Em 27 de junho de 2022, Baykar, o fabricante do destacado veículo aéreo de combate não tripulado Bayraktar TB2 (VACNT), divulgou em sua conta no Twitter um anúncio trilíngue turco-inglês-ucraniano afirmando que enviará três drones TB2 para a Ucrânia gratuitamente. Desse modo, os fundos arrecadados por meio da campanha coletiva “People's Bayraktar” para compra desses drones seriam direcionados para o “povo ucraniano em dificuldades”. O gesto desta influente empresa privada de defesa, cujo diretor de tecnologia, Selçuk Bayraktar, é genro do presidente turco Recep Tayyip Erdoğan, parece atenuar por um momento a decepção da Ucrânia sobre a relutância da Turquia em se juntar às sanções contra à Rússia. O porta-voz presidencial turco, İbrahim Kalın, alegou que as sanções prejudicariam mais a economia da Turquia do que a da Rússia. Essa “diplomacia dos drones” continua sendo uma ferramenta importante para manter a cordialidade das relações turco-ucranianas, apesar dos recorrentes altos e baixos refletidos, por exemplo, na oposição temporária da Turquia à candidatura da Finlândia e da Suécia à OTAN ou o suposto envolvimento dos portos turcos no transporte de grãos ucranianos roubados.
A busca da Ásia Central por veículos aéreos não tripulados militares (VANT) começou muito antes do estágio atual da guerra Rússia-Ucrânia, e foi marcado por duas tendências evidentes: a iminente ascensão de drones militares, que devem assumir um papel fundamental no futuro da guerra, e a gradual defasagem da Rússia de tecnologias militares avançadas e armas de precisão. Este último também se refletiria na queda global da participação russa nas exportações militares globais. De acordo com o Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo (SIPRI), o principal instituto de pesquisa sobre gastos militares e comércio de armas, as exportações totais de armas da Rússia em 2017-2021 (5 anos) caíram 26% em relação a 2012-2016, enquanto sua participação nas exportações globais de armas caiu de 24% para 19% nos mesmos períodos.
O mercado global de drones militares, que atingiu US$ 4,4 bilhões em 2015, foi dominado pelos Estados Unidos, China, Israel, Irã e Turquia, o último se tornando o quinto país a desenvolver e produzir seus próprios sistemas de aeronaves não tripuladas (SISVANT). Atualmente, o mercado de drones militares é avaliado em quase US$ 12 bilhões e estima-se que chegue a mais de US$ 17 bilhões em 2028. O ANKA, o primeiro drone militar autóctone turco, desenvolvido pelas indústrias aeroespaciais turcas (TUSAŞ) foi revelado em julho de 2010, enquanto o primeiro VANT Bayraktar TB2 armado concluiu os testes de fogo em 2015. A China já havia avançado na tecnologia de drones militares tendo, em 2012, pelo menos três VACNTs em funcionamento (CH-3, CH-4 e Wing Loong), com o sigiloso VACNT que concluiu seu voo inaugural em 2013. Enquanto isso, a Rússia planejava iniciar o desenvolvimento de VACNTs a partir de2014, e os testes de voo só iniciariam em 2017. Em 13 de junho de 2022, Yury Borisov, ex-vice-ministro da Defesa e atual vice-primeiro-ministro, admitiu que a Rússia estava atrasada na introdução de VANTs militares, e esse problema tornou-se evidente na campanha da Rússia na Síria.
De acordo com o Banco de Dados de Transferências de Armas do SIPRI, estados da Ásia Central cujos gastos militares globais em 2021 somaram US$ 1.8 bilhões em 2021, começaram a encomendar VANTs armados já em 2013 para serem entregues a partir de 2014, com o Uzbequistão e o Cazaquistão optando pela chinesa Wing Loong-1, e o Turquemenistão comprando drones chineses CH-3 e WJ-600. Ao mesmo tempo, apesar de ser um principal fornecedor de armas para a região, nenhum VACNTs foi encomendado ou entregue na Rússia.
Mesmo antes da invasão russa na Ucrânia, em fevereiro de 2022, e da guerra em curso, que revelou a enorme defasagem da tecnologia militar russa (especialmente nos campos de precisão, orientação e sistemas de armas autônomos, incluindo sistemas aéreos não tripulados), a reputação de armas russas, bastante elogiadas e promovidas, já estava comprometida durante os recentes conflitos na Síria, Líbia, Armênia e Azerbaijão pelo território Nagorno-Karabakh, onde os VACNTs desempenharam um papel importante. Até recentemente, a enorme campanha midiática da Rússia para promover a imagem da modernização militar, que incessantemente apresentou o país como o “líder global pela quota de armas modernas e atualizadas“, parecia começar a convencer até mesmo as potências ocidentais, como foi o caso do general norte-americano John Hyten, que elogiou a Rússia por seu “exército incrivelmente poderoso” que se transformou, nos últimos 20 anos, ou a Assembleia Parlamentar da OTAN, que discutiu a defasagem da OTAN em relação à Rússia em algumas tecnologias de defesa.
