Por trás da proibição do TikTok na Jordânia

Imagem cortesia de Ameya Nagarajan, criada a partir de uma imagem de motionstock, sob licença do Pixabay.

Este artigo, escrito por Zeinab Ismail, foi originalmente publicado no SMEX, em 19 de janeiro de 2023. Esta é uma versão editada, republicada aqui como parte de um acordo de compartilhamento de conteúdo. 

O TikTok continua proibido na Jordânia um mês após o governo bloquear a plataforma para limitar a divulgação de imagens e vídeos mostrando os protestos dos trabalhadores em Ma'an. A ByteDance, empresa chinesa que opera o aplicativo, não se manifestou publicamente sobre a proibição, mas confirmou que está negociando com as autoridades para “continuar atendendo os milhões de usuários na Jordânia”.

Em meados de dezembro, caminhoneiros saíram às ruas para protestar contra o aumento dos preços de combustíveis na província de Ma'an, no sul de Amã, enquanto transmitiam o movimento ao vivo no TikTok. Motoristas de táxi e de ônibus públicos também participaram dos protestos, e lojas de diversas cidades entraram em greve. Quatro policiais foram mortos.

Em 16 de dezembro de 2022, as autoridades da Jordânia anunciaram uma proibição temporária do TikTok devido ao “mau uso por parte de alguns usuários” e à “incapacidade da plataforma de lidar com publicações que incitam a violência e o caos”, conforme declarado na página do Facebook da Diretoria de Segurança Pública da Jordânia.

A diretoria informou que a Unidade de Crimes Cibernéticos monitora o conteúdo compartilhado em redes sociais de olho em discursos de ódio e “incitação ao vandalismo, à agressão contra as forças de segurança pública, a danos contra a propriedade e ao bloqueio de estradas”.

Isolando os manifestantes do mundo

Notícias sobre os desligamentos da internet e sobre como o TikTok parou de funcionar começaram a circular logo no início dos protestos. Em entrevista ao SMEX, Raya Sharbain, advogada e especialista em direitos digitais na Jordânia, afirmou que os habitantes de Ma'an não sofreram apenas com a proibição do TikTok, mas também com desligamentos da internet em Ma'an e Karak durante o dia, o que perdurou até 26 de dezembro.

O TikTok teve um papel importante na divulgação de notícias sobre os protestos em diferentes regiões da Jordânia. Também expandiu o alcance dos eventos para além das fronteiras nacionais. Um ativista jordaniano, que preferiu permanecer anônimo por motivos de segurança, revelou ao SMEX que “os sites de notícias da Jordânia são em sua maioria leais às autoridades locais e atuam como seus porta-vozes. Por isso filmamos vídeos e os compartilhamos nas redes sociais, principalmente no TikTok, pois facilita a divulgação e o compartilhamento do conteúdo. Nossas soluções alternativas fizeram com que as autoridades cortassem a internet e proibissem o TikTok, mantendo-nos isolados do mundo”.

Os jornalistas estavam acompanhando as notícias e os últimos acontecimentos por meio do TikTok, e não pelos meios de comunicação locais, como Sawsan Abu Al Sondos, jornalista residente em Amã, declarou ao SMEX. Ela explicou que o TikTok “é uma plataforma de vídeos popular e acessível a pessoas de todas as idades ou origens que desejam expressar sua opinião”.

Devido às restrições impostas pelas autoridades, as pessoas usam serviços de rede privada virtual (VPN) para contornar a proibição e postar seus vídeos. Sharbain afirmou que a popularidade do TikTok na Jordânia fez dele a ferramenta mais usada por manifestantes para compartilhar ocorrências e atualizações.

Segundo a Diretoria de Segurança Pública, “o TikTok não lidou adequadamente com o uso indevido da plataforma por pessoas que exaltaram e divulgaram atos de violência ou instigaram o caos”. No entanto, a diretoria não disse se comunicou tais questões à plataforma.

Em uma entrevista com a mídia local no dia 8 de janeiro, Faisal Shboul, ministro das Comunicações do governo da Jordânia, afirmou que “o governo tem discussões técnicas em andamento com o TikTok, em uma tentativa de controlar os conteúdos na plataforma”. Ele confirmou que o governo não suspenderá a proibição tão cedo “a menos que as condições de controle de conteúdo sejam atendidas”. Shboul também alertou que “os usuários serão responsabilizados pelos comentários postados em suas publicações”.

Ahmad Hanandeh, ministro da Economia Digital e Empreendedorismo da Jordânia, confirmou em 15 de janeiro que não há novidades sobre suspender a proibição do TikTok no país, e o aplicativo continua proibido na Jordânia, conforme registramos com o teste realizado no Observatório Aberto de Interferência de Rede (OONI).

