Lindsay é transgênere, mora no Quénia e partilha a sua vida e a sua jornada rumo à feminilidade no blogue Living Lindsay- My life as a transgender girl in Kenya [en]. Lindsay descreve-se como sendo “uma jovem mulher normal com traços não tão normais. Sou transgênere ou se preferires, transexual.”
Já fizeram seis meses desde que foi operada e Lindsay sente-se mais confortável com a sua vida actual do que anteriormente. O seu principal objectivo é educar o público sobre situações relacionadas com a transgenia no Quénia respondendo a questões do público sobre a sua jornada. Lindsay escreveu sobre a realização da sua orquidectomia [en] e sobre os desafios que teve de ultrapassar; encontros violentos, como teve de mudar de casas e a sua luta com os documentos de identificação. A sua história ganhou destaque em um dos jornais diários do Quénia [en] e Lindsay espera fazer a diferença na sociedade queniana.
Entrevistei recentemente a Lindsay sobre o seu caminho de transição, o blogue e outros temas relacionados com a comunidade transgênica no Quénia e em África.
Pergunta: O que a inspirou a começar o blogue?
Resposta: Na altura, senti a necessidade de partilhar o meu ponto de vista, de ter um lugar para falar sobre os meus pensamentos, sentimentos e coisas do género. Foi o lugar perfeito que encontrei onde podia ser eu própria sem ter de esconder-me. Também pensei que podia chegar a outras pessoas como eu e aprender com elas.
P: Há quanto tempo tem o blogue?
R: O blogue está operacional há dois anos. O meu primeiro texto tem a data de Maio de 2008. Foi quando comecei.
P: Como é a vida de uma pessoa transgênere no Quénia?
R: Essa pergunta não é fácil. Somos diferentes. Alguns de nós têm a vida facilitada (como eu) e outros enfrentam dificuldades. Eu por exemplo fui abençoada o suficiente com o apoio da maioria da minha família, incluindo a minha mãe, tenho uma fonte de rendimento que me permite comprar hormonas e submeter-me à cirurgia (orquidectomia bilateral) e simplesmente sobreviver. Há quem não não tenha isto. Algumas de nós tornaram-se trabalhadoras do sexo para puderem sustentar-se. A maioria de nós e devido a pressões familiares, falta de recursos financeiros e outros factores, vivem ainda com o sexo que lhes foi atribuído (por exemplo, um homem trans vive ainda como mulher) e portanto sofre por dentro. E outros, por medo de serem estigmatizados, nada fazem.
No geral, se descobrirem que és transgênere, existe a probabilidade de seres estigmatizada, assediada, discriminada, sovada, ridicularizada, despida em público para que vejam o que tens entre as pernas e o pior de tudo, as violações como forma de correctivo são elevadas. Por vezes, tais violações são feitas pelas pessoas a quem se confiou o poder para nos proteger, a polícia. E o mais desanimador é que o governo tem poucas políticas e legislações que assistam os transgêneres no Quénia. O que existe é uma polícia que usa leis como a da “representação” para assediar e prender as pessoas trans.
P: O que a levou ao desejo de transição? Quando começou este caminho?
R: Eu considero-me uma mulher. Queria parecer como uma mulher. A forma como me sentia, quem eu sentia que era. Era este o meu desejo. Tanto por dentro como por fora. Detestava ter de fingir ser alguém que não era.
Comecei a transição há cerca de um ano em Setembro de 2009. O processo não foi fácil. A princípio, devido à minha aparência física foi extremamente difícil convencer as pessoas que eu era mulher. De facto, um dos incidentes que tive foi quando estava num hotel e queria utilizar o w.c. para senhoras e um segurança parou-me à força perguntando-me porque estava a ir ao w.c. das senhoras, dizendo “És uma miúda?”, repetidamente. Felizmente fui salva por um dos empregados do hotel. Vim a saber mais tarde que o tal empregado havia trabalhado na África do Sul e portanto, estava habituado a situações como a minha.
