Confira a cobertura especial da Global Voices sobre o impacto global da COVID-19.
Na “guerra” contra a COVID-19, alguns governos do Oriente Médio estão banindo o jornalismo impresso “por tempo indeterminado“.
O setor de mídia e a imprensa, em particular, já estavam em condições ruins na região do Oriente Médio e Norte da África (MENA, na sigla em inglês). Assim como em outros lugares, os anos de queda nas receitas, a digitalização, conteúdo de má qualidade e a cooptação por autoridades levaram a uma diminuição do número de jornais impressos e de leitores.
A COVID-19 é o golpe mais recente ao setor do jornalismo impresso. Com a suspensão dos jornais impressos imposta por vários governos da região, pode-se dizer que a mídia impressa é uma vítima silenciosa do vírus:
17 de março de 2020: na Jordânia, o Conselho de Ministros do país suspendeu a publicação de todos os jornais “porque eles ajudam na transmissão da pandemia”.
22 de março de 2020: em Omã, o Comitê Supremo de Enfrentamento à COVID-19 ordenou que todos os jornais, revistas e outras publicações deixem de ser impressas e de circularem. No Marrocos, o Ministério de Cultura, Juventude e Esportes suspendeu a publicação e a distribuição de edições impressas porque “um grande número de pessoas utiliza jornais impressos diariamente, o que contribui para a disseminação do vírus, fazendo com que seja necessário proibi-los para proteger a saúde da população”.
23 de março de 2020: no Iêmen, o ministro das comunicações do governo Hadi — reconhecido pela comunidade internacional — decretou a suspensão dos jornais impressos como uma medida preventiva contra a disseminação da COVID-19.
24 de março de 2020: nos Emirados Árabes Unidos, o Conselho Nacional de Mídia interrompeu a distribuição de todas as revistas e jornais impressos.
A sucessiva proibição de jornais impressos na região promove a desestabilização de um setor frágil e dá origem a um vácuo de informação.
Para os jornalistas que já enfrentam condições de trabalho precárias, as proibições resultarão em sérios impactos financeiros, ou até mesmo em demissões.
O Sindicato dos Jornalistas da Jordânia solicitou um apoio urgente do governo para amparar o setor e salvar os que nele trabalham. “Centenas de jornalistas e trabalhadores da indústria de impressão estão sem renda e podem perder seus empregos”, disse o sindicato, acrescentando que o governo deveria “encontrar medidas adequadas que permitam que os jornais impressos voltem a ser publicados”.
Para os leitores, as medidas afetam negativamente o seu direito de acesso à informação. A proibição no Iêmen, por exemplo, tem um impacto ainda mais profundo, uma vez que a penetração da Internet no país é de apenas 25%, de acordo com estatísticas de 2019, e se concentra principalmente entre os jovens em áreas urbanas. Não há certeza em relação a como (e se) os leitores migrarão para a mídia on-line, bem como não se sabe quem preencherá esse vácuo.
Ter acesso à informação confiável, baseada em fatos, é essencial, sobretudo durante uma crise em que as pessoas recorrem à mídia para entender a situação e saber o que podem fazer na prática. Apesar disso, a maioria dos governos da região — perpetuando antigas práticas autoritárias — busca controlar e restringir a liberdade de expressão.
Na verdade, não há correlação entre a circulação de jornais impressos e a disseminação da COVID-19. Considerou-se seguro receber bens comerciais — como os jornais —, ainda que venham de áreas com altos índices de COVID-19.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS):
The likelihood of an infected person contaminating commercial goods is low and the risk of catching the virus that causes COVID-19 from a package that has been moved, travelled, and exposed to different conditions and temperature is also low.
A probabilidade de uma pessoa infectada contaminar bens comerciais é baixa, assim como é baixo o risco de contrair o vírus que causa a COVID-19 através de pacotes que foram movidos, transportados e expostos a diferentes condições e temperaturas.
Portanto, é possível que a decisão de proibir jornais impressos tenha motivações políticas e não seja baseada em evidências científicas.
Outros países afetados pela pandemia de COVID-19 abordaram a questão de maneiras diferentes. Mesmo na Itália, o epicentro da crise, com quase 20.000 mortes e regras de quarentena vigorosamente aplicadas, os jornais continuaram a ser publicados e impressos.
Na França, país também gravemente afetado pelo vírus, as bancas de jornal foram categorizadas como “serviço essencial” e autorizadas a permanecerem abertas. Diferentes setores, conselhos municipais, transportadoras e distribuidores se juntaram para garantir que os jornais impressos chegassem ao público.
No Reino Unido, o jornal diário gratuito Metro e o Evening Standard, que costumam ser distribuídos em estações de metrô, perderam uma boa parte de sua audiência com o confinamento. Agora, passaram a ser distribuídos em supermercados e entregues de porta em porta.
Estes são alguns exemplos que demonstram o esforço coletivo para manter o público informado. Desse modo, preserva-se o livre fluxo de informação, o que ajuda a construir resiliência durante a crise.
O Oriente Médio não adotou essa abordagem.
Sua resposta a grandes desafios como a COVID-19 é, uma vez mais, um cenário de repressão e controle. Os direitos humanos e a liberdade de expressão estão sendo massacrados sem que haja muita oposição ou indignação.
Enquanto manifestantes no Iraque continuam a resistir ao confinamento e a confrontar a polícia para protestar contra o assassinato de ativistas antigoverno, movimentos políticos e protestos na Argélia e no Líbano foram frustrados com a adoção do distanciamento social e a proibição de aglomerações.
Um ativista argelino, que pediu anonimato, disse à Global Voices:
They could not have dreamed of it. This virus is a benediction for the authorities. It gave them the excuse to stop us gathering and protesting for change that in other circumstances we would never have accepted.
Eles nem sonhavam com isso. O vírus é uma bênção para as autoridades. É a desculpa que precisavam para impedir que nos reunamos para protestar por mudanças, algo que jamais teríamos aceitado em outras circunstâncias.
Agora que a mídia impressa está morta em alguns países da região, não há qualquer garantia de que ela voltará. Já que não há previsão de quando (e se) as publicações impressas poderão voltar às bancas, poderia o simples ato de pegar um jornal ou uma revista tornar-se uma vaga lembrança em países como a Jordânia, o Iêmen e o Marrocos?