Moçambicanos reagem com humor e preocupação à descriminalização da cannabis sativa na África do Sul

Marcha pela legalização da cannabis sativa em Cape Town (África do Sul, 2017) | Wikimedia Commons CC

No dia 18 de Setembro, o Tribunal Constitucional da África do Sul, numa decisão unânime, aprovou a descriminalização do cultivo da cannabis sativa (nome científico da droga/maconha) para consumo pessoal em locais privados.

Já em 2005, o país tinha sido considerado o maior produtor de cannabis na região da África Austral, através de um estudo feito pela Agência Internacional de Controlo de Narcóticos.

Segundo a decisão do Tribunal, adultos podem cultivar a cannabis em “local privado”, desde que o objectivo seja o consumo pessoal.

O mesmo Tribunal definiu ainda que cabe a polícia decidir se a quantidade de cannabis apreendida com alguém pode ser considerada tráfico ou apenas posse para consumo pessoal.

Essa decisão não difere muito do que sucede no Brasil com na Lei de Drogas do Brasil, um dispositivo legal que tem estado a contribuir para o aumento da população prisional, sobretudo mulheres.

Moçambicanos reagem à decisão com preocupação e humor

A decisão da justiça sul africana provocou reacções diversas em Moçambique, país que faz fronteira com a África do Sul e constitui um dos destinos mais preferidos de milhares de jovens (moçambicanos) que buscam emprego naquele país.

Ivan Maússe, moçambicano — estudante de Direito e internauta activo nas redes sociais, diz que a descriminalização da cannabis sativa na África do Sul pode representar um grande desafio para Moçambique:

Representa um desafio enorme para Moçambique na medida em que, por cá, quer a produção quer ainda o consumo da cannabis sativa, continuam a constituir condutas proibidas e, desde logo, criminalmente puníveis nos termos da Lei de Prevenção e Combate ao Tráfico de Drogas, aprovada em consonância com instrumentos normativos internacionais sobre a matéria (Lei n.º 3/97, de 13 de Maio), e sendo igualmente verdade que o país estabelece fronteiras e o trânsito de pessoas e bens perante àquele é indiscutivelmente elevado.

Ademais, com esta legalização a possibilidade de se estabelecer um mercado de venda de cannabis sativa junto da fronteiras acima referidas por cidadãos sul-africanos, moçambicanos e doutras nacionalidades é maior, pelo que o trabalho de inspecção, revista ou fiscalização de viaturas, sacolas ou pastas de pessoas, e elas mesmas, em trânsito no sentido RSA – Moçambique, deverá “quadruplicar” por parte das autoridades moçambicanas.

Assim, não há dúvidas que esta legalização na RSA poderá acarretar custos elevados para Moçambique e outros países da região com muitos cidadãos naquele país. Aliás, muitos estudantes nacionais a estudarem naquele país e trabalhadores ainda não consumidores da cannabis, com a liberalização de seu consumo em espaços privados que não obsta que poderá ser também em locais públicos, correm o risco de, por influência directa ou indirecta, também entrar no mundo de seu consumo.

A mesma publicação teve vários comentários, sendo de destacar Maria Manjate que se mostrou preocupada com a decisão:

Estou muito triste. Na minha familia, existem jovens dependentes dessa erva. Estao totalmente destruídos, desnorteados, sem presente e muito menos futuro. Julgo k com a legalizaçao de soruma na vizinha SA, as coisas vao piorar.

Porém, Cal Barroso, outro jovem internauta, defende que não é de todo má a ideia da descriminalização da cannabis sativa no país vizinho de Moçambique:

É preciso antes de tudo perceber porquê da ERVA ser proibida em muitos países do mundo. Vivemos no mundo onde as mentes deixaram de funcionar. Deixamos de pensar. Algumas leituras cuidadas podem nos libertar de muitos “tabus” que temos sobre muitas coisas incluindo do tabu sobre a “cannabis”.

A cannabis faz mal? Sim, mas o álcool faz pior. O cigarro idem, mas posso comprar na esquina mais próxima. Quando forem a ler perceberão que não há razões palpáveis para a proibição da consumo da cannabis, tanto é que muitos países que tem gente que “pensa” estão a rever suas leis. Portanto aquele CC da África do Sul é composto por pessoas. Ouviram-se sensibilidades e chegaram a decisão a que chegaram.

Existe gente contra? Sim, sempre existirá. Cabe a nós pensarmos seriamente e com cuidado neste assunto para o bem da maioria. Deixemos paixões e tabus de lado. Conheço gente que consome e dirige empresas que rendem milhões, e outros que nem tocam numa gota de álcool e são piores seres do mundo! Leiam senhores, leiam, e filtrem o importante.

Juma Aiuba, jornalista e activista, usou o momento para ironizar em torno da forma de fazer política em Moçambique, destacando a existência de um grupo de comentadores e académicos que usam a televisão, o jornal e a rádio para fazer, de forma habitual, comentários a favor do partido no poder:

No que diz respeito à legalização do consumo da maconha, há que reconhecer que nós estamos muito mais adiantados do que os nossos vizinhos e arquicunhados sul-africanos. Nós legalizamos o consumo da cannabis nos idos anos 2012-2014, quando decidimos criar e instituir o famigerado Gê-40. Graças à essa erva que os nossos académicos sabiamente fumam ou fazem chá (legalmente), de lá à esta parte, temos dado passos gigantescos rumo à putrefação do conhecimento científico.

Sem dúvida, o gê-quarentismo tem sido o maior e o mais bem sucedido festival de maconheiros de fato e gravata exibido legalmente em rede nacional. Um autêntico desfile de lunáticos. Uma verdadeira sinfonia de paulados.

Há programas de televisão que você se apercebe (sem esforço algum) que os painelistas tiveram uma paragem ali na Colômbia da capital. Parece que esse grupo de sábios tem autorização para bater um baseado antes de entrar num estúdio de televisão/rádio ou antes de entrar numa redação de jornal ou mesmo antes de teclar no Facebook.

Cannabis sativa no mundo

Vários países já descriminalizaram o uso ou o porte de cannabis sativa, abolindo as penas de prisão que visavam os consumidores.

O Uruguai foi o primeiro a legalizar a produção, distribuição e uso da erva. No Canadá, assim como em oito estados dos Estados Unidos, o consumo recreativo também foi autorizado.

Na Europa, a Holanda é conhecida por autorizar o uso da droga nos “coffee shops” desde 1976, mesmo com uma lei de 2012 que restrigia a venda aos não-residentes e aos turistas, que no entanto foi revogada.

Na Espanha, a legislação tolera o consumo e a cultura de cannabis no âmbito privado, não-lucrativo e entre adultos, enquanto na República Tcheca não é crime transportar até 15 gramas de marijuana ou cultivar até cinco plantas da erva em casa.

As multas para os consumidores de cannabis foram abolidas em Julho na Geórgia e vários países, como Alemanha, Áustria, Grã-Bretanha, Finlândia, Itália, Grécia, Romênia, Eslovênia, Croácia, Portugal, Polônia e Macedônia, legalizaram a erva para uso terapêutico.

Na França, um comitê foi criado para “avaliar a pertinência do desenvolvimento” da utilização terapêutica de cannabis. Actualmente, dois medicamentos derivados da erva são autorizados no país.

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Nota de actualização: a publicação original (1 de Outubro) trazia no título o termo legalização, sendo que na actual versão (13 de Outubro) traz o termo descriminalização.

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