Assinando suas obras como “Albarrán Cabrera”, as composições arrojadas do casal se destacam no competitivo cenário atual da fotografia devido ao uso de uma ampla gama de processos e materiais, incluindo platina, paládio, cianótipo e impressão em prata coloidal. Eles também desenvolveram processos que incorporam o papel japonês gampi e folhas de ouro em suas impressões pigmentadas.
“Tudo isso serve apenas para um propósito: queremos ter muito mais padrões para jogar com a experiência do espectador do que apenas a imagem em si”, afirmam eles. “A textura, a cor, o acabamento, os tons e até mesmo a borda de uma impressão podem apresentar informações adicionais para o espectador.”
Albarrán e Cabrera exibiram suas obras nos Estados Unidos, Espanha, Japão, Suíça, Holanda, Líbano e Itália, entre outros países. Sua mais recente exposição, “Subtle Shadows of Bamboo on Bamboo” [Sombras Sutis de Bambu em Bambu], terminou em 10 de março de 2019 na Antuérpia, na Bélgica. Em abril de 2019, as fotos de Albarrán e Cabrera serão exibidas na AIPAD Show em Nova York pela IBasho Gallery e também na Art Paris pela Esther Wowdehoff Gallery.
Em entrevista à Global Voices, Albarrán (nascido em 1969, em Barcelona) e Cabrera (nascida em 1969, em Sevilha) falaram sobre seus processos de trabalho, visão de mundo e segredos de trabalhar juntos como um casal.
Omid Memarian: Conceitos de lembrança e identidade aparecem predominantemente em suas fotografias. Qual é a relação pessoal de vocês com esses temas e como eles refletem em suas obras?
Anna: Tudo o que somos é lembrança. Ao lidar com qualquer coisa relacionada à ciência, você se baseia no que os cientistas já descobriram para entender o mundo. Em relação à identidade, você é quem você é por causa de suas recordações. Você é o seu primeiro aniversário, as recordações de sua mãe, as recordações dos seus primeiros dias de escola. Você é tudo isso. Até nossa maneira de conceituar o tempo para entender a realidade é baseada na memória. Isso é mais evidente em pessoas que sofrem de perda de memória. Para eles, o tempo não existe.
Esperamos que nossas fotografias estimulem as associações do subconsciente dos espectadores com base em suas recordações. Até preferimos que o espectador interprete a fotografia de modo totalmente diferente do que havíamos planejado de início. Dessa forma, eles criarão um novo conjunto de ideias para si mesmos.A recordação é o fio que tece todas as nossas séries. “The Mouth of Krishna” [A Boca de Krishna] é a série principal. É o resultado de todo nosso aprendizado até aqui. Está relacionada ao modo como nossas recordações mantêm nossa realidade consistente, como classificamos o que percebemos e como as interligamos.
De tempos em tempos, percebemos que alguns conceitos ganham maior importância e acabam gerando um novo portfólio. Assim, “This is you here” [Este é você aqui] estuda o conceito de identidade e como ele é criado com base em nossas recordações.
“Kairos” [Kairós] gira em torno da ideia de como os humanos percebem o tempo. O tempo não é algo tangível, é apenas uma propriedade do universo. Criamos o conceito de tempo com a ajuda de nossas recordações e o dividimos em passado, presente e futuro.
OM: Vocês passaram bastante tempo no Japão. Como essa geografia específica se conecta à visão de mundo, da arte e da cultura de vocês?
Angel: A cultura japonesa é muito importante para nós e nosso trabalho. Essa cultura, como muitas outras, está sujeita a muitos estereótipos e enormes equívocos. No início, você pode cair na armadilha da sua estética e filosofia. Mas uma vez que você estuda a língua, seu povo e sua história, você descobre a realidade deste país: as coisas boas, ruins e as horríveis que qualquer país tem. Contudo, ainda há algo fascinante: o Japão nos oferece uma interpretação completamente diferente da realidade quando comparada a nossa visão ocidental. Todos nós vivemos no mesmo mundo, mas ele é interpretado de muitos, e de diversos, pontos de vista.
O mundo ocidental é obcecado por simetria e perfeição. Percebemos a beleza como algo estabelecido por leis universais, conferindo grande importância para o perfeito e o eterno. A estética japonesa, no entanto, é muito diferente. Eles veem a beleza no impermanente, no imperfeito, no rústico e na melancolia. Eles anseiam pelo que não é eterno, pelo que é levemente danificado, singelo e frágil.
OM: O aspecto estético do trabalho de vocês é bem ousado. Em um mundo em que as representações clássicas de beleza foram deixadas de lado, como o trabalho de vocês está sendo recebido no mundo da arte?
