Antígua e Barbuda diz que poluidores “devem pagar”, pois a mudança climática continua sendo uma ameaça para pequenos Estados insulares

O primeiro-ministro britânico Boris Johnson, o primeiro-ministro Gaston Browne de Antígua e Barbuda, e António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, cumprimentam-se na chegada à COP26, Cúpula de Líderes Mundiais da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas no SEC, em Glasgow. Foto de Karwai Tang/Governo do Reino Unido via página do Flickr da COP26, CC BY-NC-ND 2.0.

Este post foi publicado originalmente no site Friedrich Ebert Stiftung por meio da bolsa de jornalismo COP26 do Climate Tracker. Uma versão editada é republicada aqui com permissão como parte da cobertura da COP26 pela Global Voices.

Em 2017, o furacão Irma reduziu a pequena ilha caribenha de Barbuda a “literalmente escombros”, forçando toda a população de 1.400 residentes a ser evacuada para Antígua, sua ilha gêmea. A avaliação das necessidades de recuperação, liderada pelo Grupo Banco Mundial, concluiu que o Irma, juntamente com outro furacão, Maria (que atingiu Antígua logo depois), custaria à nação das ilhas gêmeas 377,2 milhões de dólares americanos em danos, perdas e necessidades de recuperação — uma conta no valor de 25% do produto interno bruto (PIB) do país naquele ano.

A capacidade destrutiva do Irma, que atingiu Barbuda como uma tempestade de categoria 5, foi provavelmente intensificada pelas águas mais quentes do Oceano Atlântico, consequência das mudanças climáticas.

Antígua e Barbuda, juntamente com todos os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS) do mundo, são responsáveis por menos de 1% das emissões de gases do efeito estufa (GEE), contudo, não há nenhum mecanismo ativo em vigor para responsabilizar os maiores emissores do mundo pelos esforços de recuperação por meio da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC).

Além disso, as regras da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estipulavam que Antígua e Barbuda era rica demais para se qualificar para a maior parte das doações de ajuda necessárias para reconstruir e repovoar Barbuda após o Irma.

“Imoral e injusto” é como Mia Mottley, primeira-ministra de Barbados, classificou o fracasso em fornecer financiamento para perdas e danos críticos para pequenas ilhas ao se dirigir aos participantes da Cúpula de Líderes Mundiais na COP26. Ela acrescentou que o preço da crise climática para os SIDS estava sendo medido em “vidas e meios de subsistência”.

Com as tendências atuais de emissões, as pequenas ilhas enfrentam uma ameaça existencial. O Relatório sobre a Lacuna de Emissões mostra que mesmo se cada país cumprisse suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) conforme o Acordo de Paris, até o ano 2100 a temperatura média mundial ainda aumentaria 2,7° C em comparação aos níveis pré-industriais. Um relatório especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) demonstra que essa diferença de meio grau é, de fato, uma questão de vida ou morte para os SIDS.

Diante disso, Antígua e Barbuda decidiu dar início à COP26 com um movimento grande e ousado feito em colaboração com Tuvalu, uma nação insular do Pacífico que está desaparecendo como resultado da elevação do nível do mar e da erosão costeira. As duas ilhas anunciaram uma plataforma para responsabilizar legalmente os grandes emissores por perdas e danos causados ​​por condições meteorológicas extremas.

Responsabilização dos poluidores

Com Barbuda ainda se recuperando dos efeitos do Irma cinco anos depois, fato reconhecido pelo presidente da COP26, Alok Sharma, durante o plenário de abertura, seu primeiro-ministro, Gaston Browne, veio à COP26 com um plano ambicioso: responsabilizar os poluidores.

No dia da Cúpula de Líderes Mundiais, ele se juntou ao primeiro-ministro de Tuvalu, Kausea Natano, para lançar uma comissão que investigaria formas legais de responsabilizar grandes emissores por perdas e danos sofridos em seus países de origem e outros SIDS.

“O poluidor deve pagar”, afirmou, esclarecendo que a declaração não pretendia ser um ato agressivo. As discussões sobre perdas e danos, no entanto, são um tópico sensível para pequenas ilhas, dizem os especialistas.

“Por muito tempo, os países desenvolvidos resistiram a qualquer esforço para reconhecer perdas e danos, por causa das responsabilidades e potenciais reivindicações de indenização que poderiam emanar disso”, disse Colin Young, diretor executivo do Centro de Mudanças Climáticas da Comunidade do Caribe (CCCCC).

Ele creditou à Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS) e aos negociadores do Caribe a inclusão do Artigo 8, que trata da questão de perdas e danos, no Acordo de Paris. No entanto, a ausência de qualquer menção de nações desenvolvidas aceitando responsabilidades foi resultado de um acordo.

De acordo com Young, as questões fundamentais na COP26 para pequenas ilhas são limitar o aquecimento global a 1,5° C acima dos níveis pré-industriais; obtenção de financiamento climático para adaptação; finalizar o livro de regras de Paris e criar um fundo de perdas e danos.

Ao discursar em um evento paralelo de alto nível da COP26 no Pavilhão AOSIS, o Ministro das Finanças de Tuvalu, Seve Paeniu, disse que tal fundo precisaria ser acessível aos países mais vulneráveis ​​na linha de frente da crise climática. “Isso é crítico porque mesmo com os mecanismos de financiamento atuais, como o Fundo Global do Clima, vários SIDS levaram anos apenas para acessar esse fundo global”, declarou Natano.

Novas contribuições

Um país desenvolvido que assumiu um papel de liderança pública na promoção de perdas e danos foi a Escócia. Na COP26, o país anunciou uma doação de 1 milhão de libras (US$ 1.340.990) para um fundo de perdas e danos em potencial.

“É uma questão de justiça climática”, declarou Young. “Nós [SIDS] não somos a causa desse problema que estamos sofrendo. Portanto, quando um país como a Escócia mostra liderança global e é o primeiro a colocar um milhão de libras em perdas e danos, isso é significativo”, acrescentou.

Por menor que essa quantia possa parecer, de acordo com o maior conglomerado de ONGs do clima, Climate Action Network (CAN), foi a primeira vez que uma nação desenvolvida adotou o termo “perdas e danos” e a implicação de responsabilidade associada. A Escócia está “estabelecendo um precedente que as nações mais ricas devem seguir”, disse o CAN em um comunicado.

O sentimento foi compartilhado por Caroline Mair-Toby, diretora e fundadora do Caribbean Institute of Small Islands, que considerou o gesto digno de reconhecimento, especialmente levando em conta que a Escócia não é um país independente. “O fato de que eles não são obrigados a fazer isso destaca fortemente a relutância dos países que são ricos e plenamente capazes”, afirmou.

O professor Payam Akhaven, o advogado que liderará a comissão em nome de Antígua e Barbuda e Tuvalu, disse ao Climate Tracker que esta medida da Escócia foi um “reflexo do crescente reconhecimento de que a mudança climática é consequência de uma conduta deliberada que causa danos”. Isso, acrescentou ele, é a prova de que a mudança climática deve ser enquadrada em termos de danos.

Atualmente, Antígua e Barbuda faz parte da diretoria AOSIS; no entanto, a comissão lançada com Tuvalu é independente da AOSIS e buscará angariar o apoio de outros membros nos próximos meses.

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