O melhor dos dois mundos? Guiana quer ser produtora de petróleo com baixa emissão de carbono

Vista da floresta tropical das Cachoeiras Kaieteur na Guiana. Imagem por Dallas Reeves no Flickr, CC BY-ND 2.0.

Por Vishani Ragobeer

Este post foi produzido com o apoio de Climate Tracker e originalmente publicado no Newsroom Guyana. Uma versão editada é republicada aqui com permissão, como parte da cobertura da COP26 da Global Voices.

A cerca de 200 quilômetros da costa da Guiana, um segundo navio de petróleo se instalou essa semana enquanto a ExxonMobil procura intensificar atividades para extrair os 10 bilhões de barris de petróleo que agora estima poder retirar. Em terra, uma área do tamanho da Inglaterra é coberta por florestas. A nação sul-americana, há muito atingida pela pobreza, acredita que é hora de tornar ricos seus pouco menos de um milhão de cidadãos, e acha que pode fazer isso mantendo as florestas intactas e almejando uma próspera indústria petroleira.

A ideia parece plausível.

Sim, a indústria petroleira é notória por emitir dióxido de carbono e outros gases do efeito estufa danosos que provocaram a crise climática, como a elevação dos níveis do mar, outra razão pela qual a Guiana precisa do dinheiro. A área da costa, onde 90% da população vive e onde a maioria das atividades econômicas acontece, está abaixo do nível do mar e uma enchente nesse ano devastou o país e trouxe de volta memórias da enchente de 2005, que afetou 230.000 pessoas e cortou 59% do PIB do país.

Os líderes da Guiana argumentam que o país ainda pode zerar suas emissões de carbono, o que significa que os gases poluentes lançados na atmosfera pela indústria do petróleo e outros setores podem ser compensados por gases que as árvores absorvem. As florestas do país armazenam 21.8 bilhões de toneladas de carbono; se as árvores fossem cortadas, todo esse carbono seria liberado na atmosfera, causando ainda mais danos ao ambiente.

Por mais de uma década, a Guiana fez lobby por um sistema global que pagasse ao país por manter sua floresta intacta. A Noruega foi a primeira a aderir, assinando um acordo de 250 milhões de dólares dos EUA, desde que os índices de desmatamento ficassem intactos, o que foi o caso. Os últimos números colocaram os níveis de desmatamento 90% mais baixos do que a maioria dos países tropicais, então a Guiana está procurando outros países ou empresas, que queiram compensar os gases poluentes gerados por suas indústrias, em troca de pagamento por manter suas florestas intocadas.

Recentemente, o vice-presidente Bharrat Jagdeo anunciou que um acordo de 300 milhões de dólares está sendo negociado. O presidente Irfaan Ali, enquanto isso, disse que a Guiana não está ignorando as preocupações sobre os efeitos dos setores de petróleo e gás, confirmando que seu governo vai buscar políticas fortes para garantir que o setor opere em padrões internacionais.

“O governo está trabalhando para eliminar a queima da produção de petróleo, exceto em casos de emergência genuína”, ele disse em um comunicado à nação. Toda queima é taxada em 45 dólares por tonelada de carbono além do limite permitido por lei. Para produção recentemente licenciada, o imposto sobre a queima será acompanhado de limites legais sobre o montante geral de queima, mas o presidente disse que o que o país quer é uma política que proíbe queima.

Com a emergência do setor de petróleo, o Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta que a economia guianesa irá expandir em 20,4%, mais que qualquer outro país na América Latina e região do Caribe. A ExxonMobil fez, até agora, 20 descobertas na região de 6.6 milhões de acres em que tinha licença para prospectar petróleo e instalar poços.

Nem todo mundo está feliz com o que está acontecendo.

Janet Bulkan, ativista ambiental e de direitos humanos e professora na Universidade da Columbia Britânica, pediu à Inter-American Commission on Human Rights (IACHR) para solicitar que os estados caribenhos interrompam “mais exploração arriscada de combustível fóssil”. Parte de sua apresentação apontou que o impacto adverso do setor no meio ambiente da Guiana já foi ilustrado pela queima excessiva de gases associados devido a um compressor defeituoso no Liza Destiny, o primeiro navio produtor de petróleo. O petroleiro produz 120.000 barris de petróleo em um dia.

