A comemoração do aniversário da independência de São Tomé e Príncipe, a 12 de Julho, preenche-se de eventos culturais e tradicionais em todo o país que refletem um passado colonial de cinco séculos ao longo dos quais muitos imigrantes ali se instalaram para trabalharem na produção de açúcar, cacau e café. Por ter sido um “porto de navios envolvidos no tráfico de escravos em trânsito entre o Ocidente e a África continental”, as influências estrangeiras nas tradições de São Tomé persistem até aos dias de hoje.
Apesar do “palco online” são-tomense ainda ser bastante restrito, o blogue Património de São Tomé (criado em 2007 e apenas mantido durante um ano lectivo da disciplina de Património Histórico no âmbito de um curso profissional em Turismo) teve um papel muito importante na documentação das invulgares tradições do país. A coordenadora da disciplina, professora Marta Gomes, explicou:
São Tomé e Príncipe constitui um centro de congregação de vários povos. Como resultado desta mistura, temos a assimilação de várias tradições, costumes e culturas trazidas essencialmente pelas pessoas que vieram trabalhar nas ilhas a título de trabalho contratado.
Porto de entrada aberto às influências culturais
São Tomé inspirou muitos artistas estrangeiros para criações ligadas à diáspora, tais como a famosa música cabo-verdiana de Cesária Évora Sodade e a dramatização da fome de 1947 (Fome 47, de Simentera) que levou a administração colonial portuguesa a levar centenas de cabo-verdianos para São Tomé. Mas os imigrantes não chegaram a São Tomé somente a partir de países de língua portuguesa. Uma encruzilhada de ligações de vários cantos do mundo deixou as suas marcas na própria cultura são-tomense.
Um dos exemplos mais originais de influências estrangeiras no país – considerado até por alguns [it] a mais importante manifestação cultural – chama-se Tchiloli. A origem da sua autoria e a forma como foi introduzido em São Tomé geram controvérsia: alguns dizem que “a obra é francesa, passou por Espanha chegando posteriormente a Portugal”, outros afirmam que foi escrito por um poeta cego da ilha da Madeira chamado Baltazar Dias, e outros até defendem que veio do Brasil O que se sabe é que o Tchiloli:
is performed by prominent men of certain quarters of the island (…). The main roles are transmitted from generation to generation. Dressed in European clothes (mainly women costumes) and wearing masks, the male actors narrate a Renaissance text with music and dance, turning this spectacle into an extravagant cultural manifestation of African and European heritage.
Existem acervos de vídeos cidadãos e de fotos disponíveis online, bem como um pequeno documentário de 1988. Na seguinte entrevista intitulada Masks and Myths (Máscaras e Mitos) de Inês Gonçalves e Kiluanje Liberdade, um dos actores explica o que é preciso para se fazer parte do elenco:
O Danço Congo, também conhecido como a Dança do Capitão, é também uma das principais representações culturais e foi levada para São Tomé e Príncipe do Congo por trabalhadores no tempo colonial. A “dança-teatralizada” é descrita em detalhe pela dançarina e investigadora angolana Miriam Machado como uma “frenética, colorida, espectacular, com uma vigorosa – quase violenta – coreografia” e pode ser vista num vídeo de Alexandra Dumas no YouTube.
O Danço Congo é habitualmente apresentado nas celebrações do dia da independência e Miriam conta-nos uma particularidade interessante da sua história:
O Danço Congo foi proibido na época colonial porque as autoridades alegavam que o seu ritmo frenético extenuava os dançarinos, diminuindo o seu rendimento no trabalho.
Uma outra versão da história foi também publicada no blogue Património de São Tomé, como contada pelo Presidente do grupo cultural Danço Congo Mine-Carocel de Almeirim, Libiano Frota, que lamenta o “desaparecimento” da tradição devido ao pouco apoio por parte das autoridades responsáveis pela área da cultura, mas não só:
se eu morresse agora, o Danço de Congo morreria no mesmo instante, isto porque os jovens só querem saber de jaca, safu, mangas, cartas e futebol, nada de Danço de Congo.
Um apelo à preservação da cultura
Num artigo do blogue de Spirito Santo que atribui ao Danço Congo a descrição de “incrível resistência cultural!”, Helder D'ava, um cidadão são-tomense, comentou:
É pena que em S.T.P.(terra minha), tanto por parte das autoridades como das comunidades locais, estas actuações não são reconhecidas os seus potenciais valores, o que vem resultando no seu desaparecimento a cada dia que passa.
Algumas soluções para “preservar a história [de São Tomé] a fim de legar às gerações futuras uma herança digna de ser respeitada e apreciada” são enumeradas pelos alunos da turma de Património Histórico:
os escritores deviam dedicarem-se mais à escrita da história (…) de todas as manifestações culturais;
a televisão São-tomense devia ter um espaço aberto para expor estas manifestações culturais;
o Estado devia actuar de forma mais activa e directa para a promoção destes grupos culturais.
Apelamos, também, à população em geral a respeitar os saberes e as tradições ancestrais como parte do património colectivo de uma nação, lançando campanhas de educação patrimonial, consciencializando as pessoas a valorizarem as suas tradições e o respeito pela diversidade cultural.