A China enfrenta crise alimentar e transforma florestas em terras agrícolas

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Após as inundações que arruinaram as partes central e sul da China em 1998, Pequim lançou o “programa Grain for Green” (ou “programa de conversão de terras agrícolas em florestas”) para resolver o problema da erosão do solo devido ao desmatamento. No âmbito do programa, as famílias rurais foram compensadas por suas terras agrícolas, as quais foram convertidas em terras florestais. Como resultado da iniciativa, a cobertura florestal chinesa aumentou de 8% em 1960 para os atuais 21%.

No entanto, o tão elogiado programa tem sido lentamente revertido desde 2020,  com a conversão de terras florestais em terras agrícolas para aumentar a produção de grãos. À medida que as estações chuvosas aumentam a erosão do solo e causam aumento das inundações, alguns cidadãos chineses recorreram às redes sociais para expressar críticas, compartilhando vídeos de florestas derrubadas e a erosão severa do solo em terras agrícolas recém-criadas.

A seguir, um vídeo amplamente compartilhado mostrando como as recentes terras agrícolas próximas à encosta foram destruídas durante uma tempestade:

Com a chegada das chuvas de verão, ocorreu a destruição dos campos com terraceamento, decorrentes da transformação de florestas em terras agrícolas.

Preocupações com a segurança alimentar

Sob a liderança do presidente chinês, Xi Jinping, garantir a segurança alimentar do país tem sido um dos principais objetivos do Partido Comunista Chinês (PCC). Sua expressão: “as tigelas de arroz do povo chinês devem sempre ser mantidas firmemente em nossas próprias mãos com grãos chineses nelas”, tornou-se o princípio orientador da política agrícola do país.

Em meio à crescente preocupação com o risco geopolítico desencadeado em consequência da invasão da Ucrânia pela Rússia e pelas tensas relações entre China e Taiwan, a crise de segurança alimentar foi ampliada. Na última abertura do Congresso Nacional do Povo (NPC), em março, o extrovertido primeiro-ministro, Li Keqiang, disse que a China aumentará sua produção de grãos em 50 milhões de toneladas em 2023 e construirá centros de armazenamento para suprimentos emergenciais de necessidades diárias.

Embora a produção total de grãos da China – de 686,53 milhões de toneladas em 2022 – possa alimentar totalmente sua população de 1,3 bilhão, o país continua sendo o maior importador de alimentos do mundo. De fato, a taxa de autossuficiência alimentar do país diminuiu de 93,6% em 2000 para 65,8%. O partido no poder considera esta tendência uma crise de segurança alimentar.

Para enfrentar a crise, a China deve aumentar a produção anual de grãos, com 103 milhões de hectares do total de 120 milhões de hectares de terras aráveis dedicados à produção de grãos. Também incrementará seu setor de sementes, fortalecerá o sistema de liderança rural e fornecerá bilhões de subsídios para revitalizar o setor agrícola e muito mais.

Para cumprir a meta, o país precisa expandir as terras agrícolas disponíveis para a produção de grãos. No entanto, a maioria dos agricultores não é incentivada a plantar grãos, pois culturas comerciais, como árvores frutíferas e flores, são mais lucrativas. Assim, os governos locais estão recorrendo a campanhas políticas e medidas coercitivas para converter as terras para a produção de grãos, reforçando a gestão rural de terras com novas equipes locais de segurança pública conhecidas como “nonguan“, que estão interferindo em inúmeros aspectos da vida rural e dos meios de subsistência.

Substituir florestas por campos de arroz com  terraceamento

Nos últimos meses, agricultores compartilharam vídeos mostrando como suas colheitas comerciais, como árvores frutíferas, foram eliminadas para dar lugar a campos de grãos. As seguintes imagens vieram da província de Zhejiang:

Em Zhejiang, as árvores de bambu foram plantadas por três anos, e agora tiveram que ser derrubadas para converter o terreno em terras agrícolas. Isso é uma loucura!

Outro vídeo mostra que o “muro verde” construído para bloquear tempestades de areia perto da cidade de Harbin foi eliminado:

Não é à toa que as tempestades de areia nas províncias do norte ocorram com tanta frequência. Abrir mão da “água verde (água disponível no solo para as plantas e microrganismos) e da montanha” para dar lugar à “segurança alimentar”…

Vídeo: “Devolvendo a floresta às terras agrícolas: derrubando o ‘muro verde'”.

Como a China tem menos de 10% de terras aráveis, com algumas delas apropriadas para fins não agrícolas, incluindo espaço de armazenamento, estacionamentos, habitação, fazendas para gado, estradas e ciclovias, parques e espaços verdes, alguns governos locais estão procurando áreas montanhosas para novas oportunidades, sob o slogan da campanha “Plantando campos de arroz na colina” (水稻上山).

Um projeto de arroz de terras altas ocorreu em Yunnan, com cerca de 30 mil hectares florestais convertidos em campos com terraceamnto para o cultivo de arroz de terras altas. O vídeo abaixo mostra um dos locais de plantação de arroz de terras altas de Yunnan:

Yunnan aprendeu com Dazhai (uma aldeia na província de Shanxi, que serviu de modelo para a produção agrícola em toda a China durante as décadas de 1960 e 1970), plantando campos de arroz na colina.