Bulkan também argumentou que o setor em desenvolvimento de petróleo e gás da Guiana entra em conflito com as aspirações à baixa emissão de carbono e contribui para a crise climática global, incluindo a elevação dos níveis do mar que contribui para enchentes cada vez mais graves. Ela também enfatizou que tais atividades ameaçam o “aproveitamento efetivo” da vida humana.

Essa não é a primeira vez que tais preocupações foram levantadas, mas o vice-presidente Jagdeo, responsável pela campanha do acordo de preservação das florestas com a Noruega, argumenta que continuará a haver demanda por combustíveis fósseis e a Guiana não poderia apenas deixar enterrado todo o petróleo que tem enquanto outros países continuam a fomentar suas indústrias, alimentando seu crescimento e desenvolvimento. Ele acrescentou, no entanto, que o objetivo da Guiana é o desenvolvimento do setor de petróleo e gás de forma responsável.

Ao anunciar sua estratégia atualizada de Desenvolvimento de Baixo Carbono (Low Carbon Development Strategy, LCDS), o presidente Ali disse que seu governo também vai continuar a dialogar com os produtores de petróleo para garantir que, junto com outras medidas, as operações de exploração e produção vão continuar a explorar todas as oportunidades para inovações tecnológicas de baixo carbono, incluindo o uso de energia renovável para a produção de petróleo, Captura, Uso e Armazenamento de Carbono (Carbon Capture Utilisation and Storage, CCUS) e, quando tecnologicamente viável, hidrogênio verde.

Em um recente fórum de consultas para atualizar as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) sob o Acordo de Paris das Nações Unidas (ONU), Jagdeo declarou que o governo pretende usar os lucros do petróleo para financiar a transição do país para energia mais renovável, cortando emissões à medida que melhora a vida dos cidadãos. De acordo com ele, o gás natural obtido no projeto de gás-para-energia de 900 milhões de dólares vai cortar emissões em 50% e reduzir significativamente o custo da energia para o consumidor médio. Depois, ele disse que os lucros do petróleo podem financiar projetos planejados de energia renovável, incluindo um megaprojeto de hidroenergia, e antecipa que o país irá eliminar o uso de aproximadamente 70% dos combustíveis fósseis não renováveis até 2027, por meio do uso de gás natural e energia renovável.

Para a Guiana, pelo menos, enchentes são um dos mais aparentes efeitos da mudança climática, com o país tendo passado por uma enchente nacional apenas alguns meses atrás. É também o desastre natural que o presidente Ali usa para enfatizar a importância da ação climática urgente, incluindo a redução de emissões e financiamento climático adequado.

Em um debate recente de alto nível na ONU, o presidente não mencionou os objetivos da Guiana com exploração de petróleo, mas disse que o país vai continuar a fornecer ao mundo “serviços climáticos e de ecossistema essenciais”, particularmente por intermédio das NDCs expandidas.

O foco na economia marinha é importante, já que não se sabe muito sobre essa área. Uma equipe de jovens pesquisadores passou seis dias em mar aberto na Guiana identificando animais maiores encontrados ali, como golfinhos e baleias, como parte dos esforços para criar uma base de monitoramento das atividades em águas costeiras. Isso é fundamental, uma vez que o petróleo da Guiana é produzido em poços de águas profundas e existem preocupações sobre o impacto potencial dessa atividade no ecossistema marítimo. Os dutos para o projeto de gás-para-energia provavelmente também serão instalados no leito do mar, e isso pode resultar em interações futuras entre o ecossistema marinho e o setor de petróleo.

Com o desenvolvimento no setor de petróleo e gás continuando livremente, o presidente Ali colocou muitas das ambições climáticas da Guiana nas NDCs expandidas. Na COP26, o encontro climático da ONU desse ano, a Guiana apresentará seus argumentos sobre os motivos pelos quais o modelo de desenvolvimento de baixo carbono é ideal para solucionar a crise climática.

 

Inicie uma conversa

Colaboradores, favor realizar Entrar »

Por uma boa conversa...

  • Por favor, trate as outras pessoas com respeito. Trate como deseja ser tratado. Comentários que contenham mensagens de ódio, linguagem inadequada ou ataques pessoais não serão aprovados. Seja razoável.