Jornalista e activista angolano Rafael Marques volta ao banco dos réus por investigar corrupção

O jornalista Rafael Marques em seminário em Stanford em setembro de 2016. Foto: Youtube screenshot/Stanford CDDRL

O jornalista investigativo angolano Rafael Marques está mais uma vez sob julgamento em seu país.

Desta vez, Marques está a ser acusado de cometer “injúria a autoridade pública” por ter publicado um artigo em Outubro de 2016 no portal Maka Angola, do qual é fundador e editor, em que levanta suspeitas de corrupção contra o então Procurador-Geral da República João Maria de Souza.

Mariano Lourenço, editor-chefe do jornal “O Crime”, que publicou o artigo, é acusado do mesmo crime. Marques enfrenta adicionalmente a acusação de “ultraje a órgão de soberania” por alegadamente ter ofendido o ex-presidente José Eduardo dos Santos no mesmo texto.

O artigo expõe a acquisição por parte do ex-Procurador da concessão de um terreno de três hectares (cerca de quatro campos de futebol) por 600 mil kwazas (2500 dólares americanos) à beira mar na cidade de Porto Amboim, a cerca de 220 km sul da capital Luanda, para construção de um condomínio residencial, segundo documentos obtidos pelo Maka Angola.

Desde a independência de Portugal, em 1975, Angola encontra-se sob liderança do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido que sustenta o actual Presidente da República, João Lourenço, eleito em Agosto de 2017. Lourenço substituiu José Eduardo dos Santos, que esteve no poder durante mais de 35 anos em uma governação marcada por violações aos direitos humanos e censura à liberdade de expressão, com jornalistas e críticos sendo frequentemente perseguidos.

Os advogados de Souza afirmam que os jornalistas angolanos publicaram o artigo um ano após ele perder a concessão do terreno devido à falta de pagamento de emolumentos. A defesa de Rafael argumenta que ainda assim houve irregularidades em sua acquisição.

Seu advodgado Horácio Junjuvili declarou à Deutsche Welle em Março:

A factualidade apontada pelo Ministério Público incide diretamente sobre a liberdade de imprensa e de expressão. Nestes termos, o que começa por estar em julgamento neste caso é a liberdade de imprensa, designadamente no que tange ao combate à corrupção.

Marques foi indiciado em Dezembro do ano passado e o julgamento corre desde o dia 19 de Março. A última audiência, marcada para o dia 16 de Abril, foi cancelada devido a ausência do ex-Procurador, que alegou não poder ser ouvido no Tribunal Provincial de Angola por gozar de imunidades por ser magistrado jubilado.

A juíza determinou que Maria será ouvido no dia 24 de Abril em uma das salas do Ministério Público, a portas fechadas.

Velho alvo das autoridades

Não é a primeira vez que Marques é processado por conta da sua actividade jornalística em Angola. Em 1999, chegou a passar 42 dias preso, sem nenhuma acusação formal contra si, após publicar uma matéria em que descrevia o então presidente José Eduardo dos Santos como “ditador corrupto”.

Em 2016, chegou a ser condenado a seis meses de prisão e pagamento de multa pela publicação do livro “Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola”, editado em Portugal em 2011, em que denuncia violação de direitos humanos em minas de diamante no país. Marques foi acusado de denúncia caluniosa contra empresas mineiras e generais do exército angolano envolvidos no negócio de diamantes.

Em Maio do mesmo ano, após mobilização de organizações internacionais e da sociedade civil, todas as acusações contra Marques referentes ao livro foram retiradas pelas autoridades angolanas.

Segundo o advogado de defesa de Marques, David Mendes, esse julgamento correu com uma série de irregularidades, entre elas o facto de que apenas o réu foi ouvido. Ele declarou à DW na época:

“Para quem acompanhou o processo, viu-se que não houve discussão da causa. Foi ouvido o réu mas não foi discutida a matéria fática ou seja os factos não foram discutidos. Ouviu-se o réu e as testemunhas e os declarantes foram dispensados.O juiz não pode decidir com aquilo que vem da instrução. Então não havia razão de haver um julgamento. […] O julgamento só serve para o apuramento das razões facticas da justificação ou não dos elementos constituintes do crime. Não foi discutido o crime, não foram discutidas as matérias que teriam levado a convicção do tribunal. De onde o tribunal partiu da convicção para condenar?

A editora portuguesa do livro Tinta da China disponibiliza descarregamento gratuito do livro “Diamantes de Sangue” em pdf.

No vídeo abaixo, Rafael Marques fala sobre o seu livro ”Diamantes de Sangue” e explica como foi o processo da escrita do mesmo:

Perseguição a activistas

Rafel Marques não é o único a ser perseguido pelo regime angolano.

Em um caso que ficou conhecido como 15+2 , um grupo de activistas foi preso em Junho de 2015 durante uma sessão de um grupo de estudos da política angolana a partir da leitura do livro Da Ditadura à Democracia, do escritor norte-americano Gene Sharp, em que propõe em sua obra formas pacíficas de protesto.

Em Março de 2016, a justiça os condenou a penas variando entre seis meses e dois anos e três meses de prisão por actos preparatórios de rebelião e associação de malfeitores. Em Maio do mesmo ano, as penas foram convertidas em prisão domiciliar.

Outro activista alvo das autoridades é José Marcos Mavungo, fundador da organização de defesa dos direitos humanos Mpalabanda Associação Civica de Cabinda. Mavungo foi preso em Março de 2015, acusado de “rebelião” e posteriormente condenado a seis anos de prisão. A justiça decidiu por sua soltura em Maio de 2016 por “falta de provas”.

Cabinda, actualmente um enclave de Angola localizado ao norte do Rio Congo, foi um protetorado português entre 1885 e 1956, quando a administração colonial decidiu governar a região a partir de Angola sem acordo com os líderes locais. Desde os anos 1960, a região enfrenta uma insurgência separatista armada, agravada após a independência de Angola, que herdou dos portugueses a soberania sobre o local.

O conflito causou grande prejuízo à população. Ao longo dos anos, diversos organismos internacionais condenaram a atuação militar de Angola em Cabina por violações à liberdade de expressão e dos direitos humanos.

Em Dezembro de 2017, 28 activistas pertencentes à Associação para o Desenvolvimento da Cultura dos Direitos Humanos (ADCDH) em Cabinda foram detidos quando se preparavam para participar numa manifestação pacífica. Eles foram liberados no mesmo dia.

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