Esse artigo foi originalmente publicado no PesaCheck.org, primeira iniciativa de averiguação de fatos do Leste da África.
O presidente da Tanzânia, John Magufuli, exigiu que mães adolescentes que engravidam durante o período escolar sejam proibidas de voltar à escola depois de terem dado a luz.
Em discurso em um comício em Chalinze, uma pequena cidade na região oriental do distrito administrativo de Pwani, o presidente Magufuli repreendeu ONGs na Tanzânia por encorajarem mães adolescentes a voltar à escola, afirmando que elas estão “acabando com o país” e levando a Tanzânia a um estado de decadência moral:
If a girl gets pregnant, if it is deliberate or by accident, gives birth and then returns to school, she will teach these others who haven’t given birth that this is okay. The same girl can then go again and get pregnant, give birth and go back to school. And again for a third time. Are we educating parents?
Se uma garota engravida, deliberadamente ou por acidente, dá a luz à uma criança e depois retorna à escola, vai ensinar às outras que não tiveram filhos que isso está certo. A mesma garota pode então voltar a engravidar, dar a luz e retornar à escola. E novamente pela terceira vez. Estamos educando os pais?
O presidente acrescentou que mães adolescentes que frequentem o ensino básico ou o ensino médio seriam proibidas de voltar à escola depois de darem a luz:
I want to tell them, and those NGOs as well, that during my administration, no girl who has given birth will be allowed to go back to school .
Eu quero dizer a elas, e também a essas ONGs que, durante o meu governo, nenhuma garota que der a luz poderá voltar à escola.
O presidente continuou dizendo que mães adolescentes poderiam ir a outro lugar se quiserem estudar, tal como a Autoridade de Treinamento e Educação Vocacional ou até assumir a lavoura.
O comunicado provocou indignação nas mídias sociais, com tanzanianos usando a hashtag #ArudiShule (volte à escola), especialmente considerando que 8000 meninas tanzanianas largam a escola todo ano devido à gravidez, de acordo com um relatório da Human Rights Watch.
Então, a pergunta é, mães adolescentes influenciam o comportamento reprodutivo de outras estudantes?
A PesaCheck pesquisou o assunto, com a contribuição da iniciativa cidadã Twaweza e concluiu que a declaração do presidente Magufuli é enganosa pelas seguintes razões:
Mães adoslecentes que retornam à escola em Tanzânia influenciam as colegas a engravidar? (Declaração enganosa)
Fatos sobre gravidez na adolescência na Tanzânia:
Taxa de gravidez na adolescência na Tanzânia: 27%
Causas da gravidez na adolescência:
- Falta de educação sexual
- Pouca educação familiar
- Pobreza
- Nível de educação
Causas de gravidez na adolescência
De acordo com a Pesquisa demográfica e de saúde da Tanzânia (THDS) de 2015-2016, a taxa de adolescentes grávidas no centro da Tanzânia é consideravelmente alta, 27%. Que fatores contribuem com esse número?
Uma publicação da organização da sociedade civil HakiElimu diz que, de acordo com os cidadãos, um dos principais fatores que contribuem para a gravidez na adolescência é a renda familiar baixa. A publicação coloca que aproximadamente 31% dos participantes (incluindo pais e garotas adolescentes) acham que a pobreza é o principal fator, com uma difícil situação econômica fazendo com que os pais casem suas filhas por não conseguirem atender a suas necessidades básicas.
A THDS também mostra que a fertilidade varia de acordo com os níveis econômicos, diminuindo com o aumento da renda familiar. Maiores rendas familiares também possuem uma idade maior no primeiro parto, mostrando que lares mais pobres são mais propensos a terem mães mais novas, mais provavelmente de idade escolar.
Comprovando esse fato, um relatório do UNICEF mostra que uma em cada seis meninas, entre 15 e 19 anos, está casada na Tanzânia. Essas garotas ficam psicologicamente afetadas, já que muitas delas não conseguem voltar à escola depois de terem saído.
Uma infância carente e o desejo pessoal de garotas adolescentes foi outro fator exposto na publicação da HakiElimu. Eles descobriram que alguns pais não dedicam muito tempo com a moral e a educação de seus filhos. Outra descoberta foi a falta de educação sexual, o que ajuda adolescentes a entenderem melhor a puberdade. “Muitos pais vivendo em vilarejos não conversam com suas filhas que estão passando pela puberdade.” A TDHS mostra que mais da metade das mulheres já tiveram relações sexuais antes dos 16 anos.
O relatório da HakiElimu também apurou outro fator contribuinte a visão de que a sociedade valoriza garotas que se casam e se tornam mães.
O relatório da TDHS 2015-2016 mostra que as taxas de fertilidade estão fortemente relacionadas com o nível de educação. Ele coloca que mulheres que não estudaram têm 3,3 vezes mais filhos do que mulheres que estudaram até o segundo grau. Mulheres adolescentes que não estudaram têm 5 vezes mais probabilidade de ter tido filhos se comparadas àquelas que estudaram até o segundo grau ou mais. O TDHS de 2010, como mencionado no relatório da UNICEF (p.12), descobriu que a maioria de garotas que têm crianças enquanto “ainda são crianças”, na verdade não está estudando.
Mães adolescentes são a principal influência para gravidez na adolescência?
De acordo com a THDS, Zanzibar tem uma taxa significantemente baixa de 8%, se comparado à Tanzânia continental. Zanzibar estabeleceu uma politica de retorno à escola em 2010 como medida para reduzir o abandono escolar. O Quênia está exatamente entre a Tanzânia continental e Zanzibar com 18% de gravidezes na adolescência. Em ambos lugares as mães adolescentes estão frequentando a escola e a fertilidade na adolescência é bem mais baixa.
Portanto, a declaração de que mães estudantes que retornam à escola influenciam outras estudantes e geram um aumento no número de gravidezes na adolescência é enganosa. A maioria das pesquisas sobre gravidez juvenil atribuem gravidez em adolescentes a fatores econômicos, à atitude da comunidade e à educação de filhas mulheres.
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Esse artigo foi escrito pela colega da PesaCheck, Mwegelo Kapinga, uma consultora de desenvolvimento, pesquisadora e escritora. Mwegelo já trabalhou para Twaweza da África Oriental como analista de pesquisa. Os infográficos são do meu colega da PesaCheck, Brian Wachanga, que é um tecnólogo civil queniano interessado na visualização de dados. Este artigo foi editado pelo gerente de edição da PesaCheck, Eric Mugendi.
A PesaCheck, cofundada por Catherine Gicheru, é a primeira iniciativa da África Oriental de verificação de fatos. Tem como intuito ajudar o público a separar fatos de informações fabricadas em pronunciamentos públicos sobre números que moldam nosso mundo, com ênfase especial em pronunciamentos sobre finanças públicas que emolduram o que é entregue pelo governo do que é chamado de “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável” serviços públicos dos ODS, como assistência médica, desenvolvimento rural e acesso à água/saneamento. A PesaCheck também averigua a veracidade de reportagens da mídia. Para saber mais sobre o projeto, visite pesacheck.org.