Após meses de luta e de toma de hormonas, a minha aparência melhorou e ficou difícil detectar qualquer traço masculino anterior. Estava excitada. Mais tarde consegui marcação com um cirurgião para a realização da orquidectomia bilateral. Em termos leigos significa castração – remoção dos testículos. Fiz isto porque em primeiro lugar, precisava economizar os custos da redução dos níveis de testosterona no meu corpo e a eliminação dos testículos significava que eu praticamente não produzia testosterona e em segundo lugar, achei que não seria um problema tê-los, até porque ficaria feliz sem eles. Para mim, os testículos eram uma chatice. Ainda não fiz a SRS uma vez que é dispendiosa e ainda não estou preparada para isso. Além disso, fazê-la no Quénia é um grande problema e quem tentou anteriormente enfrentou diversos desafios que se revelaram inúteis.
P: Quando é que soube que era transgênere em vez de gay ou que era um outro rótulo qualquer?
R: Descobri que era diferente aos 4 anos. Sabia que alguma coisa não estava certa. Alguma coisa relacionada com o meu género. Nessa altura não sabia o que era. Só mais tarde, quando estudava no secundário conheci a internet e descobri a palavra TID (transtorno de identidade de género). Antes disso, tinha conhecimento sobre gays, mas sabia que isso não descrevia o que sentia ou quem era.
P: Você tem um texto que diz “Eu não existo” e que clarifica essa questão. Que problemas sofre uma pessoa trans em África?
R: Escrevi esse texto em lamentação pelo único facto de que embora tenha um cartão de identidade, este está sob um nome que não uso, que não posso usar e que recuso-me a usar. Além disso, tem a fotografia de alguém que não se parece em nada comigo. Portanto, mesmo que diga a alguém que aquele é o meu cartão de identidade, dificilmente acreditariam em mim.
E mais, obter um novo cartão de identidade com o meu novo nome não é permitido. As leis actuais podem permitir a mudança de nome mas não permitem a mudança de sexo. Além disso, a mudança de nome raramente é aprovada se for claramente a alteração de um nome masculino para feminino ou vice-versa. É por isso que me auto-intitulei de “alienígena”.
P: Como se sente agora que se submeteu a uma cirurgia de alteração de sexo? O que pensam os seus amigos e familiares sobre o assunto?
R: Deixe-me clarificar que ainda não me submeti à SRS. O que eu fiz foi castração.
Considerando as razões porque a fiz, os familiares e amigos que me apoiam não têm problema com isto, embora me tenham questionado com frequência se pretendo ter filhos. Disse-lhes que não me importava não ter filhos do meu próprio sangue/esperma pelo simples facto de significar que os meios (para ter bebés) não seriam aceitáveis para mim.
P: De que forma a sua vida mudou agora que é uma mulher transgênere?
R: Sou uma pessoa mais feliz e mais realizada. Sinto-me rejuvenescida, sinto-me feliz praticamente todos os dias e para mim, viver ganhou novo significado. Sou muito, muito melhor do que há uns anos.
P: Como descreveria a blogoesfera LGBT em África?
R: Existem uns quantos bloguers LGBTI em África (sim, as pessoas tendem a esquecer o “I” e no entanto faz parte da sigla) mas os que vi ajudam de facto a melhorar a imagem da LGBTI na sociedade. Ouvi pessoas dizerem-me que os seus pontos de vista haviam mudado simplesmente por terem lido alguma coisa no meu blogue ou no blogue de outra pessoa LGBTI. Espero de facto, ver cada vez mais bloguers LGBTI por aí e cada vez mais específicos como uma pessoa hermafrodita que partilhe sobre a sua sobrevivência, desafios e alegrias connosco de forma a aprendermos mais e aumentarmos os nossos níveis de tolerância.
P: Os blogues têm ajudado na comunicação de temas LGBT no Quénia e com que progressos?
R: Sim. Penso que muita coisa mudou e porque as pessoas lêem os blogues escritos por pessoas LGBTI, cria-se cada vez mais consciência. Há muitos blogues por aí com publicações diárias e sinto que isso ajudou. Um amigo bloguer atribuiu-me o nome da primeira bloguer transgênere queniana e sinto-me bastante honrada. Fico feliz porque através do meu blogue muita gente aprendeu imenso sobre pessoas trans e sobre a comunidade rosa em geral.
P: O que pensa sobre o futuro dos blogues no que toca à LGBT?
R: Penso que o futuro precisa agora de mudar para questões mais pessoais. Tendo em conta o aumento da consciência a cada dia que passa, é preciso espalhar a palavra sobre este tipo de blogues. O único problema é que existem pessoas que não se expõem ou bloguers sem visibilidade e esse anonimato constitui um prejuízo garantido.
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