos povos ucraniano e russo. Em 2022, as autoridades desmontaram a estátua que estava abaixo e que representava dois homens: um ucraniano e um russo. Algum tempo antes, em 2018, alguém pintou uma rachadura na parte superior do arco.

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Kiev. Agosto de 2023. Foto de Yulia Abibok, usada com autorização.

Muitos outros monumentos comemorativos de Kiev e Ucrânia foram modificados ou desmantelados. O país procura se livrar de todos os vestígios do império russo e do domínio soviético, uma medida que gera polémica, embora em menor grau do que antes de 2022. O monumento ao grande poeta russo Alexandr Pushki, em Kiev, foi coberto por uma série de pichações que exigem sua retirada. As autoridades imperiais e soviéticas utilizavam as estátuas de Pushkin para marcar presença política e a sua esfera de influência.

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Kiev. Julho de 2023. Foto de Yulia Abibok, usada com autorização.

As autoridades ucranianas não revelaram o número de morte de militares, mas este “gramado” na central Praça da Independência de Kiev (mais conhecida como “Maidán”) dá uma ideia do número de mortos. Cada bandeira tem dados de um soldado morto.

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Kiev. Julho de 2023. Foto de Yulia Abibok, usada com autorização.

Um mural na Administração Municipal de Kiev representa a Valery Zaluzhny, comandante-chefe das forças armadas ucranianas, levando o presidente russo, Vladimir Putin, ao tribunal. Putin tem um processo de prisão com a palavra Huylo (imbecil), o apelido que ganhou na Ucrânia. O sentimento popular na Ucrânia expressa que o país nunca estará seguro a menos que a Rússia seja derrotada e os seus líderes punidos pela lei.

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Kiev. Agosto de 2023. Foto de Yulia Abibok, usada com autorização.

Embora Kiev estivesse vazia nos primeiros meses da invasão russa, é agora a cidade mais segura da Ucrânia graças à defesa aérea reforçada. Ainda está entre os principais alvos das forças russas e teve um número sem precedentes de ataques e interceptações em maio de 2023, quando a capital ucraniana foi bombardeada nas 20 noites daquele mês pelos “imbatíveis” mísseis balísticos Kinzhal, que pareciam ser interceptáveis. Sirenes aéreas são ouvidas em Kiev todos os dias e todas as noites, mas não impedem que os jovens locais saiam para aproveitar a vida.

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Kiev. Julho de 2023. Foto de Yulia Abibok, usada com autorização.

Os eventos públicos voltaram a Kiev. Muitos são organizados para arrecadar fundos para a marinha ucraniana, como este concerto em Podil, zona histórica da cidade.

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Kiev. Julho de 2023. Foto de Yulia Abibok, usada com autorização.

Desde outubro, a Ucrânia voltou a ter iluminação, depois dos meses escuros de outono e inverno de 2022, quando as forças russas começaram a atacar as infraestruturas elétricas ucranianas. No entanto, nem todas foram reparadas ou poderão ser colocadas em serviço novamente, por isso muitos ucranianos ainda esperam mais ataques de foguetes e meses frios mais difíceis.

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Kiev. Julho de 2023. Foto de Yulia Abibok, usada com autorização.

Alguns nomes e placas na Ucrânia parecem uma dor fantasma desde 2014 e especialmente desde 2022. A placa do metrô de Kiev indica a estação para onde os passageiros poderiam mudar para outro meio de transporte para chegar ao aeroporto de Boryspil, que foi destruído pelos ataques direcionados russos em fevereiro e março de 2022.

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Járkow, centro da cidade. Agosto de 2023. Foto de Yulia Abibok, usada com autorização.

Járkov era a maior cidade da Ucrânia depois de Kiev antes de 2022, mas agora está praticamente despovoada. Localizada no Leste, foi uma das mais bombardeadas até outubro de 2022, quando as forças ucranianas expulsaram os militares russos da região de Kharkiv, que ocupavam desde o início da invasão. O centro da cidade, incluindo as administrações municipais e regionais, sofreram danos graves, sendo um dos bairros da cidade mais impactados.

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Járkov. Agosto de 2023. Foto de Yulia Abibok, usada com autorização.

Muitos negócios fecharam na Ucrânia após a invasão russa em 2022. Outdoors vazios e vitrines fechadas nos lembram dos perigos e desafios econômicos que os ucranianos continuam enfrentando.

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Odessa. Agosto de 2023. Foto de Yulia Abibok, usada com autorização.

A Ucrânia é considerada atualmente a área mais minada do mundo devido às minas terrestres plantadas na linha da frente pelas forças russas, que cavaram para defender as suas posições nos territórios que ocupavam; mas também pelas munições explosivas presentes nos lugares bombardeados. O sinal de alerta em Odessa está nas árvores que separa o maior parque da cidade do porto marítimo.

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Odessa, mercado Privoz. Agosto de 2023. Foto de Yulia Abibok, usada com autorização.

As frutas e legumes escassearam na Ucrânia em 2022, já que as principais áreas agrícolas pareciam ser as mais afetadas, e todo o país tinha caído em um caos logístico. A agricultura e a logística local se recuperaram parcialmente desde então, mas os preços continuam mais elevados do que antes e, uma grande parte da produção local foi substituída por importações.

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Odessa. Agosto de 2023. Foto de Yulia Abibok, usada com autorização.

Odessa, às margens do Mar Negro, foi durante décadas um dos maiores destinos turísticos para ucranianos, moldavos e até bielorrussos e russos, até 2022. Nesse ano, as autoridades locais proibiram o banho de mar devido às minas. Esperava-se que a situação piorasse muito mais em 2023, após a destruição da barragem de Kakhovka, na parte ocupada pela Rússia da região vizinha de Kherson, o que provocou o lançamento no mar de dezenas de toneladas de produtos químicos, venenos, lixo e mais minas. No início de agosto de 2023, muitas estradas para a costa e praias permaneciam bloqueadas.

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Odessa. Agosto de 2023. Foto de Yulia Abibok, usada com autorização.

A proibição, no entanto, não impediu os cidadãos de Odessa e alguns turistas de tomar banho, especialmente nas zonas mais afastadas do centro, sem nenhum ou quase nenhum controle por parte das autoridades. Nesta foto, as pessoas estão na praia atrás da placa de alerta “Proibido tomar banho”. No dia seguinte à foto ser retirada, as autoridades locais reabriram várias praias de Odessa.

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