O TikTok confirmou indiretamente ao SMEX que o aplicativo foi proibido e que estão discutindo soluções com as autoridades jordanianas: “Acreditamos que, por meio de uma comunicação contínua, podemos chegar a uma decisão que permita ao TikTok continuar atendendo a milhões de usuários na Jordânia que encontraram na plataforma um espaço para expressar sua criatividade”.

Em sua resposta tardia, o TikTok informou às autoridades jordanianas que realmente monitora os conteúdos na plataforma e que “tomaria medidas apropriadas contra conteúdos que violassem as Diretrizes da Comunidade”. Também acrescentou que removeria rigorosamente e de forma proativa qualquer conteúdo infrator na Jordânia. Como resposta, o TikTok afirmou: “De acordo com nosso último relatório, um total de 310.724 vídeos foram removidos na Jordânia, dos quais 86,6% foram removidos antes de ter qualquer visualização”.

Proibir o TikTok na Jordânia é legal?

A decisão de proibir o TikTok gerou opiniões diferentes sobre sua legalidade, especialmente porque restringe a liberdade de expressão dos cidadãos. O advogado Enas Zayed, especialista em direito constitucional da Jordânia, disse ao SMEX que os desligamentos da Internet e a proibição do TikTok são totalmente incompatíveis com a Constituição e a lei da Jordânia. Ele apoia abertamente a liberdade de expressão, afirmando que sua restrição deve ser baseada em leis, e não em decisões emitidas pelo Poder Executivo.

Zayed observou que a Jordânia ratificou o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que enfatiza que a liberdade de expressão é absoluta, exceto nos casos expressamente previstos em lei.

“A proibição impede que as pessoas expressem suas opiniões de forma espontânea no aplicativo”, disse Zayed. “Caso exista uma violação legal na plataforma, as autoridades devem encaminhar o infrator ao judiciário. Proibições coletivas privam indivíduos que não falam sobre política de seu direito de expressar qualquer coisa, não apenas sua opinião sobre as greves”.

Restringindo o espaço digital

Devido à recusa da mídia tradicional em dar voz às pessoas, cada vez mais elas confiam nas redes sociais para expressar suas opiniões. Vendo essas alternativas como uma ameaça, as autoridades buscam restringir os espaços públicos que ainda estão à disposição do povo.

Sawsan Abu Al Sondos destacou que seu trabalho, que incluiu o monitoramento da resposta da mídia à greve dos caminhoneiros organizada em dezembro passado, revelou uma quase completa ausência de cobertura da mídia. O papel da imprensa local deve ser dar voz aos manifestantes e às pessoas afetadas pelas decisões do governo. Jornalistas e fotógrafos também estavam ausentes no início dos eventos, de acordo com Abu Al Sondos.

Junto ao desligamento da internet e a proibição do TikTok, autoridades e ativistas locais foram presos. Órgãos de segurança pública prenderam o ex-prefeito de Ma'an Majid al-Sharari, acusando-o de “provocar conflitos sectários e religiosos, incitar conflitos entre membros da nação e espalhar discurso de ódio”.

Também foi preso o jornalista e ativista político Khaled Turki Al- Majali, acusado de “incitação, difamação e calúnia por meio eletrônico”, e o ativista Alaa Al-Malkawi, cuja esposa revelou que o motivo da prisão foi uma postagem que ele compartilhou no Facebook.

Em 2020, desligamentos da internet na Jordânia causaram perdas estimadas em cerca de 4,9 bilhões de dólares. Além de constituir uma violação dos direitos humanos, tais desligamentos causam enormes perdas econômicas no país e limitam o avanço no meio digital, que vários países árabes, inclusive a Jordânia, almejam expandir.

Além disso, os desligamentos da internet impactaram negativamente o setor educacional na cidade de Ma'an, onde fontes revelaram à SMEX que, devido às más condições climáticas, a Universidade Al-Hussein Bin Talal tinha decidido dar aulas on-line, em vez de presencialmente, mas os serviços de internet ruins e as interrupções frequentes impediram os alunos de assistirem às aulas.

“Não é a primeira vez que as autoridades recorreram a desligamentos da internet sob pretextos infundados, como o de reduzir fraudes em provas”, afirmou Mohamad Najem, diretor executivo do SMEX. “As interrupções nos serviços de transmissão ao vivo, as proibições de sites e aplicativos e os desligamentos da internet aumentaram nos últimos anos, sendo o caso mais recente na Jordânia”, acrescentou Najm.

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