Anna: Beleza é um assunto muito complexo. Não só é difícil definir o que é beleza, mas também lidar com ela. A formosura preocupa demais as pessoas. Elas temem que a beleza faça você esquecer como é a vida de fato. Mas como o filósofo Alain de Botton declarou: “Precisamos de coisas bonitas perto de nós, não porque estamos em perigo de esquecer as coisas ruins, mas porque problemas graves pesam tanto sobre nós que corremos o risco de cair no desespero e depressão… A arte que um país ou uma pessoa chama de ‘bela’ dá a você pistas vitais sobre o que está faltando.”
Não procuramos beleza de maneira consciente em nosso trabalho. Buscamos experimentar a beleza da descoberta através dos mistérios desconhecidos.
OM: Vocês têm feito fotografia de natureza na Europa e no Japão. Quais diferenças observam entre essas duas séries de trabalhos?
Angel: Como ocidentais, ficamos surpresos e maravilhados pela interpretação estética e filosófica que o oriente desenvolveu acerca do mundo. Ela parece muito diferente da nossa, embora as escolas de pensamentos do ocidente e do oriente possuam uma origem simultânea. Observando os pensadores gregos pré-socráticos da escola de Mileto, podemos encontrar na linha de pensamento deles um ponto em comum com a cultura oriental: a natureza.
O pensamento oriental, e mais especificamente o japonês, não perdeu esse contato ancestral com a natureza, mantendo-a no decorrer da sua evolução cultural. Os ideais e conceitos da estética japonesa são influenciados principalmente pela religião. Tanto no xintoísmo quanto no budismo, os deuses não são criadores da natureza, a natureza é uma entidade individual. Em nossa tradição ocidental, o conceito judaico-cristão de um criador ou Deus quebrou essa ligação e nos fez separar dos ideais estéticos tradicionais da Grécia antiga. O significado de termos como Wabi-sabi, Miyabi, Shibui ou Yuugen originalmente existiam em nossa cultura ocidental, mas eles não evoluíram como no caso japonês. Estamos contentes pelo fato dessa raiz comum estar presente em nossos trabalhos: geralmente as pessoas não conseguem diferenciar as imagens tiradas no Japão e aquelas tiradas em outros lugares.
OM: Quais são os principais elementos que influenciam seu trabalho e a forma como observam o ambiente e os objetos?
Angel: Diferentes tipos de artistas de diferentes disciplinas, como fotógrafos, pintores, escritores e cientistas sempre tiveram uma forte influência sobre nós. O que molda nossa visão da realidade é o conhecimento proveniente da literatura, filosofia, ciência, linguística, arquitetura, música e arte em geral. Nosso trabalho é movido pela aprendizagem. A fotografia nos ajuda a entender nossa realidade. Fotografias, para nós, são como notas visuais em um caderno. Essas notas visuais são tomadas com um estado mental específico e refletem nossa estrutura mental em relação à realidade. Pouco a pouco, ao longo do tempo, nós revisamos nossos trabalhos e isso nos dá novas ideias e perspectivas, da mesma forma que você faria com um caderno ou diário.
OM: Quais são os conceitos ou temas análogos que mantêm o público de diferentes continentes interessados em acompanhar e apreciar suas obras?
Anna: Seres humanos usam o sistema sensorial para ir além do mundo físico e entrar no reino da mente. Nós interpretamos a informação que recebemos e criamos a percepção do mundo a nossa volta. Espaço e tempo são, na verdade, conceitos criados pelos seres humanos para entender a realidade. Trabalhamos com temas e conceitos que são universais, que são comuns à maioria dos seres humanos, não importando sua origem, cultura ou religião.
OM: A arte é extremamente pessoal e vemos a assinatura de vocês em seus trabalhos. O quanto o trabalho de vocês representa suas visões e características? Como é o processo colaborativo de vocês?
Angel: Não conseguimos nos ver trabalhando separados um do outro. Nós vivemos juntos e temos interesses em comum. Trabalhamos individualmente sempre que saímos para fotografar, ou seja, cada um pega a própria câmera e trabalha de forma independente. Vamos juntos para o local com nossos equipamentos, mas cada um se concentra em um ponto e trabalha isolado. Quando chegamos em casa, nossas imagens são misturadas e trabalhamos na câmara escura ou com o computador sem pensar em quem, de fato, tirou a foto.
Anna: Não encontramos o lado negativo de trabalhar em colaboração. Mais do que isso, não conseguimos nos ver trabalhando individualmente. De um ponto de vista lógico, é muito prático trabalhar como trabalhamos. Como somos dois fotógrafos, capturamos mais imagens e de ângulos diferentes na mesma quantidade de tempo que levaria uma única pessoa. Se um de nós tiver um problema com a câmera, o outro pode ajudar. Se um tiver um bloqueio, podemos conversar com o outro e assim podemos nos concentrar de novo. Essas são apenas algumas das vantagens.
O processo criativo é altamente estressante. Criadores têm que tomar decisões todo o tempo sobre tudo. E como todos sabemos, ninguém tem a resposta certa para tudo. Como um criador, você não tem ninguém a quem recorrer para pedir ajuda.