No Azerbaijão, ativistas contra violência doméstica estão se tornando alvos

Imagem por M.T ElGassier em Unsplash.

“Recebi uma ligação de meu vizinho, que me disse que tinha um homem procurando por mim no meu endereço de casa. O homem era o marido de uma mulher a quem eu ajudei a escapar depois de anos de violência doméstica e abuso”, explicou a psicóloga e defensora dos direitos das mulheres, Narmin Shahmarzade, em uma entrevista para a Global Voices. Outras ativistas pelos direitos das mulheres temem que incidentes como esse, em que pessoas envolvidas em ajudar uma vítima de abuso doméstico tenham suas informações pessoais reveladas por um terceiro, se tornem comuns.

No ano passado, a Anistia Internacional publicou um comunicado sobre o assédio e as represálias que as defensoras e ativistas pelos direitos das mulheres no Azerbaijão têm sofrido nos últimos anos. Difamação, chantagem, hackeamento de contas de redes sociais pessoais e vazamento de dados pessoais foram alguns dos métodos usados para desacreditar as ativistas, de acordo com o comunicado. Natalia Nozadze, pesquisadora da Anistia Internacional do Cáucaso Sul, disse que “o padrão e métodos dessas represálias sexistas e o fato de que os alvos são mulheres que expuseram violações de direitos humanos ou criticaram autoridades, são uma forte indicação de que as autoridades azerbaijanas são diretamente responsáveis ou cúmplices desses crimes. É o governo repressivo do Azerbaijão que se beneficia desses métodos sujos”.

Shahmarzade foi uma das mulheres mencionadas no comunicado.

Em março do ano passado, logo depois que Shahmarzade ajudou a organizar um protesto no Dia Internacional da Mulher, seu perfil no Facebook foi hackeado e o nome de sua conta foi alterado. Os hackers compartilharam fotos dela nua, incluindo fotos e áudios que foram editados para parecerem com ela.

Depois que sua conta no Facebook foi invadida, um canal no Telegram foi criado, compartilhando fotos íntimas de Shahmarzade. Em uma entrevista à VOA Azerbaijan na época, Shahmarzade disse “quando minha conta foi hackeada, vídeos e outros posts com críticas ao governo foram deletados. Então, minhas mensagens pessoais no aplicativo de mensagens do Facebook foram comprometidas. Algumas delas foram compartilhadas depois de editadas e tiradas de contexto. Meu número de telefone pessoal foi exposto e, como resultado, recebi inúmeras ligações e mensagens ameaçadoras”.

A exposição do endereço de sua casa para um abusador doméstico foi o mais grave no ataque a ela.

Gulnara Mehdiyeva, outra importante ativista e defensora dos direitos, disse que esse incidente significa que a próxima vez que ela ajudar uma vítima de abuso a fugir de um parceiro, também pode se tornar uma vítima. Mehdiyeva também foi perseguida on-line.

Shahmarzade suspeita que foi a polícia local em Ganka, a terceira maior cidade do Azerbaijão, que compartilhou o endereço da ativista com o marido. A sobrevivente de violência doméstica morou lá e o endereço de Shahmarzade está registrado lá. Ela explicou, “depois de saber que o criminoso foi até minha casa [onde Shahmarzade não mora no momento] eu informei a polícia em Baku e Ganja”.

Mas a polícia garantiu à ativista que não tinham sido eles quem compartilharam seu endereço. “Eles me disseram que foi um conhecido meu, que também conhecia o caso da vítima e estava me ajudando a achar um local seguro para a vítima, que compartilhou minha localização pessoal. Mas isso não pode ser verdade, já que essa pessoa nem mesmo sabe o endereço”, disse Shahmarzade.

A ativista está atualmente trabalhando com um advogado para descobrir o funcionário que compartilhou o endereço. Mas a situação é grave e não há um mecanismo ou instituição confiável a quem se dirigir.