O projeto de desenvolvimento de terras agrícolas foi baseado em um experimento inicial de cultivo de arroz de terras altas em um centro de pesquisa agrícola. Zhu Youyong, patologista vegetal e representante do NPC, afirmou que a equipe de pesquisa conseguiu ter uma produção de até 736 quilos de arroz em apenas um Mu (o que equivale a 0,066667 hectares) de terra.

No entanto, muitos duvidavam que o resultado de laboratório pudesse ser duplicado no ambiente natural, onde a qualidade dos solos não poderia ser controlada.  À medida que as fotos mostrando colinas verdes se transformando em terras estéreis se espalhavam nas plataformas de mídia social chinesas, as críticas se seguiram. Um post na rede social Weibo disse:

全国那么多优质的田地荒芜,不去耕种,非得把山推了,把田建在山上。水稻上山有几大弊端:一是容易造成水土流失,引发山洪;二是山上缺水,种植水稻只能靠天吃饭,即便有水抽,成本也覆盖不了;三是鸟兽的损耗;四是山上小梯田翻耕麻烦,收割麻烦,搬运麻烦,不利于机械化,成本高出一大截。

Se por um lado, tanta terra arável está abandonada em todo o país, por outro, os campos estão sendo transferidos para cima da encosta.  O arroz de terras altas tem alguns problemas. Primeiro, pode resultar em erosão do solo e deslizamentos de terra.  Segundo, a falta de abastecimento de água nos morros. Os agricultores têm que contar com a chuva para suas plantações de arroz.  É muito caro adicionar sistemas de irrigação morro acima. Em terceiro lugar, a produção seria afetada por aves e animais selvagens. Quatro, os campos com terraceamento são difíceis de manter. Arar a terra e fazer as colheitas exige uma enorme força de trabalho. O custo da mecanização não pode ser coberto.

Plantio de grãos em eco parques

A política de terras agrícolas não afetou apenas as áreas rurais. Como o governo chinês também está ciente de que terras aráveis são apropriadas para outros fins, incluindo parques ecológicos nas cidades, os governos locais são pressionados a converter os parques em terras agrícolas ou plantar grãos nos espaços verdes.

Em Chengdu, um cinturão verde de 100 quilômetros de extensão que conecta 120 parques dentro da cidade será convertido em cerca de 100 mil mu ou 6700 hectares de terras agrícolas. Como o cinturão verde custou ao governo de Chengdu 34,1 bilhões de yuans (aproximadamente US$ 5 bilhões), os moradores acharam a decisão inacreditável. Um comentário amplamente divulgado dizia:

花了341亿打造的天府绿道公园。这得收多少大米才能回本?作为农盲,我还是上网学习了一下。一亩水稻的利润在770元人民币算是比较高的…10万亩地一年能赚7700万……嗯,要442.8年才能收回公园成本。

Custou 34,1 bilhões de yuans para construir o cinturão verde. Quanto a produção de arroz pode cobrir esse custo? Eu pesquisei na internet e descobri que o lucro anual gerado por um mu de campo de arroz era  cerca de 770 yuans… 100 mil mu de terra podem gerar 77 milhões de yuans por ano. Serão necessários 442,8 anos para cobrir o custo do cinturão verde.

A China também enfrenta uma escassez de trabalhadores agrícolas, que está sendo exacerbada pela nova política. Embora o país tenha cerca de 450 milhões de agricultores, mais de 290 milhões são trabalhadores migrantes rurais que trabalham em áreas urbanas. Na realidade, há menos de 150 milhões de agricultores disponíveis. Um usuário da Weibo apontou:

退林还耕,把城里的公园改成农田,产出有多大?…关键是有没有人去种这些地。现在农村都有不少耕地没人种,变成了荒地。…除非种粮的回报可以高到吸引一批年轻人回归土地的程度,粮食保产增产才更现实。

Quanto vai gerar o “restabelecimento das florestas em terras agrícolas” e a conversão de parques urbanos em campos de grãos? […] O ponto-chave é que ninguém vai cuidar da terra. Mesmo nas zonas rurais, grande parte das terras aráveis foi abandonada e transformada em terrenos baldios… A menos que o lucro da produção de grãos seja elevado ao nível que os jovens estejam dispostos a retornar às regiões rurais, o plano não funcionará.

Enquanto isso, a China estabeleceu organizações de gestão rural para impor a execução da meta de plantio durante primavera de 2023. Alguns temem que o governo acabe restaurando a prática da agricultura coletiva para resolver o problema da escassez de agricultores. No ano passado, os chineses ressuscitaram as cooperativas de abastecimento e de mercado, um método criado na década de 1950 para apoiar a agricultura coletiva e fortalecer a governança rural.

O mundo está de fato passando por uma crise alimentar, já que a pandemia de Covid-19 e o conflito no Leste Europeu levaram os preços dos alimentos a um nível recorde. No entanto, de acordo com as estatísticas oficiais do país, a produção e as reservas de grãos da China estão longe de serem precárias. Muitos acreditam que a mudança de política repentina é uma resposta à tensão geopolítica. Mas parece que, antes que surjam ameaças externas, a China rural sofrerá outra revolução profunda.

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