Em 2018, a Rússia lançou uma campanha midiática promovendo as capacidades anti-VANTs de seu exército, seguida pela formação de unidades especiais anti-drones, incluindo nas bases militares russas no Quirguistão e no Tajiquistão. Foi alegado que o exército russo adquiriu ampla experiência na campanha síria e que foram introduzidos numerosos sistemas de defesa aérea anti-VANT e de guerra eletrônica, alguns dos quais ofereciam defesa eficaz “contra todos os VANTs existentes” dentro da faixa de 100 km. Contudo, durante a guerra civil na Líbia, nove dos mais novos sistemas russos de defesa aérea de curto alcance Pantsir-S1s projetados, entre outras coisas, para a guerra anti-VANT, foram destruídos. Depois, após a guerra Armênia-Azerbaijão em 2020, novos sistemas russos de defesa aérea e guerra eletrônica foram duramente criticados pelo primeiro-ministro armênio, Nikol Pashinyan, por seu fracasso contra drones turcos e israelenses. Os sistemas de guerra eletrônica russos, incluindo sistemas anti-drones, também parecem se sair muito piores do que o anunciado na atual guerra Rússia-Ucrânia, pois, provavelmente, foram divulgados “para aumentar as vendas de exportação ou para impressionar os líderes russos”.
Como os sistemas de armas russos foram testados em combate em todo o mundo, muitas vezes falhando contra drones armados, os clientes tradicionais de exportação de armas russas na Ásia Central estavam tentando apressadamente preencher a lacuna em sistemas aéreos não tripulados, uma vez que a Rússia não oferecia alternativas viáveis. Depois de concluir um acordo com a Elbit Systems israelense, em 2019, sobre a produção conjunta de drones de vigilância e reconhecimento no Cazaquistão, o Ministério da Defesa cazaque enviou uma delegação em novembro de 2020, poucos dias após o fim da guerra Nagorno-Karabakh, para o 14º Comando de Sistemas de Aeronaves Não Tripuladas em Batman, na Turquia, para avaliar os drones Baytarrak TB2, empregados lá. Esse interesse foi interpretado como a tentativa do Cazaquistão de “abandonar os VANTs chineses” em favor dos drones turcos, o que foi um caso bastante comum, uma vez que, apesar dos preços acessíveis, os VANTs chineses parecem ter problemas de confiabilidade e peças de reposição. De fato, desde 2015, nenhum país da Ásia Central encomendou VANTs militares chineses, enquanto tanto o Turquemenistão quanto o Quirguistão encomendaram e entregaram Bayraktar TB2s entre 2020 e 2022.
Kazakistan Savunma Bakanlığından bir heyet, İHA ve tesislerinin incelenmesi kapsamında 23-25 Kasım 2020 tarihleri arasında 14’üncü İnsansız Uçak Sistemleri Üs Komutanlığını ziyaret etti.#MSB #TSK pic.twitter.com/WydilfwIVu
— T.C. Millî Savunma Bakanlığı (@tcsavunma) November 26, 2020
Uma delegação do Ministério da Defesa do Cazaquistão visitou o 14º Comando de Base de Sistemas de Aeronaves Não Tripuladas entre 23 e 25 de novembro de 2020 como parte da inspeção de VANT e de suas instalações.
No entanto, a corrida da Ásia Central por drones armados nem sempre ocorreu sem problemas, pois as perspectivas de comprar os mesmos Bayraktar TB2s tanto para o Quirguistão quanto para o Tajiquistão, dois países vizinhos, cujo persistente conflito fronteiriço deixou 55 mortos apenas no confronto de abril de 2021, causou indignação em ambas as sociedades. O assunto parecia tão vital que, apesar de empregar esses drones armados para o controle de fronteiras, o lado do Quirguistão apelou para que a Turquia não os vendesse ao seu vizinho, como revelou Jeenbek Kulubayev, o atual ministro das Relações Exteriores. A resposta dos turcos aos quirguizes, pedindo para não vender drones armados para o Tajiquistão no futuro permanece desconhecida até agora, mas foi o Irã que interveio e lançou a produção de drones de combate Ababil-2 no Tajiquistão, em 17 de maio de 2022, esquentando a corrida regional de drones. Alguns dias depois, o presidente Tajique Emomali Rahmon visitou o Irã, fortalecendo os laços entre as duas nações “irmãs”. Enquanto isso, como o futuro da indústria de defesa russa parece condenado devido às sanções e ao atual estado de guerra com a Ucrânia, o Cazaquistão decidiu optar por uma linha de produção conjunta de drones de combate Anka no Cazaquistão, enquanto o Uzbequistão já iniciou a produção do seu drone autóctone de vigilância e ataque.