Mehdiyeva avisou que se algo acontecer a Shahmarzade ou a qualquer outra ativista, a responsabilidade será somente do governo. “Estou seriamente preocupada que o homem que torturou sua mulher e esfaqueou uma pessoa no passado não apenas esteja livre, mas tenha obtido o endereço de Narmin com a polícia e ido lá”, escreveu Mehdiyeva em um post no Facebook.

Vítimas de abuso são mais numerosas que os recursos

A mulher a quem Shahmarzade ajudou a fugir de um marido abusivo tem 28 anos e dois filhos, de 5 e 11 anos de idade. Quando Shahmarzade foi informada sobre a vítima, ela imediatamente procurou ajuda legal e contatou os três abrigos que existem no país. Não havia lugar disponível.

Esses abrigos podem acolher no máximo 60 vítimas de abuso doméstico. Há um outro abrigo para crianças, Shahmarzade explicou à Global Voices. Frequentemente, ativistas procuram por outras casas seguras onde podem ajudar as vítimas a se abrigarem enquanto passam por exames médicos e obtêm documentação com a polícia, como manda o procedimento padrão.

Ativistas dos direitos das mulheres mencionam uma lei de 12 anos atrás contra a violência doméstica que raramente é cumprida. Ativistas do Comitê para Família, Mulheres e Crianças dizem que funcionários do estado não estão “fazendo seu trabalho”.

Ativistas por igualdade de gênero dizem que, frequentemente, quando as mulheres buscam ajuda para que a lei seja cumprida, a resposta típica dos funcionários é a reconciliação, que pode colocar as sobreviventes de abuso ainda mais em perigo. “Quando as vítimas de violência no Azerbaijão procuram a polícia, eles tentam reconciliá-las com o abusador ou as desencorajam a denunciar o caso. E, como resultado, a mulher morre”, a ativista Aytaj Aghazade disse ao OC Media.

Nos últimos anos, ativistas pediram que o Azerbaijão assine a Convenção de Istambul, um acordo dos países europeus se comprometendo a prevenir a violência contra a mulher e colocar fim à impunidade dos violadores. Mas a Convenção de Istambul é assunto polêmico no Azerbaijão, especialmente porque se refere aos direitos de casais do mesmo sexo. Conservadores do país frequentemente dizem que um acordo como esse iria “destruir” as tradições do Azerbaijão.

Segundo Lala Mahmudova, uma estudiosa dos direitos da mulher:

Domestic violence is the most widespread gender problem in Azerbaijan. In most households, domestic violence reveals itself in a certain forms: as physical and sexual violence, or psychological oppression and some form of coerced isolation.

Violência doméstica é o problema de gênero mais comum no Azerbaijão. Na maioria dos lares, a violência doméstica se revela de certas formas: como violência sexual e física, ou opressão psicológica e algumas formas de isolamento coercitivo.

Mahmudova explica que, porque o estado trata a violência doméstica como uma questão social, em vez de uma de importância estatal, o problema continua. Mas para encontrar soluções, a sociedade precisa trabalhar junto com o estado. Ela continua:

If individuals who inform the police about physical violence in their neighbor’s house are condemned by society, or if the abuser is ignored on the grounds that “it is his private family business” instead of being told that he is guilty of committing violence, and if the state does not improve sensitivity and professional training or implement other social structure reforms in the police, then we, as a community and state, play a direct role in the increasing number of domestic violence cases.

Se as pessoas que informarem a polícia sobre violência física na casa dos vizinhos forem condenadas pela sociedade, ou se o abusador é ignorado com a justificativa “isso é problema particular de sua família” em vez de ser informado que é culpado de violência, e se o estado não melhora a sensibilidade e treinamento profissional ou implementa outras reformas de estrutura social na polícia, então, nós, como comunidade e estado, temos um papel direto no número crescente de casos de violência doméstica.

Ativistas de direitos humanos como Shahmarzade, Mehdiyeva e muitas outras têm estado na linha de frente de um movimento pequeno, mas significante, no Azerbaijão, lutando para mudar percepções sobre os direitos das mulheres. Enquanto seu objetivo é fazer com que o estado proteja mais as mulheres, em vez disso, elas também têm sofrido violência nas mãos da polícia.

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